Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a decisão dos brasileiros que permaneceram no Haiti. (como Líder)

Autor
João Tenório (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: João Evangelista da Costa Tenório
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a decisão dos brasileiros que permaneceram no Haiti. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2004 - Página 7734
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, BRASILEIROS, PERMANENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, SITUAÇÃO, GUERRA CIVIL.
  • OPINIÃO, ORADOR, RECUSA, BRASILEIROS, RETORNO, BRASIL, MOTIVO, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, ECONOMIA, PAIS.

O SR. JOÃO TENÓRIO (PSDB - AL. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “o Haiti é aqui” - já cantava, há anos, o nosso bom Ministro Gilberto Gil.

Nesses dias, acompanhando o noticiário sobre a última crise naquele país caribenho, deparei-me com a notícia de que parte dos brasileiros ali residentes optaram por não embarcar no avião da Força Aérea Brasileira, que, com muito esforço, conseguira descer em meio ao conflito. Segundo a imprensa, o nosso imenso Hércules trouxe apenas quatro dos vinte e oito brasileiros que viviam no Haiti, além de uma haitiana, mulher de um deles. É espantoso o fato de que apenas 14% resolveram retornar ao Brasil. Oitenta e seis por cento dos brasileiros residentes no conflagrado Haiti resolveram ficar por lá mesmo.

Fiquei pensando sobre esse inusitado auto-exílio. Por que alguém faria opção por um país em chamas quando um avião se achava à disposição para um retorno seguro e grátis ao país natal? O que levaria brasileiros a optarem por essa situação temerária?

Com todo respeito àquele país e a seu povo, a realidade haitiana é das mais críticas, das mais perigosas. Realmente, numa primeira comparação, não haveria o que comparar: o Brasil tem uma área em que cabem 354 Haitis. O nosso Produto Interno Bruto é 126 vezes maior, o que resulta num PIB per capita que, embora vergonhoso, equivale a mais de seis vezes o haitiano.

Os brasileiros ficaram naquele país por desprendimento missionário, responderão alguns. Outros invocarão explicações das mais criativas. Mas, no meu entender, todas as nuances desse caso levam-me a ponderar sobre a mais danosa realidade brasileira: os abismos sociais que se avolumam.

Estamos criando Estados agonizantes, zonas de exclusão e miséria. Patrocinamos com isso ondas migratórias, que levam os homens em busca de novas paragens, em busca de oportunidades, por mínimas e fantasiosas que sejam.

Recentemente, um caso foi noticiado pela imprensa com muita intensidade: o retorno ao Brasil de brasileiros que se encontravam nos Estados Unidos em busca de melhores oportunidades e que lá foram presos. Comenta-se que alguns deles já estão dispostos a enfrentar uma nova aventura para lá ficarem.

Sente-se na pele que o Brasil está afunilando na desesperança. A frase de efeito pretensamente intelectual de que “se esgarça o tecido social”, embora revestida de certa pompa, tornou-se absolutamente real e ultimamente assumiu até uma formulação atenuante.

Para piorar a situação, Sr. Presidente, um País continental como o nosso ter crescimento anual zero (ou decrescimento, como indicam estudos mais recentes) é simplesmente desastroso. Se continuar assim, poderemos contar com mais de 1,7 milhão de pessoas sem emprego a cada ano, engrossando a imensa e triste leva dos desempregados atuais.

Devemos ter consciência de que esse estado de coisas não é uma invenção dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios. Não parto de uma posição sectária, pois isso não faz parte do meu perfil. Apenas lembro a imensa e insofismável responsabilidade dos eleitos, dos que se propuseram a governar, dos que arrebataram a confiança dos brasileiros.

Cobro do Governo soluções, mudanças de rumo, ações pontuais e factíveis, como diminuição de taxas de juros, desburocratização da pequena e média empresas, alívio tributário e mecanismos de balanceamento regionais.

Ninguém em sã consciência pode dar-se por satisfeito com a estagnação da economia, com a estabilidade na queda. O próprio Partido do Governo cobra mudanças econômicas imediatas, pois isso é imprescindível e urgente.

O Haiti está ali a nossa frente, assim como está a nossa frente todo o elenco de opções, inclusive a de lutar por um País desenvolvido, capaz de usufruir o seu tão decantado potencial - o que jamais será possível com crescimento zero.

Assim, pensando na opção dos que em Porto Príncipe recusaram embarque no avião da FAB, devemos deixar de lado as querelas menores, os radicalismos extremos, e buscar - como já foi dito antes - ser agora o País do futuro. Devemos deixar de nos comportar como ilhas - a nossa visão deve ser continental.

Nossa alternativa não pode ser o exílio insular, até porque o Haiti não nos cabe a todos.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2004 - Página 7734