Discurso durante a 19ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a Lei de Biossegurança. (como Líder)

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Considerações sobre a Lei de Biossegurança. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2004 - Página 7768
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • EXPECTATIVA, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, BIOTECNOLOGIA, SEGURANÇA, SENADO, POSSIBILIDADE, ANTAGONISMO, INTERESSE, PODER ECONOMICO, ALEGAÇÕES, RISCOS, SAUDE, VIDA HUMANA, MEIO AMBIENTE.
  • NECESSIDADE, VOTAÇÃO EM SEPARADO, ASSUNTO, REPRODUÇÃO, CLONE, VIDA HUMANA, INCLUSÃO, PROJETO DE LEI, BIOTECNOLOGIA, SEGURANÇA.
  • ANALISE, CRITICA, RESTRIÇÃO, PROJETO DE LEI, PESQUISA CIENTIFICA, VALOR TERAPEUTICO, CLONE, EMBRIÃO, VIDA HUMANA, OBJETIVO, TRATAMENTO, DOENÇA.
  • IMPORTANCIA, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, SENADO, ESCLARECIMENTOS, POLEMICA, ASSUNTO, PROJETO DE LEI, BIOTECNOLOGIA, SEGURANÇA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início do mês de fevereiro deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto da nova Lei de Biossegurança. No momento, o projeto tramita no Senado Federal e é o foco de acaloradas discussões, tanto no âmbito desta Casa quanto no âmbito mais amplo da sociedade brasileira.

Sr. Presidente, a polêmica gerada por esse projeto é diretamente proporcional à sua importância. Os efeitos de uma decisão equivocada do Congresso Nacional serão sentidos por muitas gerações de brasileiros no futuro.

Penso que, no presente caso, os enganos já começaram na própria enumeração dos objetos do projeto de lei. A Lei de Biossegurança que se pretende aprovar coloca na mesma cesta dois ovos distintos e que mereceriam tratamentos e discussões diferenciados.

De um lado, temos a questão dos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. O tema é espinhoso e envolve, além de interesses de agentes econômicos poderosos, a possível existência de risco à saúde humana e ao meio ambiente.

O mesmo projeto trata de outro tópico controverso: a clonagem humana. Creio ser consensual, Sr. Presidente, a opinião de que a questão da clonagem é ainda mais delicada que a dos transgênicos, uma vez que ela toca em um ponto que suscita embates éticos apaixonadíssimos: os limites da vida humana.

Dessa forma, seria mais apropriado, antes de tudo, que esses dois assuntos fossem tratados em projetos diferentes, pois ambos envolvem argumentação de natureza distinta. No primeiro caso, o dos transgênicos, os argumentos são de natureza eminentemente científica. Já no segundo caso, além dos aspectos científicos, temos que lidar com questões éticas e filosóficas em quase oposição às científicas.

Feita essa advertência inicial, Sr. Presidente, entro no mérito da polêmica em si. Dentre as muitas decisões controversas tomadas pelos nobres Deputados Federais, a que vem suscitando os protestos mais veementes é a proibição das pesquisas com células-tronco embrionárias.

Sr. Presidente, vários especialistas e inúmeros artigos na imprensa vêm enfatizando as contradições presentes no texto do projeto de lei. Segundo o projeto, a pesquisa com células-tronco embrionárias só seria permitida caso as células fossem obtidas a partir de cordões umbilicais, medulas ósseas ou placentas. Ficaria proibida a pesquisa com células-tronco provenientes de embriões já existentes em clínicas de fertilização ou de embriões produzidos pela chamada clonagem terapêutica.

Ora, é fato notório que, periodicamente, milhares de embriões são descartados em clínicas de fertilização in vitro. Caso seja aprovado em sua forma atual, o projeto dará ensejo a uma situação surreal: os embriões podem ser destruídos, desde que não seja para a obtenção de células-tronco que curem doenças ou salvem vidas.

Ninguém contesta, Srªs e Srs. Senadores, que a pesquisa com células-tronco é uma das mais promissoras no que diz respeito ao tratamento de doenças neurodegenerativas. Por serem células indiferenciadas, ou seja, células com o potencial de se transformar em outros tipos de células, as células-tronco possuem o potencial de reconstituir órgãos e tecidos danificados.

O problema é que a obtenção da célula-tronco embrionária, a célula-tronco com o maior potencial terapêutico, causa a destruição do embrião que a forneceu. Dessa forma, na visão de muitos, pesquisas com células-tronco embrionárias em nada se diferenciariam de um aborto e, portanto, de um assassinato.

A contestação dessa forma radical de se enxergar a questão, Sr. Presidente, pode ser feita em, pelo menos, duas dimensões. A primeira dimensão é a conceitual. Uma pergunta crucial permanece sem resposta: onde começa a vida humana? A clonagem terapêutica trabalha com blastocistos, que são esferas minúsculas, menores que a ponta de um alfinete, compostas por algumas dezenas de células indiferenciadas, que nem chegam a ser implantadas em um útero. Será que esses blastocistos já podem ser considerados seres humanos? Enquanto não chegarmos a algum tipo de consenso acerca do ponto a partir do qual um conjunto de células passa a ser um indivíduo, não chegaremos a um acordo quanto à aceitabilidade da clonagem para fins terapêuticos.

A segunda crítica que se pode fazer à proibição radical das pesquisas com células-tronco embrionárias tem que ver com a inexorabilidade dos avanços científicos e a participação de nosso País nesses avanços. A verdade seja dita, Sr. Presidente: ainda que a pesquisa seja terminantemente proibida no Brasil, em algum lugar do mundo, ela fatalmente prosseguirá.

Na verdade, isso já vem acontecendo. Os Estados Unidos impuseram limites a essas pesquisas e, em decorrência disso, perderam cientistas importantes para outros países, como a Inglaterra. Grandes avanços vêm ocorrendo, na área da clonagem terapêutica, em países como a China e a Coréia do Sul.

Abro um parêntese, Sr. Presidente, para deixar claro que não estamos tratando aqui da clonagem reprodutiva. Ainda não se cogita, em nenhum país, a liberação das pesquisas para a realização da clonagem reprodutiva. Há, inclusive, uma movimentação da Organização das Nações Unidas no sentido de banir definitivamente essa possibilidade. A clonagem terapêutica, por outro lado, é objeto de pesquisas promissoras em alguns países, como os que mencionei anteriormente.

A proibição da clonagem terapêutica e das pesquisas com células-tronco embrionárias, no Brasil, não impedirá o avanço delas em outros locais onde sejam encorajadas.

Não é difícil imaginar o que ocorrerá na hipótese da descoberta da cura de doenças como o diabetes e o mal de Parkinson. O Brasil e outros países que porventura proibirem as pesquisas com células-tronco pagarão o preço do atraso com duas moedas: a primeira, obviamente, será econômica, pois a tecnologia necessária para a aplicação das terapias não será barata; e a segunda moeda se constituirá na perda de nossos melhores cérebros para os países que mais avançarem nessas pesquisas, processo que já começa a ocorrer.

Em outras palavras, Srªs e Srs. Senadores, a proibição radical das pesquisas com células-tronco embrionárias é uma posição extrema, que não trará quaisquer benefícios ao País.

Da mesma forma, não sou um defensor ferrenho da ciência pela ciência, não obstante minha formação em Medicina. Sou da opinião de que a ciência deve submeter-se, antes de tudo, aos melhores princípios éticos de uma sociedade. O que não é admissível, no entanto, é que a ciência se submeta aos ditames do preconceito, da desinformação e da ignorância.

Concluo este pronunciamento, Sr. Presidente, congratulando-me com a iniciativa dos Senadores e das Senadoras que têm defendido a realização de audiências públicas nesta Casa para o esclarecimento dos principais pontos do projeto da Lei de Biossegurança. Teremos a oportunidade de confrontar, como aliás já fizemos em algumas audiências, as diversas opiniões, e chegar a um ponto de equilíbrio que, a um só tempo, respeite nossos posicionamentos morais mais nobres e permita o desenvolvimento científico e tecnológico de nosso País. É dessa maneira que as decisões devem ser tomadas em uma democracia e não pela adoção de posições extremas, radicais ou fundamentalistas.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2004 - Página 7768