Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura de matéria publicada nos jornais A Crítica e Correio Braziliense a respeito de desvio de dinheiro envolvendo a ONG Cunpir - Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Leitura de matéria publicada nos jornais A Crítica e Correio Braziliense a respeito de desvio de dinheiro envolvendo a ONG Cunpir - Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/2004 - Página 7859
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, VEREADOR, MUNICIPIO, BOA VISTA (RR), ESTADO DE RORAIMA (RR), VISITA, SENADO.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, A CRITICA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, REPASSE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), COORDENAÇÃO, TRIBO, COMUNIDADE INDIGENA, REGISTRO, SUSPENSÃO, CONVENIO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ORGANISMO INTERNACIONAL, MEIO AMBIENTE, PROTESTO, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE, IMPUNIDADE, EX PRESIDENTE, SOLICITAÇÃO, CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU), TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, IRREGULARIDADE.
  • REITERAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, GESTÃO, RECURSOS, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ATENDIMENTO, COMUNIDADE INDIGENA, REGIÃO NORTE, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBRIGATORIEDADE, REGISTRO, FISCALIZAÇÃO, CONTROLE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), RESULTADO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).
  • DETALHAMENTO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ATUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, antes de abordar os temas que me trazem a esta tribuna, cumprimento o Vereador George Melo, que se encontra na tribuna de honra do Senado Federal, de Boa Vista, Capital do meu Estado, que está em Brasília cuidando dos problemas do Município e da Câmara Municipal.

Inicio meu pronunciamento lendo matérias publicadas nos jornais A Crítica, de Manaus, e Correio Braziliense. No primeiro, o título é “Somem R$2,2 milhões de ONG” e, no Correio, “Mistério: Rombo de R$ 2 milhões em ONG”. As importantes matérias se referem a recursos públicos que estão sendo repassados a organizações não-governamentais que estão vivendo de recursos públicos, provenientes de impostos, pagos para atender a população.

Lemos na matéria:

O Cacique Almir Suruí, de 35 anos, confirmou ontem que a dívida da Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Cunpir) ultrapassa R$2,2 milhões. Ele está investigando há um mês o desaparecimento de dinheiro, que resultou no afastamento do ex-presidente da ONG, cacique Antenor Karitiana, de 43 anos. Como não houve prestação de contas, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e a WWF (Fundo Mundial para a Natureza) [ONG internacional] suspenderam convênios com a Cunpir, que representa 42 nações indígenas [do que discordo, porque não existe nação, mas nações indígenas] e 10 mil índios. O convênio com a WWF tinha dez anos.

A ONG indígena deve a fornecedores de combustível, medicamentos e material de expediente aproximadamente R$2 milhões. Além disso, existe uma dívida trabalhista de R$ 200 mil e não há comprovante do gasto de R$64 mil repassados pela WWF. Mesmo assim, Almir Suruí afirma que colocará “a casa em ordem”. Ele prefere não entrar em detalhes sobre as irregularidades e diz não ter a intenção de culpar ninguém. “A meta é fazer a coisa certa, evitando que novos problemas venham a ocorrer ou se repitam os erros anteriores”.

É muito bom, Sr. Presidente! Assume o novo Presidente da ONG, diz que a meta não é culpar ninguém, e que vai apenas arrumar a casa. E o dinheiro público que foi desviado? O Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União não tomarão providência? Vejo a eficiência da Controladoria-Geral da União na fiscalização de pequenos Municípios do interior, que recebem, às vezes, convênios de R$10 mil, R$15 mil para uma pequena obra. E quanto a esse caso?

Chamo a atenção da Controladoria-Geral da União - CGU, do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal porque é inadmissível que uma situação dessas passe apenas por um acerto entre o Presidente que saiu e o Presidente que entra.

Continua a matéria:

Devido a problemas como o verificado em Rondônia, a Funasa decidiu que a partir de 1º de abril deixará de repassar dinheiro diretamente às ONGs que representam povos indígenas. O chefe da coordenação regional da Fundação em Rondônia, Josafá Marreiros, explicou que atrasos na prestação de contas comprometem a continuidade do programa de saúde nas aldeias. “Com a mudança, [quer dizer, a mudança é que agora não repassará direto para as ONGs, mas para a Funasa regional, que termina fazendo uma parceria com as ONGs, o que dá na mesma coisa], resgataremos nosso papel de execução dessa política e garantiremos a agilidade dos serviços. Continuaremos a trabalhar com as ONGs, mas de outra forma”.

Defesa

O cacique afastado Antenor Karitiana se defende, alegando ser honesto. Ele explica que o dinheiro público recebido através de convênios não foi suficiente para cobrir todas as despesas porque o preço de medicamentos, combustível e prestação de serviços subiu, havendo acúmulo de despesas. “Não houve corrupção. Expliquei como o dinheiro foi gasto. Só não apresentei as notas fiscais”.

Ora, Sr. Presidente, é brincadeira! Trata-se de dinheiro público, de recurso que foi destinado a uma organização dita não-governamental, que o gastou. E, com a maior desfaçatez, o responsável pela ONG - que, creio, a Fundação Nacional de Saúde teve a preocupação de saber se era capaz de gerir esses recursos -- diz que tudo foi normal, que só não apresentou as notas fiscais?

Karitiana afirma que não precisa de dinheiro. “Tenho muitas terras e nelas há macacos para comer. Isso me basta”.

Ora, Sr. Presidente, é um escárnio à Nação, um escárnio ao dinheiro público! Não é possível que um dinheiro destinado à saúde dos indígenas seja desencaminhado e, de uma maneira muito tranqüila, o gestor desses recursos diga: “Não preciso desse dinheiro. Gastei e apenas não apresentei as notas fiscais. Não preciso porque tenho muitas terras e nelas há muitos macacos”.

Portanto, é preciso chamar a atenção da direção da Fundação Nacional de Saúde, porque sei que ela está querendo acertar.

No passado, cansei de fazer denúncias. Em meu Estado, por exemplo, só as duas ONGs que cuidam da saúde indígena recebem mais dinheiro que todos os Municípios do interior, que cuidam de 95% da população, que é de não-indígenas.

É preciso cuidar do dinheiro público de maneira séria. Faço essa denúncia com base em notícia publicada e tendo ouvido os dois lados. Quero crer que tanto o Tribunal de Contas da União como a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público devam tomar medidas enérgicas. Eu mesmo, além deste pronunciamento, vou oficiar a esses órgãos solicitando informações e providências sobre o assunto.

Mas continua a matéria, referindo-se ao cacique Antenor Karitiana:

Ele circula com uma caminhonete S10 cabine dupla, placas NCM-2733. O cacique disse, ainda, que o problema existente em Rondônia é pequeno, se comparado ao que está acontecendo em ONGs administradas por índios nos Estados do Acre, Roraima, Tocantins e Pará.

Olhem só: R$2,2 milhões desviados em Rondônia, segundo as palavras do próprio Presidente da ONG, um cacique, que diz que o desvio é pequeno se comparado como que ocorre nas ONGs que são tocadas por índios, Senador João Ribeiro, lá em Tocantins, segundo a denúncia, no Acre, no meu Estado de Roraima e no Pará. Então, temos que investigar a denúncia e pedir providências.

Aliás, Sr. Presidente, está no Senado, desde 2002, um projeto de minha autoria, que estabelece condições de registro, funcionamento e fiscalização das organizações não-governamentais, cujo Relator é o Senador César Borges. Em 2003, ao final da CPI das ONGs, cujo relatório tenho aqui, foi apresentado um outro projeto dispondo também sobre o registro, fiscalização e controle das organizações não-governamentais, do qual é Relator também o Senador César Borges. S. Exª apresentou um substitutivo, dispondo sobre a necessidade de que haja um registro das ONGs.

Sr. Presidente, na CPI das ONGs, verificamos que não há controle algum sobre essas organizações. O convênio da Funasa com essas ONGs não obedece a nenhum critério de Administração Pública, porque não é feita licitação, não é feito controle algum. Então, realmente, o cacique tem razão quando diz que esse problema de Rondônia é muito pequeno, segundo as palavras dele, se comparado ao que ocorre em Tocantins, no meu Estado de Roraima, no Acre e no Pará. Conheço bem o que está acontecendo em Roraima.

Quero aqui relacionar algumas ONGs com comprovadas irregularidades, apuradas ao final daquela CPI: a Associação Amazônia, uma ONG italiana e argentina, com sede na Itália, que comprou no sul do meu Estado 174 mil ha de terra e está explorando de maneira ilegal o ecoturismo a partir da Itália. Observo que, segundo a lei, a compra de mais de 3 mil ha tem que passar pelo crivo do Senado. Como é que uma ONG compra 174 mil ha? E, pior: comprovamos que há evasão de divisas e encaminhamos denúncia ao Ministério Público, aos diversos órgãos, Receita Federal e outros.

Outra ONG relacionada foi a Focus on Sabbatical, que veio ao Brasil pagar para os produtores de soja não plantarem. E isso foi comprovado também.

Também a ONG Unificação das Famílias Pela Paz Mundial, do Reverendo Moon, que, segundo consta, comprou uma quantidade enorme de terras em Mato Grosso do Sul e no Paraguai. Temos comprovação - inclusive o Ministério da Justiça tem conhecimento disto - de que o plano dele na verdade é fazer um país; ou seja, trazer gente lá da terra dele, da Coréia, para criar um novo país, usando um pedaço do Brasil e do Paraguai.

Ainda há outra ONG, a Cooperíndio, no Amazonas. Um de seus dirigentes foi preso com 1 tonelada de ametista e 300 quilos de tantalita, um mineral de terceira geração.

Na ONG Paca (Proteção Ambiental Cacoalense), de Rondônia, foi constado outro problema.

Em relação a essa ONG que está sendo comentada hoje nos jornais, a CPI fez a sua parte ao relatar que “os fatos relativos à ONG “Cunpir determinam a obrigação de comunicação para as seguintes autoridades: Procuradoria-Geral da República para a tomada de providências em relação à retirada de madeiras e minérios nas áreas dos Karitianas e da etnia Suruí, bem como relativamente às irregularidades do convênio com a Funasa (...)”.

Sr. Presidente, em 2002, constatamos essas irregularidades e encaminhamos à Funasa a denúncia de irregularidades no convênio com a Funasa, além da possibilidade da prática de outros crimes. A principal recomendação feita à Funasa foi para que se instaurasse processo administrativo em face das irregularidades na prestação de contas do convênio com a “Cunpir”.

Há outras ONGs, como a Adesbrar e a O Boticário, ambas no Paraná; a Napacan, uma ONG que cuida de doentes com câncer; e o CIR (Conselho Indígena de Roraima), em meu Estado de Roraima

Assim, em dez ONGs conseguimos constatar indícios veementes de irregularidades.

Em 2003, esses documentos foram encaminhados aos devidos órgãos e, hoje, temos aqui a constatação clara do abuso e do desrespeito por parte dessas ONGs.

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, ressalto que o trabalho realizado por V. Exª na CPI das Organizações Não-Governamentais é um trabalho de defesa da soberania nacional. Veja a importância dele! Há inúmeras organizações não-governamentais que prestam relevantes serviços ao nosso País, servindo à coletividade. Mas há outras, como pôde constatar a Comissão, que estão aqui com a capa de filantrópicas, de beneficentes, mas que, em verdade, estão trabalhando contra os interesses do Brasil. Trata-se de uma questão de soberania, que V. Exª e a Comissão estão defendendo. Portanto, no instante em que V. Exª, me parece, não presta contas, mas fala sobre o trabalho da Comissão, inspirada por V. Exª, cumpre-nos cumprimentá-lo e desejar-lhe cada vez mais êxito nesse trabalho de mostrar à sociedade brasileira a separação do joio do trigo. Conheço organizações não-governamentais no meu Estado, Senador, que estão voltadas mesmo para a defesa do meio ambiente, do nosso Pantanal, por exemplo. A essas, o nosso aplauso. No entanto, aquelas que estão disfarçadas, encapuzadas, pelo amor de Deus, precisam ser punidas. V. Exª está de parabéns.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Ramez Tebet, as providências sugeridas na conclusão do trabalho da CPI, em 2002, e encaminhadas no início de 2003 - providências que compete à CPI tomar -, foram acolhidas pela Presidência do Senado, que deu seqüência às recomendações da CPI. E uma das providências, que reputo como a mais relevante, é a aprovação de uma regulamentação da atividade das ONGs. Ninguém está querendo proibir essas organizações, pois, como V. Exª muito bem disse, existem excelentes organizações não-governamentais. Cito o Instituto Ayrton Senna, uma ONG de respeito, que faz um trabalho sério e não vive à custa de recursos do Governo.

Também não tenho nada contra uma ONG ter convênio com o Governo, desde que obedeça aos princípios da Administração: licitação, transparência, controle e fiscalização da aplicação de recursos.

Agora, no exemplo que citei, Senador Ramez Tebet, segundo as palavras do próprio dirigente da entidade, o problema ainda é pequeno se comparado com o que está sendo feito nos outros Estados. Ora, R$2,2 milhões estão sendo jogados fora de maneira assim tão descarada quando inúmeras pessoas estão passando fome e desempregadas. Não podemos aceitar isso. Portanto, quero chamar a atenção do Senado para a necessidade da aprovação desse projeto que regulamenta a atuação das ONGs no Brasil.

Se elas estão agindo certo, se elas são boas, então por que ter medo de uma regulamentação? Todo cidadão está submetido à legislação, à fiscalização. Por que essas organizações não podem ser submetidas à lei?

Segundo a revista Época, numa de suas publicações mais recentes, há 220 mil ONGs no Brasil. Garanto, Senador, que há muito mais do que 220 mil, porque ONGs de fundo de quintal existem aos montes e nem constam desse cadastro. Muitas vezes meia dúzia de pessoas se juntam, registram a ONG no cartório e começam a atuar. Existem inúmeras ONGs desse tipo.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Vi uma estatística, Senador Mozarildo Cavalcanti, segundo a qual há 500 mil.

O SR. MOZARILDO CAVANCANTI (PPS - RR) - Pois é. Veja V. Exª que é preciso haver fiscalização, porque essas entidades atuam em setores estratégicos, como é caso do meio ambiente e da política indigenista, quer dizer, na atenção aos índios. Elas atuam também em segmentos sociais relevantes. Portanto, precisam estar sob o controle do Estado, sob o controle da sociedade; não podem estar acima da verdade.

Aliás, criou-se uma aura de santidade para essas instituições, o que não é verdadeiro. O Senador Bernardo Cabral, no ano retrasado, num discurso muito interessante em que analisava essas instituições, teve oportunidade de dizer que “muitas delas têm fachada de catedral e fundos de bordel”, com todo o respeito que podemos ter aos bordéis.

Vejam bem, é preciso tomar uma atitude séria, começando por regulamentar a atuação dessas instituições. Não é possível ficarmos repetindo, Brasil afora, a Cumpir, entidade de Rondônia que se diz responsável por dez mil índios, que desvia recursos públicos na ordem de R$2,2 milhões.

Quero encerrar dentro do meu horário, mas antes faço um apelo no sentido da aprovação imediata desse projeto, que já está na pauta da CCJ, para votação.

Agradeço a todos pela atenção e termino, concitando todos a aprovar esse projeto, repito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/2004 - Página 7859