Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Descompasso entre as promessas formuladas e as ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva. (como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Descompasso entre as promessas formuladas e as ações do governo Luiz Inácio Lula da Silva. (como Líder)
Aparteantes
Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2004 - Página 8242
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, FRUSTRAÇÃO, ELEITOR, PERDA, REPUTAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNO FEDERAL, COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA, INCOMPETENCIA, MINISTERIO, DIVERGENCIA, PARTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARALISAÇÃO, ECONOMIA, PROGRAMA, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, EXCESSO, PROMESSA, INFERIORIDADE, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA.
  • CRITICA, GASTOS PUBLICOS, PASSAGEM AEREA, DIARIAS, SERVIDOR, INFERIORIDADE, REMESSA, RECURSOS, ESTADOS.
  • ELOGIO, DESENVOLVIMENTO, ESTADO DE GOIAS (GO), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, AUXILIO, REDUÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

“O Lula vai, o Lula vem e não faz nada para ninguém.”

Voz rouca das ruas.

Infelizmente, durou pouco e parece que a esperança entrou em decomposição depois da necrose política. Nas ruas começam as manifestações de descontentamento com um Governo que até então não conhecia os apupos da platéia. As vaias destinadas ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em frente ao hotel Copacabana Palace e durante o espetáculo em homenagem a Ayrton Senna, são um testemunho de que o sonho caiu em desencanto. Agora, são raras as solenidades presidenciais, o otimismo esfriou, as autoridades passaram a fazer uso da porta dos fundos, e na agonia se esboça a última metáfora. Desse jeito, não vai sobrar nem para o “Febeapá”.

Tanto que a palavra da moda, que já foi pacto social, não é mais a tal agenda positiva, mas agenda emergencial. Enquanto o socorro não vem, a incontinência verbal, antes uma primazia do primeiro-mandatário, passou a integrar o comportamento geral do próprio governo e de instituições satélites e simpatizantes do “Partido das Trapalhadas”. Observem que o “queridismo” praticado nos meses inaugurais do Governo foi substituído pela crítica mordaz. Muitas vezes, trafega nos escaninhos do baixo calão a tratativa interministerial.

O que se percebe é que não há um governo de fato, mas uma organização frágil, estabanada e de escasso talento administrativo, que entoa “Meu mundo caiu” a cada palavra ou declaração. Na edição de domingo da Folha de S.Paulo, o jornalista Clóvis Rossi, em artigo intitulado “Retrato acabado do new PT”, faz uma colagem das crises a partir da leitura dos jornais do dia anterior. Começa enumerando o aviso do MST de que “o prazo acabou”. Em seguida, relaciona a desautorização pública dos Ministros do Trabalho e Emprego, Ricardo Berzoini, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, à idéia do Ministro Amir Lando de majorar a contribuição previdenciária.

Depois, vem o desabafo do honrado Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, ao desdém protocolar do Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Guido Mantega, com matérias de interesse estratégico. Como é possível um Ministro da qualidade de Roberto Rodrigues, que gerencia um setor que só dá alegria ao País, ter de ficar seis meses na fila para ser recebido por outro Ministro que ainda sequer disse a que veio? Com muita propriedade, a coluna de O Globo comentou hoje que “Se o Presidente Lula instituísse no Governo o índice de insatisfação com os Ministros o campeão seria o do Planejamento, Guido Mantega”.

Clóvis Rossi prossegue com a declaração do Bispo de Duque de Caxias, Dom Mauro Morelli, contra os rumos da política econômica, passa pela dúvida do escritor José Saramago de que “o povo esteja vencendo no Brasil” e termina com a consideração do patriarca do Bradesco de que está tudo bem. Eu aduzo os últimos acontecimentos para mostrar que a semana começou quente e que ainda não apareceu no Governo um bombeiro capaz de apagar o fogo, ainda que o Palácio do Planalto acredite que um remendo publicitário de R$8 milhões possa fazer crer que o Governo Lula existe e pode ser comparado à oitava maravilha do mundo.

Reunidos em um seminário com a chamada “Queremos um outro Brasil” e sob a palavra de ordem “Todos contra o Palocci”, a esquerda do “Partido da Tibieza”, no último domingo, mandou dizer que vai à luta. O pessoal não aceita o regresso conservador e pretende mudanças profundas nos fundamentos da política econômica. Ao grupo fez coro o Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, para quem “há um abismo entre as promessas de mudança feitas na campanha eleitoral e a ortodoxia do modelo econômico em vigor, que dá continuidade ao Governo anterior e mantém o apartheid social intocável”. Embora o Ministro Antonio Palocci seja um dos poucos quadros diferenciados no ambiente geral de mediocridade da Esplanada, o Dr. Busato tem uma porção razoável de razão. Vejam o caso do Programa Fome Zero. Conforme reportagem da Revista Época desta semana, o programa é um banquete de “entraves burocráticos, inércia, ausência de ações estruturadas e irregularidades”. Inclusive em Caetés, terra natal do Presidente Lula e governada pelo “Partido Teratológico”.

Na verdade, o escândalo da Casa Civil, além de magoar a Nação, expôs a paralisia do Governo Lula. As peregrinações do Presidente em busca de um palanque causava sensação de mobilidade, pronto-atendimento e rapidez administrativa, mas a simulação venceu e 15 meses foram desperdiçados na constatação do óbvio, em lamentos demagógicos, na transferência de culpa, na exclusão de responsabilidade, na incompetência em estado bruto e na insustentável tendência de propagar a vulgaridade e prometer a lua.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Ouço o aparte do ilustre Senador Eduardo Azeredo.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Demóstenes Torres, quero aproveitar este aparte que V. Exª me concede para fazer um registro em relação ao discurso hoje proferido pelo Senador Tasso Jereissati, em que, de maneira serena, como é próprio de seu temperamento, S. Exª coloca o seu inconformismo com a maneira pela qual o Ministro José Dirceu é relatado hoje na coluna de Merval Pereira, do jornal O Globo. Dessa mesma forma, quero aproveitar este momento para reproduzir as palavras do Governador Aécio Neves, ditas nesta tarde, a respeito do fato de que o Ministro José Dirceu teria declarado que o Governador de Minas Gerais, Aécio Neves, teve um comportamento equilibrado nos últimos tempos, assim como o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mas atribuindo essas atitudes a razões de pragmatismo político, dizendo que não podiam ter outro comportamento. O comentário do Ministro José Dirceu seria de que o Governador de Estado, hoje, sem o Governo Federal, não agüenta um mês. Disse o Governador Aécio:

Eu não vi essa declaração e fica difícil combinar o que sai numa coluna, mas não é o que o Ministro José Dirceu, nos contatos que tem tido comigo,tem dito. Ele sabe que Minas Gerais tem feito um esforço enorme, do ponto de vista de sua gestão, e que Minas não quer nada além do tem direito. Minas não busca favorecimento, Minas não que um tratamento privilegiado, mas Minas não admite ser preterida. Isso, o Governo Federal já aprendeu a compreender, se no início não pelo diálogo, pela ação política de Minas Gerais.

Continua o Governador Aécio Neves:

Estão aí essas conquistas absolutamente claras. Não é possível compreender o Pai sem o fortalecimento das unidades federadas. Pode ser que o discurso do Governador de Minas às vezes incomode e talvez a capacidade que, a partir de Minas, nós temos demonstrado de sensibilizar outras unidades da Federação para atuarmos de forma conjunta. Nós teremos sempre uma relação de respeito para com o Governo Federal, mas essa relação será sempre altiva.

Essas são palavras do Governador Aécio Neves, pronunciadas agora à tarde, exatamente comentando a maneira grosseira com que se fala a respeito dos dois principais Estados do Brasil, do ponto de vista econômico - São Paulo e Minas Gerais -, ameaçando, caso seus Governadores não tenham uma visão de equilíbrio...

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Equilíbrio pró-governista. Se for contra o Governo, é desequilíbrio.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - ...exatamente, Senador, de não funcionar mais que 30 dias. Como bem disse o Senador Tasso Jereissati, é um absurdo querer dizer que São Paulo, Minas Gerais, assim como outros Estados, não funcionariam sem a ajuda do Governo Federal. Não é assim que teremos uma Federação que funcione bem em nosso País. Acredito que são atos como esse que, na verdade, desservem o funcionamento democrático do nosso País, em que a Oposição procura colaborar e não prejudicar.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Agradeço V. Exª pela intervenção, Senador Eduardo Azeredo, e quero fazer coro com as palavras do nosso Governador de Minas Gerais.

Movido pelo entusiasmo demagógico, eliminou a fome, zerou o déficit habitacional, acabou com o analfabetismo, fez o turismo no Brasil superar a França e a Espanha, transpôs o rio São Francisco, fez a ferrovia Transnordestina e até a pobre e abandonada Comunidade Calunga do norte de Goiás, remanescente de quilombo, teve seus 15 minutos de celebridade na aventura do “Partido do Torpor”.

Na sua coluna de domingo em O Globo, o Jornalista Elio Gaspari anunciou que “a curiosidade do repórter Jamildo Melo permitiu a criação de um novo indicador para a política brasileira, o “Índice Geral de Promessas Presidenciais”. O repórter aferiu que em um discurso de 39 minutos, em Fortaleza, o Presidente Lula fez sete promessas, sendo, em média, uma a cada cinco minutos e trinta e quatro segundos.

Sr. Presidente, O Globo de domingo traz uma radiografia interessante do abissal que se formou entre o aceno das promessas e o comparecimento efetivo do Governo Lula. Tendo por base dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) , em 2003, dos R$13,9 bilhões programados para investimentos, foram pagos apenas R$3,7 bilhões (26,6%), sendo que R$1,4 bilhão foi liberado este ano. A análise de desempenho de alguns programas dá uma noção da letargia que contamina a desastrosa administração dos vendilhões da esperança. O Programa de Manutenção da Malha Rodoviária tinha previsão de receber 1,1 bilhão, mas só 27,2% foram pagos. O Programa de Combate ao Crime Organizado era para ter recebido míseros R$7,8 milhões, mas só foram pagos R$2,3 milhões. O Programa Nacional Antidrogas teve uma realização de 8,3%, enquanto os Programas da Saúde da Criança e do Aleitamento Materno, do Turismo - Indústria do Terceiro Milênio - e da Transposição do rio São Francisco foram contemplados com zero de execução. Mas essa não é a pior notícia. No Orçamento de 2004, de um total de R$11,7 bilhões previstos para investimento, foram liberados, até agora, R$103 milhões, sendo quase metade para pagar a aeronave presidencial. Aliás, como gosta de um aeroporto a nova clientela do Estado Brasileiro, instalada em Brasília! O Governo Lula já torrou R$1 bilhão no pagamento de passagens, diárias de hotel, transporte local e alimentação. Gastou mais com diária e passagem aérea do que foi remetido para o meu Estado, o Estado de Goiás.

Srªs e Srs. Senadores, Goiás já foi o Estado mais pobre do Brasil; experimentou mais de150 anos de isolamento desde o fim do Ciclo do Ouro até a Revolução de 1930. Cedeu território para fazer o sonho de Juscelino Kubstichek, e ao ideal de criação do Estado de Tocantins. Dono de um povo generoso, desde a década de 90 vem recepcionando grandes contingentes migratórios e basta visitar o entorno de Brasília e de Goiânia para se ter noção do passivo social acumulado.

Goiás, no entanto, é um Estado que soube colher as oportunidades proporcionadas pela expansão da fronteira agrícola do País e hoje dá respostas rápidas ao Brasil. Primeiro, cresce com taxas bem acima da média nacional, possui uma economia sólida, infra-estrutura invejável, com energia suficiente e um sistema multimodal de transportes rodoviário, ferroviário, hidroviário, aéreo e dutoviário, situando-se como o oitavo PIB do Brasil e sétima posição em qualidade de vida. O Estado tem o terceiro maior rebanho brasileiro, sendo a segunda bacia leiteira, a quinta província mineral e ocupa o quarto lugar em produção de grãos. A caminho da modernização, consolida um parque industrial respeitável, um setor de serviços de referência tecnológica, além de apresentar um Índice de Desenvolvimento Humano médio, o que aponta para indicadores sociais atrativos.

Goiás tem uma taxa de demanda muito baixa se comparada ao quanto contribui com o Brasil. Uma análise detalhada das destinações orçamentárias da União indicam que o Governo Federal existe, quando muito, pelas metades em território goiano. Em 2003, foi o caso, por exemplo, do Programa de Reestruturação do Sistema Penitenciário. De R$1.010.000,00 previstos, somente R$425mil foram pagos. Do Programa de Saneamento Básico, foram realizados apenas 14,4% do previsto. Os 19,9% dos quase R$52milhões investidos no Programa de Manutenção da Malha Rodoviária explicam por que as BRs estão em pandarecos no Estado.

O Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, ontem, falou muito de reforma agrária de qualidade, mas certamente não se importou em saber que, em Goiás, o Programa de Consolidação de Assentamentos tinha um troco de R$100 mil - nada foi empenhado e pago. O mesmo ocorreu em programas como o de Gestão de Resíduos Sólidos, Esporte na Escola, Parques no Brasil, Livro Aberto, Infra-Estrutura em Transportes e Segurança nas Rodovias Federais. Da previsão, em 2003, do Pronaf de R$2,5milhões, também zero foi pago.

Sr. Presidente, vamos para o quarto mês do ano, mas 2004 ainda não existiu para Goiás em vários programas do Governo Federal. Do total da dotação autorizada para o Estado de R$1.211.020.121,00, os valores pagos somam pouco mais de R$175 milhões, ou 14%, mas nada referente a investimento. Não foi ainda aplicado rigorosamente nada nos programas dos Ministérios da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, da Justiça, do Trabalho, da Cultura, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, do Esporte, da Defesa, da Integração Nacional, do Turismo, da Assistência Social e das Cidades.

Srªs e Srs. Senadores, se essa demonstração orçamentária não configura paralisia administrativa, conforme pretende o Dr. Dirceu, então o melhor caminho é nos refugiar no realismo fantástico de José J. Veiga. No conto A Máquina Extraviada, o escritor goiano conta a história de uma pequena cidade onde inopinada e arbitrariamente é instalada, ao lado da Prefeitura, uma estranha máquina. O equipamento não serve para nada, mas passa a ser reverenciado pela população. Ao seu lado, são feitos comícios e a ele se atribui até propriedades milagrosas. Mas persiste fundado temor de que um dia apareça alguém com ferramentas à mão e ponha a máquina para funcionar e assim se quebre o encanto da sua inutilidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2004 - Página 8242