Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso do Dia da Eliminação da Discriminação Racial, em 21 do corrente.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Transcurso do Dia da Eliminação da Discriminação Racial, em 21 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2004 - Página 8263
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA, ELIMINAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ANALISE, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO, INDIO, NEGRO, TRABALHO ESCRAVO, HISTORIA, BRASIL, REGISTRO, DADOS, DESIGUALDADE SOCIAL, RENDA, EDUCAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO.
  • DENUNCIA, OCORRENCIA, CRIME, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, OCULTAÇÃO, ALEGAÇÕES, EXISTENCIA, INTEGRAÇÃO, RAÇA, DEFESA, POLITICA, PROMOÇÃO, IGUALDADE, REGISTRO, ATUAÇÃO, SECRETARIA ESPECIAL.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, transcorreu neste domingo, dia 21 de março, o Dia da Eliminação da Discriminação Racial.

Em nosso Brasil, temos fortes motivos para não deixar essa data passar em branco.

Sabemos que, na base do processo de construção do País, esteve a invasão das terras indígenas e o extermínio das suas populações, assim como a exploração do trabalho escravo de pessoas arrancadas à força do continente africano e de seus descendentes.

Não bastasse a longa duração dessas ações e desse ordenamento social, político e econômico profundamente opressor - no caso do escravismo, sua prática institucionalizada perdurou por pelo menos três séculos e meio -, convivemos, no presente, com a pesada herança desse período em que determinados grupos étnicos foram discriminados do modo mais violento e desumano.

O legado da escravidão, em particular, ainda se imprime nitidamente na estrutura de nossa sociedade.

Somam 80 milhões, Srªs e Srs. Senadores, os afrodescendentes brasileiros, o equivalente a 46% da população - pouco menos, portanto, que a metade.

De acordo com estudos do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, de cada dez pobres no Brasil, seis são negros. Se, na população branca, 22% são considerados pobres, o percentual de pobreza entre os negros é de 47% - ou seja, mais do que o dobro!

Outros dados estatísticos radiografam essa situação profundamente injusta. É até fácil memorizá-los. A renda média dos negros vem se mantendo como, grosso modo, a metade da renda dos brancos. No que se refere à educação, vou limitar-me a uma única estatística: a taxa de analfabetismo é duas vezes maior na população negra.

Um dado como este último, Sr. Presidente, mostra como a discriminação racial começa a atuar cedo na vida dos afrodescendentes brasileiros, diminuindo drasticamente suas possibilidades de sucesso. A falta de acesso à escola durante a infância, ou a necessidade de abandoná-la para prover o sustento, seu ou de familiares, não consistem em dificuldades facilmente superáveis. Mas os obstáculos enfrentados pela população negra não findam, certamente, por aí.

É importante distinguir as dificuldades advindas de uma situação econômica precária daquelas relacionadas diretamente à discriminação racial, embora estejam ambas, na vida real, profundamente imbricadas.

Os negros e negras pobres, Sr. Presidente, não bastasse o duro fardo da pobreza, são defrontados com a discriminação racial durante muitos momentos de suas vidas. São discriminados na escola, muitas vezes porque não partilham os hábitos e valores dos seus colegas mais brancos ou mais ricos. São discriminados no momento de conseguir empregos, sobretudo os melhor remunerados, mesmo que tenham uma capacitação igual ou superior à dos candidatos brancos. São discriminados pelas polícias, às vezes de modo trágico e irreversível, como o confirmam alguns casos recentes de deplorável ação repressiva.

Por tais e similares razões, Srªs e Srs. Senadores, é que os negros pobres são mais pobres. É criado assim um círculo vicioso, de menos oportunidades e maior discriminação, difícil de romper.

Negar a existência do racismo no Brasil, como se fez durante tanto tempo, ao embalo das cantilenas que louvavam nossa democracia racial, em nada ajuda a resolver esse grave problema social.

É verdade que a prática da discriminação racial em nosso País tem componentes que a diferenciam da praticada em outras plagas. A discriminação à brasileira é, decerto, mais disfarçada - mas nem por isso deixa menos marcas nas pessoas que a sofrem.

O racismo é odioso e inaceitável como quer que ele se manifeste. Por isso a democracia racial, entendida como a fraternidade e a ausência de discriminação entre as pessoas de diferentes etnias, poderia fazer sentido, não como escamoteação de uma realidade opressiva, mas como um ideal a ser alcançado.

De qualquer maneira, Srªs e Srs. Senadores, essa expressão já se mostra comprometida com um determinado campo ideológico. Sendo assim, convém atermo-nos ao simples programa enunciado por este Dia da Eliminação da Discriminação Racial, mais de luta que de comemoração, lembrando-nos da necessidade de que seja eliminada, o quanto antes, a discriminação racial em todo o planeta. Para isso, são necessárias ações - ações afirmativas.

Há um ano atrás, o Governo Federal criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção para a Igualdade Racial (SEPPIR). O novo órgão deve coordenar os programas governamentais que promovem a igualdade racial, inclusive por meio de parcerias com a sociedade civil, adotando os princípios de transversalidade, participação e descentralização.

Conforme um documento elaborado pela Assessoria de Comunicação da Seppir, “O Governo Federal, de forma desafiadora, assume, nesse momento, o compromisso de romper com a fragmentação que marcou a ação estatal de promoção da igualdade racial”.

Desejamos todos que a nova Secretaria Especial cumpra os importantes objetivos a que se propõe, mostrando nisso mais eficiência do que outros órgãos que cuidam de programas sociais do Governo, alguns dos quais apresentam, até o momento, resultados pouco expressivos.

Seja como for, detectamos incontestáveis avanços, no interior da sociedade brasileira, no sentido do combate à discriminação racial. Um dos que se deve destacar é a instituição de ações afirmativas para aumentar as possibilidades de acesso dos negros à universidade, cerceadas sistematicamente por estruturas socioeconômicas injustas. Mesmo que não se concorde com a medida, que tem dado ensejo a muita polêmica, não há como negar que ela marca importante passo no rumo da conscientização pela sociedade dos problemas decorrentes da discriminação racial, assim como da busca de soluções para os mesmos.

Embora tenha enfatizado a discriminação racial sofrida pelos negros - por razões, sem dúvida, muito defensáveis -, sabemos que há outros grupos de identidade étnica que são discriminados em nosso País. Em particular, devemos ter, todos os brasileiros, um sério compromisso com os compatriotas indígenas para fazer valer, antes de tudo, o direito à terra que tradicionalmente ocupam, tal como é garantido pela Constituição Federal.

Em nosso mundo contemporâneo, no qual vemos deflagrar-se tantos conflitos étnicos de foram violenta, nós, brasileiros, estamos cada vez mais conscientes de que temos o dever de fazer a nossa parte, empenhando-nos na luta contra a discriminação e pela efetiva igualdade racial. Se a mesma for bem sucedida, contribuirá, com certeza, para a promoção da fraternidade entre todos os povos e etnias do planeta.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2004 - Página 8263