Discurso durante a 22ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso do Dia Mundial da Água ocorrido no dia 22 do corrente.

Autor
Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Transcurso do Dia Mundial da Água ocorrido no dia 22 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/2004 - Página 8267
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, AGUA, REGISTRO, DADOS, BRASIL, MUNDO, PREVISÃO, PROBLEMA, FALTA, RECURSOS HIDRICOS, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), NECESSIDADE, MELHORIA, RECURSOS, CONDIÇÕES DE TRABALHO, DEFESA, CAMPANHA EDUCACIONAL, PREVENÇÃO, RACIONAMENTO.

A SRª MARIA DO CARMO ALVES (PFL - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 22 de março foi comemorado o Dia Mundial da Água.

A água representa insumo fundamental à vida, configurando elemento insubstituível em diversas atividades humanas, além de manter o equilíbrio do meio ambiente.

O acelerado crescimento populacional no mundo tem conduzido ao aumento da demanda de água, o que vem ocasionando, em várias regiões, problemas de escassez desse recurso.

Estima-se que, atualmente, mais de um bilhão de pessoas vivem em condições insuficientes de disponibilidade de água para o consumo e que, em 25 anos, cerca de cinco bilhões e meio de pessoas estarão vivendo em áreas com moderada ou séria falta de água. No Brasil as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, que já vêm sendo ameaçadas de sérias crises de abastecimento, convivem com a eminente possibilidade de racionamento. Quando se analisa o problema de maneira global, observa-se que existe quantidade de água suficiente para o atendimento de toda a população. No entanto, a distribuição não uniforme dos recursos hídricos e da população sobre o planeta acabam por gerar cenários adversos quanto á disponibilidade hídrica em diferentes regiões.

O Brasil possui situação privilegiada em relação à sua disponibilidade hídrica ,uma vez que possui 13,8% das fontes de recursos hídricos do mundo, porém cerca de 70% da água doce do país encontra-se na região amazônica, que é habitada por menos de 5% da população. A idéia de abundância serviu durante muito tempo como suporte à cultura do desperdício da água disponível, à sua pouca valorização como recurso e ao adiamento dos investimentos necessários à otimização de seu uso.

Os problemas de escassez hídrica no Brasil decorrem, fundamentalmente, da combinação do crescimento exagerado das demandas localizadas com a degradação da qualidade da água. Ou seja, as fontes de água têm-se mantido estáveis durante as últimas décadas. A população, no entanto, vem crescendo ano a ano. Além de menos água per capita, esse aumento populacional gera mais poluição, o que diminui ainda mais o valor da água disponível por pessoa. Esse quadro é conseqüência dos desordenados processos de urbanização, industrialização e expansão agrícola.

Desde a década de 30, o Brasil dispõe do Código de Águas - Decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934. Entretanto, em vista do aumento das demandas - a lei era voltada para o uso do recurso somente para o setor elétrico - e de mudanças institucionais, tal ordenamento jurídico não foi capaz de incorporar meios para combater o desequilíbrio hídrico e os conflitos de uso, tampouco de promover meios adequados para uma gestão descentralizada e participativa, exigências dos dias atuais.

Para preencher essa lacuna, foram sancionadas a Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabeleceu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e a Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, que criou a Agência nacional de Águas - ANA, entidade federal encarregada da implementação dessa política e da coordenação desse Sistema.

Srªs e Srs. Senadores, a crise da água é uma realidade cada vez mais latente. E, diferente da energia elétrica, que pode funcionar como um sistema interligado, é extremamente difícil a transferência de recursos hídricos para lugares mais distantes de 40 ou 50 quilômetros do local onde, naturalmente, eles se encontram. O quadro que se desenha é de crises localizadas e quase insolúveis, a não ser por racionamento ou despoluição de possíveis fontes de água existentes na localidade. O que fazer então para que regiões como o Nordeste, já penalizada pelas seguidas estiagens e sem a abundância de Bacias desejada, ou o Sudeste, que tem boa parte de suas reservas hídricas em condições indesejáveis no que diz respeito à qualidade da água, não acabem com seus reservatórios vazios prejudicando a indústria, o comércio e toda a população que ficará com as torneiras secas ?

A resposta, Sr. Presidente, é surpreendente. Pois, basta que o governo federal auxilie a ANA no cumprimento de sua missão e os mecanismos constantes da Lei 9.433 sejam efetivados para que todos possamos dormir em paz.

A Lei que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e estabelece o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é moderna, criativa e monitora a água a partir de uma visão completa de seus múltiplos usos. A unidade de gerenciamento do sistema passa a ser a Bacia Hidrográfica e a idéia central da norma é contar com a participação da comunidade, que vive de alguma forma interligada com a Bacia para o gerenciamento e a conservação dos recursos hídricos locais. Para tanto, foi criada a figura do Comitê da Bacia que é composto por representantes dos usuários, do Governo Federal, do Governo Estadual, dos Governos Municipais e das Organizações Não Governamentais locais. Uma vez instalado, esse Comitê, com o apoio da ANA, participa da gerência da Bacia, podendo, inclusive, e se assim desejar, instituir uma contribuição pelo uso da água “in natura” e pela devolução dela de forma mais ou menos contaminada.

No Brasil já foram implantados dois Comitês em rios federais: o da Bacia do Paraíba do Sul e o do São Francisco. Estão em fase de implantação o do Rio Doce e o do Capivari-Jundiaí. A experiência tem-se mostrado bastante positiva e, inclusive o Comitê da Bacia do Paraíba do Sul obteve grande êxito em introduzir o chamado “imposto da água” que começou a ser questionado pela comunidade somente quando foi anunciado que o valor arrecadado, ao invés de ser reinvestido nas prioridades da Bacia, como prevê a lei, será contingenciado pelo Governo Federal em prol do superávit primário.

Outro instrumento relevante que a Lei 9.433 traz em seu artigo 5º, é a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos. Sendo essa outorga feita a partir do enquadramento do projeto solicitado no plano da Bacia, torna-se possível a gestão integrada do sistema, uma vez que todos os usos dados a água no seu curso influenciam a sua cadência e a continuidade de sua rota em direção à foz. Exatamente em virtude disso que, reitero, a unidade de trabalho é a Bacia Hidrográfica como um todo, e não seu compartilhamento entre os Estados que compartilham o rio, isoladamente.

Se o governo federal der condições a ANA para que ela gerencie o planejamento dos usos de nossos recursos hídricos e apoiar as ações de educação, de conservação e de recuperação em relação a água desenvolvida pelo órgão, certamente estaremos garantindo que nossos filhos e netos vivam sem o fantasma do racionamento, assombração que já ronda as famílias paulistas, cariocas e recifenses.

No entanto, Sr. Presidente, essa não tem sido a postura adotada. Vejamos algumas condutas, no mínimo de acerto duvidoso, que foram tomadas:

- O orçamento anual da Agência Nacional de Águas, que em 2003 equivalia a 28% do montante destinado ao Ministério do Meio Ambiente, foi reduzido, este ano, para 16%. Em termos numéricos significa que o valor anual disponível para o órgão baixou de 180 para 76 milhões. Ou seja, uma redução de mais de 100%!

- O Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas - PRODES, que tem como objetivos reduzir os níveis de despoluição hídrica nas bacias hidrográficas de maior densidade urbana e industrial do país e induzir a implantação de sistemas estaduais de gerenciamento de recursos hídricos, está sem condições de continuar o seu trabalho. Simplesmente o orçamento a ele destinado despencou de 80 milhões, em 2003, para 2 milhões em 2004.

Vejam, Srªs e Srs. senadores, os recursos hídricos são finitos e cada vez mais sofrem com o aumento populacional que acaba por influenciar na qualidade da água. Para que se tenha uma idéia, apenas 20% do esgoto urbano coletado é tratado antes do lançamento final no corpo receptor. No entanto, ao invés de fortalecer as ações para recuperação dos cursos de água, o governo federal faz o inverso e, praticamente, encerra as atividades do PRODES.

* O valor arrecadado pelo “imposto da água”, que foi definido pelo próprio Comitê do Paraíba do Sul, inclusive com determinação dos valores a serem cobrados, ao invés de retornar para as prioridades da Bacia ficará contingenciado. Ou seja, o governo se apropriou de recursos que não provém do caixa público para garantir o cumprimento das exigências do FMI e de outros atores internacionais. Quem diria que, um dia, o governo dito “popular”, iria preocupar-se mais com pressões externas do que com os cidadãos brasileiros.

Por fim, quero destacar aquele que considero um grave erro na condução que vem sendo dada a questão da escassez dos recursos hídricos. Muito pouco ou quase nada tem sido feito no que diz respeito à educação para a convivência com as restrições hídricas. A melhor forma de modificar uma atitude é por meio do aprendizado. O brasileiro, desde muito, acreditava que a água seria inesgotável e jorraria sempre de suas torneiras. Somente variadas campanhas, massivas e continuadas, com ações de divulgação, informação e educação poderão ensinar a todos o valor da água. É preciso que se mobilize escolas, sindicatos, associações e toda a coletividade para que não seja preciso uma ameaça de racionamento, como ocorreu em 2001 com a questão da energia, para que o brasileiro aprenda a melhor forma de utilizar a água.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/2004 - Página 8267