Pronunciamento de Reginaldo Duarte em 25/03/2004
Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem ao padre Cícero.
- Autor
- Reginaldo Duarte (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
- Nome completo: José Reginaldo Duarte
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- Homenagem ao padre Cícero.
- Aparteantes
- Arthur Virgílio.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/03/2004 - Página 8513
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, CICERO ROMÃO BATISTA, SACERDOTE, VULTO HISTORICO, ESTADO DO CEARA (CE).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. REGINALDO DUARTE (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para prestar homenagem ao maior cearense do século XX, o Padre Cícero Romão Batista.
Padre Cícero Romão Batista nasceu em Crato, Ceará, no dia 24 de março de 1844, filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana. Aos seis anos de idade começou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma. Influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales, fez voto de castidade aos 12 anos de idade.
Aos 16 anos foi matriculado no colégio do Padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, Paraíba, tendo sido obrigado a abandonar os estudos dois anos depois, em decorrência da morte de seu pai, vítima de cólera. Voltou para junto da sua mãe e das suas duas irmãs e passaram por sérias dificuldades financeiras.
Graças à ajuda do seu padrinho, o Coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, Cícero Romão Batista pôde ingressar no Seminário da Prainha, em Fortaleza, e ser ordenado padre, aos 26 anos de idade, retornando ao Crato, onde lecionou Latim no Colégio Padre Ibiapina.
No Natal do ano de 1871, convidado pelo professor Semeão Correia de Macêdo, Padre Cícero visitou pela primeira vez Juazeiro, um povoado com apenas 12 casebres e uma capelinha erigida em honra de Nossa Senhora das Dores, para celebrar a tradicional Missa do Galo. O Padre, então com 28 anos, foi recebido de forma calorosa pelos habitantes de Juazeiro, o que lhe provocou desejo de retornar ao local.
Decorridos quatro meses, em abril de 1872, estava ele de volta, acompanhado de sua mãe e irmãs, para fixar residência definitiva no nosso querido Juazeiro.
Um sonho teria sido o principal fator na sua determinação em escolher Juazeiro como a cidade a qual dedicaria a sua vida. Contam os autores que após um dia exaustivo, com várias horas passadas no confessionário, caiu no sono e teve a visão que mudaria o seu destino e de todos os seus seguidores, não somente no Ceará, mas em todo o Nordeste.
Segundo relatos do próprio Padre Cícero, ele viu Jesus Cristo e os doze apóstolos sentados à mesa, lembrando a Última Ceia, de Leonardo da Vinci, seguido de pessoas carregando seus pertences em pequenas trouxas, como ainda hoje o fazem os retirantes nordestinos.
Segundo contam os historiadores, Cristo teria ordenado ao Padre Cícero que tomasse conta dos pobres que o seguiam.
O seu trabalho teve início imediato, com a melhoria do aspecto da capelinha, como forma de cumprir a sua missão de conquistar o povo que lhe foi confiado por Deus. Desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregações, conselhos e visitas domiciliares.
Atuou fortemente na valorização dos costumes da população, agindo pessoalmente no combate ao excesso de uso de bebidas alcoólicas, no combate à prostituição.
O povoado passou a experimentar uma harmonia nunca vista na região. Nesse momento foram dados os primeiros passos para o crescimento do nosso Juazeiro, motivo de orgulho para todos os residentes e de curiosidade para os povos vizinhos, que queriam, todos, conhecer o homem que estava já naqueles tempos realizando um milagre a ser seguido por todos. Desde então, passou a ser chamado carinhosamente por todos os seus seguidores de “Padim Ciço”.
Para auxiliá-lo no trabalho pastoral, Padre Cícero resolveu organizar uma irmandade leiga. Para isso recrutou mulheres solteiras e viúvas que desenvolviam trabalhos junto à comunidade, subordinadas diretamente a ele.
Em 1889, passados 17 anos de sua chegada e do seu intenso trabalho em Juazeiro, a rotina do lugarejo e a vida do Padre Cícero foram transformadas definitivamente. Após uma noite de vigília e de orações com mais de 500 fiéis, para pedir a Deus um pouco de chuva para minimizar o sofrimento do povo castigado pela seca, o Padre Cícero distribuiu a comunhão para as oito beatas que permaneceram na capela de Nossa Senhora das Dores até o amanhecer.
Durante a comunhão uma das mulheres da irmandade leiga, a beata Maria de Araújo, ao receber a hóstia consagrada, não pôde degluti-la, pois a hóstia se havia transformado em uma pasta de sangue.
O fato repetiu-se por dois anos, era tanto o sangue que saía da boca da beata que o Padre Cícero o enxugava com as toalhas do altar. O povo achou que se tratava de um novo derramamento do sangue de Jesus Cristo e, portanto, era um milagre autêntico. As toalhas utilizadas para limpar o sangue da beata ficaram manchadas e passaram a ser alvo de veneração para todos.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Reginaldo Duarte, peço a permissão para interromper V. Exª, para, de acordo com o Regimento, prorrogar a sessão pelo o tempo necessário, para que V. Exª conclua o seu belo discurso sobre o Padre Cícero.
O SR. REGINALDO DUARTE (PSDB - CE) - Mais um milagre do Padre Cícero.
Com toda a sua bondade e simplicidade o Padre Cícero, no início, tratou o caso com cautela. A sua primeira atitude foi convidar médicos e farmacêuticos para testemunhar as transformações, que assinaram atestados afirmando ser o fato inexplicável à luz da Ciência.
Esta declaração dos médicos fortaleceu no povo, em outros sacerdotes e no próprio Padre Cícero a crença do milagre. Juazeiro passou a ser alvo de peregrinações: as pessoas queriam ver a beata e adorar os panos tintos de sangue. O jornalista José Marrocos, crente e defensor do milagre, divulgou-o na imprensa.
A notícia causou bastante irritação ao Bispo D. Joaquim José Vieira, que chamou o Padre Cícero ao Palácio Episcopal, em Fortaleza, a fim de prestar esclarecimentos sobre os acontecimentos que todo mundo comentava.
Mesmo admirado pelo relato feito pelo Padre Cícero, o Bispo foi pressionado por alguns segmentos da Igreja que não acreditavam no milagre, e mandou investigar oficialmente os fatos, nomeando uma comissão de inquérito. Os padres comissários assistiram às transformações, examinaram a beata, ouviram testemunhas e depois concluíram que o fato era mesmo divino.
O Bispo não gostou desse resultado e nomeou outra comissão. A nova comissão convocou a beata, deu-lhe a comunhão, e como nada de extraordinário aconteceu, concluiu que não houve milagre! O inquérito foi enviado à Santa Sé, em Roma, que confirmou a decisão do Bispo de não reconhecer o milagre e suspendeu da ordem o Padre Cícero. Durante toda a sua vida, ele tentou, em vão, reverter essa decisão.
A rejeição do milagre pela Igreja Católica, não impediu, entretanto, que a notícia se espalhasse, tornando Juazeiro o centro de romarias de camponeses em busca de cura e conforto para os seus males.
Até hoje, esse fato se repete. Juazeiro atrai, todo ano, mais de um milhão de fiéis que não poupam sacrifícios para agradecer aos milagres recebidos.
Proibido de celebrar, Padre Cícero ingressou na vida política, para atender aos apelos dos juazeirenses no movimento da emancipação política. Conseguida a independência de Juazeiro, em julho de 1911, aos 67 anos, o Padre Cícero foi o primeiro prefeito de Juazeiro, por um período de 12 anos.
A sua vida política não se restringiu apenas ao Município de Juazeiro, foi também Vice-Presidente do Ceará e participou ativamente da Revolução de 1914, que, apoiada pelo Governo Federal, tinha o objetivo de depor o Presidente do Ceará, Coronel Franco Rabelo. Em 1926 foi eleito Deputado Federal.
Com a vitória da Revolução, Padre Cícero reassumiu o cargo de Prefeito, do qual havia sido retirado pelo governo deposto, e seu prestígio cresceu. Sua casa, antes visitada apenas por romeiros, passou a ser procurada também por políticos e autoridades diversas. Era muito grande o volume de correspondências que Padre Cícero recebia e mandava.
Não deixava nenhuma carta, mesmo pequenos bilhetes, sem resposta, e guardava cópia de todos.
Padre Cícero é o maior benfeitor de Juazeiro e a figura mais importante de sua história.
Foi ele quem levou para Juazeiro a Ordem dos Salesianos; doou os terrenos para construção do primeiro campo de futebol e do aeroporto; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, de São Miguel e a Igreja de Nossa Senhora das Dores; incentivou a fundação do primeiro jornal local (O Rebate); fundou a Associação dos Empregados do Comércio e o Apostolado da Oração.
Realizou a primeira exposição de arte juazeirense no Rio de Janeiro; fez o primeiro programa de geração de renda que se tem notícia, por meio do incentivo ao artesanato artístico e utilitário, do incentivo ao desenvolvimento da ourivesaria e do estimo à expansão da agricultura, com o plantio de novas culturas; contribuiu para instalação de muitas escolas, inclusive a famosa Escola Normal Rural e o Orfanato Jesus Maria José; socorreu a população durante as secas e epidemias, prestando-lhe toda assistência e, finalmente, projetou Juazeiro no cenário político nacional, transformando o pequeno lugarejo na maior e mais importante cidade do interior cearense.
Da sua trajetória política, Srªs e Srs. Senadores, deixou grandes ensinamentos, um dos quais faço questão de citar:
“As ambições e elementos corrosivos movem os que governam.”
Os bens que recebeu por doação, durante seus quase cem anos de vida, foram doados à Igreja, sendo os Salesianos seus maiores herdeiros. Ao morrer, no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos, seus inimigos gratuitos apregoaram que, morto o ídolo, a cidade que ele fundou e a devoção à sua pessoa acabariam logo. Enganaram-se.
A cidade prosperou e a devoção aumentou. Até hoje, todo dia 20 do mês, os seus devotos, em Juazeiro, se vestem de preto, em sinal de luto ao seu eterno patriarca e conselheiro.
Todo ano, religiosamente, no Dia de Finados, uma grande multidão de romeiros, vinda dos mais distantes lugares do Nordeste, chega a Juazeiro para uma visita ao seu túmulo, na Capela do Socorro. O “Padim Ciço” se transformou no “Santo Padim”.
Padre Cícero é uma das figuras mais biografadas do mundo.
Sobre ele, existem mais de 200 livros, sem falar nos artigos que são publicados freqüentemente na imprensa, centenas de folhetos cantando em verso e prosa a sua vida-livro. Existem, na Internet diversos endereços que discutem o papel da existência e da influência do Padre Cícero na vida do sofrido povo nordestino.
Ultimamente, sua vida vem sendo estudada por cientistas sociais do Brasil e do Exterior. Prova desse interesse por estudiosos, acadêmicos e romeiros é o “Terceiro Simpósio Internacional” sobre o Padre Cícero, que será realizado no período de 18 a 22 de julho próximo, em Juazeiro do Norte - CE, em celebração dos 70 anos de sua morte.
O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite V. Exª um aparte?
O SR. REGINALDO DUARTE (PSDB - CE) - Com muito prazer meu Líder Arthur Virgílio.
O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Reginaldo Duarte, sua fala despertou a atenção de todos no Gabinete da Liderança do nosso Partido, e me apressei a retornar ao plenário para aparteá-lo e lhe dizer da enorme felicidade do tema escolhido. Padre Cícero é mais do que uma lenda, ele é um esteio da fé nordestina, mais ainda, com toda aquela carga - no melhor sentido - mística sobre a cidade de Juazeiro. Eu estive naquela região, estive naquela cidade e senti, efetivamente, que as pessoas indo para lá ficam diferentes em função de toda aquela carga de fé, de toda aquela carga positiva. Padre Cícero faz parte da melhor cultura popular brasileira, faz parte da melhor tradição de obstinação do nosso povo e faz parte da boa história que o nosso povo soube construir e da melhor civilização que o nosso povo soube erigir. Portanto, eu gostaria muito de dizer a V. Exª, quando profere o seu discurso absolutamente oportuno, absolutamente competente, como representante legítimo do Ceará que é, que é um orgulho para nós do PSDB tê-lo como um dos nossos mais corretos Senadores. O PSDB tem orgulho de V. Exª e tenho certeza de que o Ceará, que haverá de estar comovido ouvindo V. Exª neste momento, sabe muito bem o grande homem público que mandou para representá-lo aqui em Brasília: exatamente V. Exª, Senador Reginaldo Duarte.
O SR. REGINALDO DUARTE (PSDB - CE) - Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio. É com muita satisfação que incorporo o seu testemunho ao meu discurso.
Padre Cícero não foi canonizado pela Igreja; porém é tido como santo por sua imensa legião de fiéis espalhados pelo Brasil. Os testemunhos atestam que o seu lema era: oração e trabalho.
Srªs e Srs. Senadores, Juazeiro é o seu grande e incontestável milagre. Em março de 2001, em eleição promovida pelo Sistema Verdes Mares de Televisão, Padre Cícero foi escolhido O Cearense do Século.
Em 2002, a Diocese do Crato deu início aos estudos, visando à reabilitação eclesial e histórica do Padre Cícero.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por todas as razões antes mencionadas, eu, um cearense, fiel seguidor desse homem e testemunha dos grandes avanços operados em Juazeiro do Norte a partir da sua obra, não poderia deixar de prestar esta homenagem, nesta data em que o povo nordestino comemora os 160 anos de nascimento do grande ser humano que foi o Padre Cícero Romão Batista.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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