Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o relatório "Ciências da Vida e Biotecnologia: uma estratégia para a Europa", publicado pela Comissão Européia em 2002.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Reflexão sobre o relatório "Ciências da Vida e Biotecnologia: uma estratégia para a Europa", publicado pela Comissão Européia em 2002.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2004 - Página 8519
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • ANALISE, RELATORIO, CIENCIAS BIOLOGICAS, BIOTECNOLOGIA, PUBLICAÇÃO, COMISSÃO, UNIÃO EUROPEIA, DEMONSTRAÇÃO, EMPENHO, ADOÇÃO, PLANO DE AÇÃO, MELHORIA, SITUAÇÃO, CONTINENTE, EUROPA, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO.
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, BRASIL, AUSENCIA, PLANO DE AÇÃO, COORDENAÇÃO, ORGÃOS, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, INTERESSE, PRIORIDADE, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, EDUCAÇÃO, JUVENTUDE, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTISTA, ESPECIFICAÇÃO, CAMPO, BIOTECNOLOGIA.
  • EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, DEBATE, APROVAÇÃO, PROJETO, LEGISLAÇÃO, BIOTECNOLOGIA, SEGURANÇA, TRAMITAÇÃO, SENADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, chegou-me às mãos um documento que, apesar de não dizer respeito, diretamente, ao nosso País, contém, de forma indireta, reflexões e propostas que muito nos interessam.

Refiro-me ao relatório “Ciências da Vida e Biotecnologia: uma estratégia para a Europa”, publicado pela Comissão Européia em 2002. Num mundo em que a biotecnologia e as ciências biológicas adquirem um destaque cada vez mais maior - seja pelo impacto nas economias nacionais, seja pelos inúmeros benefícios sociais gerados por essas novas tecnologias -, nada mais natural a preocupação demonstrada pelos europeus em criar um plano de ação, com o claro objetivo de recolocar a Europa na ponta das pesquisas e do desenvolvimento de novas aplicações biotecnológicas.

Previsivelmente, minha primeira reação ao tomar contato com esse material foi tentar esboçar uma comparação entre as formas com que europeus e brasileiros abordam a questão da biotecnologia. Traçar um paralelo entre as posturas e as resoluções tomadas pela Comunidade Européia e pelo Brasil nesse campo é um exercício fundamental para vislumbrar os pontos fracos e os pontos fortes de nossas políticas públicas, ao menos no que se refere às ciências biológicas e à biotecnologia.

Logo de início, dei-me conta de que o Governo Brasileiro ainda não elaborou um documento como este que a Comissão Européia publicou. No nosso caso, existe uma série de textos e de documentos dispersos que refletem, em última análise, a falta de coordenação entre os organismos públicos e privados envolvidos com a pesquisa biológica, além da grave ausência de um plano de ação e de uma visão de longo prazo a respeito desse campo altamente estratégico que é a biotecnologia.

Mais grave ainda, porém, é a constatação de que, além de não possuir uma estratégia clara, o Brasil está muito aquém dos países desenvolvidos em termos de base de conhecimento. Embora a Comissão Européia admita que a Europa tem respondido com lentidão aos desafios impostos pelas novas tecnologias, o Continente Europeu é rico em centros de excelência científica, na forma de centros de pesquisa, universidades públicas, laboratórios e empresas privadas de renome mundial. Além disso, os governos europeus fazem investimentos pesados em educação e formação profissional, sendo que uma das propostas da Comissão Européia é, justamente, a de enfatizar ainda mais o ensino da ciência e a formação profissional científica, especialmente no que se refere às ciências biológicas.

No Brasil, infelizmente, o quadro é muito diverso. O que vemos é, de um lado, a ênfase exagerada no debate das questões macroeconômicas e dos escândalos políticos e, de outro lado, os parcos investimentos nas áreas sociais, especialmente a educação e a pesquisa nas universidades públicas.

É fato que o Brasil conta com institutos de pesquisa que nada deixam a desejar em relação às melhores instituições científicas norte-americanas e européias. São os casos, para citar apenas três exemplos, da Embrapa, do Butantã e de Manguinhos. Há sempre espaço, porém, para o aperfeiçoamento, para a aplicação de mais recursos, enfim, para um esforço mais coordenado e eficiente. Priorizar a pesquisa científica, a educação dos jovens e a formação profissional dos cientistas brasileiros, sobretudo no estratégico campo da biotecnologia, é uma das atitudes imprescindíveis para um Brasil que pretenda exercer alguma liderança no mundo moderno.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, todos os países do mundo estão diante, nesse momento, de uma questão crucial: ou aceitam um papel passivo e dependente, tanto tecnológica quanto economicamente, ou tomam a frente do processo e, como a Europa, começam a definir estratégias claras de ação.

Nesse contexto, a participação do Poder Público é indispensável. O Governo Federal tem a obrigação de assumir o papel de coordenador dos diversos interesses e esforços no sentido da inclusão do Brasil entre as nações de destaque no campo biotecnológico, seja por meio do financiamento direto das instituições públicas, seja por meio dos incentivos à iniciativa privada.

Essa coordenação, na minha forma de entender, deve submeter-se a certos critérios e princípios. Em primeiro lugar, é indispensável que se estabeleça, desde já, um diálogo público, amplo e transparente entre os principais interessados na questão, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. A criação desse espaço de discussão é essencial para que quaisquer estratégias e políticas públicas já nasçam com o aval da legitimidade e da credibilidade.

Outro princípio a ser observado, talvez o mais importante de todos, é o respeito aos valores éticos de nossa cultura e aos objetivos sociais do povo brasileiro. O relatório da Comissão Européia é bastante claro ao afirmar que quaisquer avanços na área biotecnológica devem estar de acordo, antes de tudo, com os valores fundamentais estabelecidos pela União Européia na Carta Européia dos Direitos Fundamentais. Da mesma forma, no caso brasileiro, a atuação do Governo Federal nas questões relativas à biotecnologia deve balizar-se pelos princípios e objetivos sociais estabelecidos na Constituição Brasileira, sem desprezar, no entanto, outros valores essenciais ao desenvolvimento da sociedade.

Tomemos como exemplo a questão, atualíssima, das pesquisas com células-tronco embrionárias humanas. No ramo da biotecnologia, talvez apenas a liberação dos alimentos transgênicos gere polêmica equivalente. A clonagem reprodutiva, ao que tudo indica, está fadada ao banimento definitivo pela comunidade científica internacional. Por outro lado, a clonagem terapêutica e a produção de células-tronco a partir de embriões humanos não alcançaram grau semelhante de consenso.

As discussões que envolverão a aprovação do projeto da nova Lei de Biossegurança, que tramita nesta Casa, prometem ser calorosas. Estaremos tratando de valores fundamentais, como o direito à vida, e de valores imprescindíveis ao avanço das sociedades modernas, como a liberdade de pesquisa científica. Encontrar um ponto de equilíbrio entre as posições conflitantes a respeito dessa delicada questão é a tarefa que se apresenta a nós, Senadores, enquanto representantes da sociedade brasileira. Embora o tema deva ser tratado com o devido cuidado, é importante lembrar que países como a Coréia do Sul, onde a clonagem terapêutica é permitida, vêm alcançando notáveis sucessos na aplicação dessas técnicas. Corremos o risco de, no futuro, pagarmos um preço alto pela negligência em relação a essa tecnologia que promete revolucionar o tratamento de um sem-número de moléstias.

O documento da Comunidade Européia mostra duas coisas: a genuína e justificada preocupação dos europeus com a questão e a consciência desse povo de que o domínio dessas tecnologias será determinante daqui pra frente. Nessa verdadeira corrida, Estados Unidos e Europa, de antemão, largam na dianteira, uma vez que ambas as potências possuem centenas de empresas de biotecnologia. O setor da biotecnologia, nos Estados Unidos, emprega mais de 160 mil pessoas, gera uma receita três vezes superior à gerada pela biotecnologia européia e é imbatível na quantidade de novos produtos lançados anualmente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar do atraso em relação à Europa, aos Estados Unidos e a alguns outros países, o Brasil não deve abrir mão de buscar um posicionamento mais vantajoso nessa corrida.

Para isso, diversas medidas serão necessárias. O papel do governo é primordial em, pelo menos, duas frentes: na gestão racional dos recursos públicos e no estímulo às pesquisas privadas. Já é hora de o governo empenhar-se com mais afinco na coordenação dos órgãos públicos e privados interessados na questão; na elaboração de um plano factível e ambicioso; na garantia da transparência de todo o processo e no engajamento e preparação da sociedade para esse importante debate.

Sr. Presidente, o Brasil precisa de uma estratégia que, à maneira da formulada pela Comissão Européia, contemple o respeito aos valores éticos e morais da sociedade brasileira, baseie-se em critérios responsáveis e coerentes e promova o concerto de todas as entidades interessadas, sejam elas públicas ou privadas.

Por fim, é imperioso ressaltar que estamos tratando de uma questão de Estado, e não de governo. Uma vez elaborado e iniciado, um plano dessa natureza não comportará retrocessos. Que a lição européia nos alerte, portanto, para a imperiosa necessidade de nos lançarmos, o quanto antes, na busca por uma posição de destaque entre os países cientificamente avançados.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2004 - Página 8519