Discurso durante a 24ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Debate sobre questões relativas ao binômio água e cidadania.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Debate sobre questões relativas ao binômio água e cidadania.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/2004 - Página 8520
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, ESTUDO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), FUNDAÇÃO INSTITUTO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ), DEMONSTRAÇÃO, DESEQUILIBRIO, AMBITO REGIONAL, CARACTERISTICA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, AGUA POTAVEL, SANEAMENTO BASICO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, SANEAMENTO BASICO, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. JEFFERSON PERES (PDT - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste ano, o espaço para o debate público sobre questões relativas ao binômio água e cidadania está sendo consideravelmente ampliado graças a iniciativas como a Campanha da Fraternidade, que adotou a água como seu tema, e as comemorações em todo o País do Dia Internacional da Água na última segunda-feira.

Agora, o Atlas de Saneamento do IBGE vem fortalecer essa reflexão com dados do último censo, da Pesquisa Nacional do Sistema Único de Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz. O estudo evidencia que os fortes desequilíbrios regionais característicos do desenvolvimento brasileiro também se manifestam intensamente no tocante ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico.

Por exemplo, na minha Região Norte, entre 1989 e 2000, registrou-se um aumento de 21,7% para 23,3% no número de municípios sem rede distribuidora de água, por duas razões principais: de um lado, a acelerada expansão da fronteira agrícola, que ergue cidades do dia para a noite no rastro da soja e do gado; de outro, a proliferação descontrolada de municípios desde a promulgação da Carta de 1988. Enquanto a totalidade dos municípios do Sudeste conta com rede de água, 56% dos municípios nordestinos são obrigados a servir-se de chafarizes, açudes, poços particulares, caminhões-pipa, bem como uso direto de cursos d’água.

A qualidade dessa água não raro a torna imprópria para o consumo humano. Basta lembrar que cerca de metade das internações hospitalares contabilizadas pelo SUS se deve a doenças de veiculação hídrica. As inundações provocadas pelas fortes chuvas deste começo de ano em quase todo o Brasil multiplicaram os casos de leptospirose, que é transmitida pelo contato da água com urina de ratos, e de diarréia. Os dados disponíveis sobre 2000 apontam as metrópoles de São Paulo e do Recife como os maiores focos dessas moléstias: 242 e 203 casos de leptospirose, respectivamente. No Recife, ocorreu o maior número de mortes por leptospirose: 21 óbitos em 2000. A diarréia, no mesmo período, matou 802 pessoas em São Paulo e outras 679 na capital pernambucana, sobretudo crianças menores de cinco e idosos maiores de 80 anos.

Sr. Presidente, os especialistas são unânimes em apontar o nível insuficiente de investimentos em saneamento básico como o grande responsável por esses dispendiosos déficits de saúde pública.

A assimetria regional que agrava esse quadro fica patente, mais uma vez, no caso da Região Norte, que ostenta o triste primeiro lugar no ranking nacional de municípios sem coleta de esgotos: 92,9% (contra 82,1% do Centro-Oeste; 61,1% do Sul, 57,1% do Nordeste; 7,1% do Sudeste; e 47,8% da média brasileira). Dos municípios do Norte, apenas 3,5% coletam esgotos e somente 3,6% dão-lhes algum tipo de tratamento.

Posso dar meu testemunho acerca do caso emblemático de deterioração ambiental e social decorrente da contaminação dos igarapés que recortam a minha cidade de Manaus e que já fizeram parte dos encantos de sua paisagem. A irresponsabilidade, a falta de planejamento urbano, o populismo eleitoreiro, o clientelismo voraz de sucessivos governos fomentaram a multiplicação de palafitas, verdadeiras favelas aquáticas, cujos habitantes sobrevivem em condições miseráveis, marginalizados dos mais elementares direitos à cidadania, à higiene e à saúde, lançando toda sorte de dejetos nas águas do Rio Negro.

Cumpre-me registrar que o atual governo do estado parece determinado a quebrar essa inércia suicida e transformar a realidade, contando com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) a um projeto de despoluição orçado em 130 milhões de dólares. Este o preço de décadas de omissão de ex-governadores amazonenses e de prefeitos de Manaus, uma história comum a quase todas as capitais e regiões metropolitanas do Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de acordo com estimativas da Associação das Empresas Estaduais de Saneamento Básico, o Brasil precisaria investir 9 bilhões de reais por ano, durante 20 anos, para universalizar as redes de abastecimento de água e tratamento de esgotos. O governo federal declara dispor de apenas 1,6 bilhão do orçamento e mais 2,9 bilhões de recursos do FAT e do FGTS, eternizando, assim, a situação de subfinanciamento que impede a compra de novas tecnologias, novos equipamentos e o aproveitamento de novos mananciais, para não mencionar o colapso da fiscalização da qualidade da água consumida que é da responsabilidade dos órgãos ambientais e de saúde pública estaduais e municipais.

Ora, a lei federal dos recursos hídricos, em vigor desde 1997, faz das bacias hidrográficas unidades territoriais estratégicas de gestão ambiental, além de estabelecer a gestão descentralizada e participativa da água. Para tirar essas ótimas intenções do papel é necessário contar com autoridades empreendedoras nos três níveis da federação, capazes de formular saídas criativas e sustentáveis para a crônica falta de recursos públicos, no marco da Parceria Público-Privada recém-votada por esta Casa.

A conquista do apoio da opinião pública e de seus segmentos mais ativos e organizados será fundamental para construir marcos de equilíbrio entre o indispensável retorno econômico-financeiro do investidor privado e o direito de todos à água e ao saneamento de qualidade decente.

Muito obrigado!


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/2004 - Página 8520