Discurso durante a 25ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Situação da água no mundo.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Situação da água no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 27/03/2004 - Página 8551
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, AGUA, REGISTRO, CAMPANHA DA FRATERNIDADE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), DEBATE, RECURSOS HIDRICOS, DADOS, ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), FALTA, ACESSO, AGUA POTAVEL, ESGOTO, SANEAMENTO, HIGIENE, EFEITO, DOENÇA, MORTE, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO, MUNDO, PROCESSO, CONTAMINAÇÃO, POLUIÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, PREVISÃO, AUMENTO, CONFLITO.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a CNBB dedicou o ano de 2004 à água e no dia 22 último comemoramos o Dia Internacional da Água. Esses dois eventos demonstram claramente a inquietação, o início de uma preocupação, a necessidade de colocar nas nossas agendas o cuidado com o uso da água.

A primeira causa de mortalidade no mundo é a falta d’água ou está associada à má qualidade da água potável disponível.

Estudo encomendado pelas Nações Unidas e apresentado por ocasião do Dia Internacional da Água, dia 22 de março último, apresenta resultados assustadores: 1,1 bilhão de pessoas não tem acesso à água potável; 2,4 bilhões não dispõem de salas de banho e redes de esgoto convenientes, e 2,2 milhões de pessoas, na maioria crianças, morrem anualmente devido à falta d’água, à falta de serviços de saneamento e à falta de higiene.

A água doce representa apenas 2,5% do volume total de água do planeta. E isso não significa sequer que toda ela possa ser aproveitada com facilidade para o consumo humano. É que 68% da água doce se acumula, sob a forma de gelo, nas calotas polares ou nas montanhas. Essa quantidade seria suficiente para suprir as necessidades da humanidade, mas, infelizmente, há um problema adicional: a água doce está muito mal repartida na Terra. Apenas dez países concentram 60% das reservas - o Brasil incluído nesse grupo. Por outro lado, 40% da população mundial, concentrada em 80 países, está submetida a forte penúria de água. O Brasil, apesar de ser considerado um país bem dotado no tocante à disponibilidade de recursos hídricos, tem regiões que sofrem com a seca, como no caso de amplas áreas do Nordeste, entre outras.

Além da desigual repartição dos recursos hídricos, outro fator agrava a situação da água no planeta. No curso dos últimos decênios, atividades humanas como a agricultura e a indústria, bem como a urbanização, acentuaram o processo de degradação e de contaminação das águas de profundidade e de superfície. A agricultura representa 70% do consumo total de água no planeta, seguida do setor industrial, com 20%, e do consumo doméstico, de 10%. O aumento da produção e do consumo bem como da população intensificou a pressão sobre os recursos hídricos, contaminando uma parte significativa da água vertida na natureza: rios, lagos e mares. Assim, um terço dos rios do planeta está contaminado. No Brasil, temos o Tietê como exemplo gritante. Além de poluídos, nossos rios estão perdendo toda a sua fauna e flora.

Como se não bastasse, a relação entre o consumo de água por habitante e o crescimento da população conhece uma situação desequilibrada. De fato, o crescimento do consumo de água se expande a uma taxa duas vezes superior à do crescimento da população. A quantidade de água disponível por habitante no planeta diminuiu em 40% desde 1970. A Organização Meteorológica Mundial estima que essa redução deverá se acentuar nos próximos anos.

A cada 20 anos, as necessidades mundiais são duplicadas. Estima-se também que em 2025 as regiões que estarão submetidas ao estresse hídrico - conceito que se aplica às áreas que utilizam a água a uma taxa mais elevada que a capacidade de renovação natural - abrigarão dois terços da população mundial. Essas regiões estarão submetidas a uma penúria crônica de água. Portanto, nada impede imaginar que, no futuro, a água será cotada no mercado mundial como o petróleo, com todas as conseqüências geoestratégicas que esse fato significa, particularmente no caso da Amazônia. Se há guerra do petróleo, por que não da água? A questão geoestratégica suscitada pelo controle e domínio da água doce no planeta, em futuro próximo, nos desafia desde agora. De fato, as Nações Unidas estimam que a falta d’água que hoje afeta 1,1 bilhão de indivíduos alcançará 4 bilhões de pessoas dentro de 20 anos, ou seja, em torno de 2025.

Essa deficiência não afetará somente as regiões conhecidas como carentes de recursos hídricos, mas também aquelas que atualmente dispõem de água em abundância. Na medida em que a exploração aumenta, os recursos hídricos se tornam cada vez mais caros e raros. Em conseqüência, serão objeto de maiores pressões internacionais e, inevitavelmente, se transformarão em fonte de conflitos de todos os tipos.

As Nações Unidas já identificaram 300 áreas com potencial para conflitos em razão do uso da água, no caso de rios e lençóis freáticos transfronteiriços. Agravando a situação, não devemos nos esquecer das conseqüências do aquecimento do planeta sobre o ciclo da água, modificando o regime de chuvas e propiciando o aumento das secas. Nesse aspecto, referi-me, alguns dias atrás, ao relatório encomendado pelo Pentágono sobre mudanças climáticas. Ele traça um cenário de grandes dificuldades em curto prazo. As mudanças climáticas que pensávamos que poderiam trazer conseqüências dentro de 50 a 100 anos já começaram a ocorrer no mundo todo.

No caso particular da Amazônia, é necessário ressaltar que ela não é apenas brasileira. O bioma amazônico é dividido com nove países - incluindo a França, vizinha do meu Estado por intermédio do Departamento da Guiana. Ora, o desmatamento da floresta amazônica, que funciona como uma grande esponja que absorve toda a água da região, é um fator que contribui para a escassez de recursos hídricos em nossa América Latina e também em todo o mundo. Por essa razão, devemos lutar com todas as forças contra esse flagelo, pois além das conseqüências ambientais, a escassez de água poderá ser fonte de conflitos entre nós e nossos vizinhos.

Nós nos acostumamos, no Brasil, a nos estimar a salvo da penúria de água, com exceção do Nordeste, em grande parte devido ao imenso potencial da Amazônia. Precisamos, agora, absorver o conceito de que os problemas de escassez, sempre presentes em pontos definidos do País, podem atingir todos nós.

Portanto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, devemos estar alertas para os problemas e os conflitos que advirão em função da má repartição, da má distribuição da água em todo o planeta e, particularmente, no nosso País, que já vive problemas de penúria de água na região do semi-árido, no sertão nordestino.

A Amazônia precisa urgentemente de um programa capaz de poupar os seus recursos que, neste momento, nos parecem abundantes, mas que, no futuro, em função do desmatamento que cresce a cada ano - e a expectativa é que, em 2003, haja um aumento no desmatamento da Amazônia -, poderão ser extintos. Assim, terminaremos por eliminar a floresta que funciona como um pulmão para o País e para o Planeta.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/03/2004 - Página 8551