Discurso durante a 26ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas a política de reforma agrária no País. Análise da crise econômica e social que vive o Brasil. Avaliação das pesquisas de opinião pública que atestam a queda de popularidade do governo Lula.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas a política de reforma agrária no País. Análise da crise econômica e social que vive o Brasil. Avaliação das pesquisas de opinião pública que atestam a queda de popularidade do governo Lula.
Aparteantes
Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 30/03/2004 - Página 8658
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGAÇÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL, COMENTARIO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, REDUÇÃO, POPULARIDADE, GOVERNO.
  • REGISTRO, CONVOCAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, SEM-TERRA, ESCLARECIMENTOS, DECLARAÇÃO, AMEAÇA, TUMULTO, FRUSTRAÇÃO, EXPECTATIVA, REFORMA AGRARIA, GOVERNO.
  • CRITICA, FALTA, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, PAZ, CAMPO, CONTINUAÇÃO, EVOLUÇÃO, AGRICULTURA.
  • COMENTARIO, DADOS, PARALISAÇÃO, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, REDUÇÃO, CAPTAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUMENTO, RISCOS, BRASIL, MERCADO INTERNACIONAL, SUPERIORIDADE, FALENCIA, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, SETOR PUBLICO, INCOMPETENCIA, GOVERNO FEDERAL, DENUNCIA, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, AERONAVE, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há algumas horas, o Presidente Lula disse estar otimista e negou a crise política no Governo, em solenidade no ABC Paulista, mais precisamente na General Motors, em São Caetano do Sul, onde entregou 305 viaturas à Polícia Rodoviária.

O Presidente da República indagou o seguinte:

Os adversários criam uma situação aparente de instabilidade no governo com objetivos eleitorais. Será que a crise já não é a eleição de 2004? Será que as pessoas não estavam preocupadas que meu partido pudesse ganhar muitas cidades e precisavam fazer o debate político?

Sua Excelência disse que não há crise no Governo nem no São Caetano, mas no Corinthians. Vamos relevar a um segundo plano as comparações do Presidente, que tem sido muito infeliz ao fazê-las. Não é possível que se queira comparar a crise do Corinthians à do Governo. A crise do Governo é uma crise de gestão, matriz geradora das crises política, econômica, social e, sobretudo, ética, que abalam o País.

O reflexo da crise está nas pesquisas de opinião pública anunciadas no final de semana e, ainda hoje, mais uma, a pesquisa CNT-Sensus revela a queda de popularidade do Presidente da República e de aprovação do Governo, cerca de vinte e dois pontos percentuais desde o início do Governo até este momento de queda.

É evidente que há a crise. Quando João Pedro Stédile, do MST, manifesta, de forma revoltada, o seu inconformismo com a política desenvolvida pelo Governo em matéria de reforma agrária é a repercussão da crise.

Não estou afirmando que está certo o MST, mas estou procurando dizer, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a revolta do líder dos sem-terra é conseqüência do desastre de gerenciamento do Governo no que diz respeito à reforma agrária do País.

É conseqüência da ausência de autoridade, de liderança e, sobretudo, de capacidade de execução de qualquer programa governamental. Aliás, não há programa de Governo em execução no Brasil.

À frente, vamos mostrar que é impossível executar um programa de governo investindo apenas 0,8% do que está previsto para investimentos no primeiro trimestre do ano.

É preciso destacar, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores... Antes disso, quero informar à Casa que, na próxima terça-feira, o Sr. João Pedro Stédile, do MST, deverá comparecer à CPMI da terra para prestar esclarecimentos sobre suas últimas declarações e para que esta Casa possa ouvir dele também as suas expectativas em relação ao Governo, a sua decepção, a sua frustração, enfim, as suas propostas para que se possa celebrar a paz no campo, indispensável para a continuidade desse processo de evolução notável que vive a agricultura brasileira, agregando valores tecnológicos e produzindo cada vez mais, competindo em produtividade e qualidade com as principais nações do mundo.

Esse processo não pode ser comprometido pela ausência de liderança e de autoridade do Governo e, sobretudo, pela sua incapacidade de executar qualquer plano de reforma agrária no País.

Há, assim, falta de inspiração, de criatividade, há paralisia do Governo, provocando essa crise que se reflete no exterior. As captações externas no Brasil caíram de US$1,8 bilhão em janeiro para US$50 milhões em março, até o último dia 25. Veja, Senador Sérgio Guerra, que são números incríveis, que não podem ser ignorados por quem faz a análise do desempenho do Governo. O Presidente da República, ao afirmar que não há crise no Governo, mas no Corinthians, deveria, antes de mais nada, verificar esse dado, que é sinalizador da crise econômica vivida pelo Brasil e, sobretudo, da crise de credibilidade, porque o investidor estrangeiro se afasta, quando não acredita. O que está ocorrendo, neste momento, no País, é uma fuga, talvez sem precedentes, do capital externo, em detrimento do crescimento econômico e da geração de empregos.

O risco país Brasil é outro sinalizador da crise e ultrapassou o de outros países emergentes. Em janeiro, era, em média, 8% superior ao dos emergentes; em fevereiro, saltou para 22%; e, agora, em março, chega a 30%. Portanto, o que cresce não é a economia; neste primeiro trimestre, o que cresce, de forma dramática, é o risco país Brasil, e isso tudo provocado pela paralisia do Governo.

O Tesouro Nacional deixou de vender letras do Tesouro, com vencimento em julho de 2005, o que se agravou, sobretudo, depois do escândalo Waldomiro Diniz. E o Presidente diz que não há crise. E o Ministro José Dirceu disse que o caso Waldomiro está encerrado. Provavelmente, para S. Exª está encerrado; para o País, não. Para esta Casa, não pode estar encerrado.

Há outros dados, que revelam a gravidade da crise econômica e social vivida pelo Brasil. Segundo estudo realizado pela Serasa - todos sabemos que ela é a maior empresa do Brasil em informações e análise de economia -, a quantidade de falências decretadas e de concordatas deferidas apresentou, em fevereiro, um crescimento de 52,8% em relação ao registrado no mesmo mês do ano de 2003. Foram decretadas 324 falências no mês passado, o equivalente a uma média diária de 19,1 documentos; em fevereiro do ano passado, o número foi de 251, com média diária de 12,5 documentos. No primeiro bimestre deste ano, foram concedidas 60 concordatas, um aumento de 81,8% em comparação com o mesmo período do ano passado. E para o Presidente não há crise. Um crescimento de 50% de concordatas e falências no País é a constatação real e visível da crise econômica que estamos vivendo.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse também estar otimista, porque o Governo possui mais dinheiro para investir este ano. Segundo Sua Excelência, outra razão para o otimismo é o fato de os juros reais serem os mais baratos dos últimos anos. O Presidente disse que há mais dinheiro para investir, mas o Governo não investe. A questão não é ter o dinheiro. A questão deixou de ser o dinheiro e passou a ser a capacidade de aplicá-lo.

O Governo tem demonstrado incapacidade, tanto que apenas 0,8% dos investimentos previstos no Orçamento da União para 2004 foram executados no primeiro trimestre. Os valores pagos somam R$109 milhões. E pasmem, Srªs e Srs. Senadores: descontando-se os R$46,9 milhões da prestação do novo avião do Lula, sobram apenas R$62 milhões para investimentos em todos os Ministérios. Portanto, a primeira prestação do avião do Lula consumiu valor quase igual àquele investido por todos os Ministérios.

Não se trata de uma piada. Não estou brincando ou fazendo chacota com o Governo; não estou debochando da sua incompetência. Estou revelando um dado que consubstancia, lamentavelmente, a incompetência do Governo. Em sete Ministérios, os investimentos têm execução zero ou 0,01, que é igual a zero. Sete Ministérios do atual Governo não tiveram competência para investir 1% sequer do que estava previsto.

E como quer o Presidente que o País cresça economicamente? De que adianta o discurso do Presidente da República, do Presidente do Banco Central e, provavelmente, do Ministro Antônio Palocci amanhã, na Comissão de Assuntos Econômicos, de que haverá crescimento em 2004? Houve quem dissesse que cresceremos 4,5%. Como, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores? Como será possível crescer diante desse cenário de incompetência absoluta na gestão do atual Governo?

Repito: em um país pobre, de milhões de desempregados, onde a violência cresce de forma avassaladora, onde a pobreza aumenta assustadoramente a cada dia, o Governo gasta quase a metade dos investimentos do período no pagamento da primeira prestação do avião, para que o Presidente possa, com muita mordomia, com muito prazer, com muito luxo, viajar pelo mundo afora. São US$56,713 milhões, ou seja, R$166 milhões! Estamos indignados, Srª Presidente, porque países poderosos do mundo não se utilizam desse tipo de aeronave para o transporte do Presidente da República. Um país como o nosso não pode se dar ao luxo desse desperdício. Isso é megalomania do Presidente da República. Jamais imaginei, conhecendo a origem do Presidente Lula, que pudesse Sua Excelência chegar a extrapolar os limites do bom-senso em matéria de megalomania.

Concedo um aparte ao Senador Sérgio Guerra, com satisfação.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Senador Alvaro Dias, o discurso de V. Exª hoje é mais uma demonstração lúcida da forma como nós, do PSDB, encaramos, com tranqüila isenção, a crise que atravessamos. As palavras do Presidente Lula - referidas por V. Exª, afirmando de que, neste momento da vida brasileira, não há crise, que a crise é coisa inventada - são extremamente preocupantes. O Presidente da República, com as responsabilidades de um regime presidencialista como o nosso, eleito por uma maioria como aquela que o elegeu, depositário de muitas esperanças, teria obrigação de ter um mínimo de sintonia com os fatos. E essa sintonia não existe, o que fica claramente demonstrado quando o Presidente esquece o Brasil real e faz uma afirmativa típica de ditadores, que, em vez de encararem a situação como de fato é, afirmam frases como esta: “Essa crise foi inventada”. Inventada por quem? Por qual razão todos os grandes órgãos de divulgação brasileiros insistentemente divulgariam matéria negativa para o Governo? Será que a imprensa brasileira teria sido tomada de um forte oposicionismo antipetista? Por que razão o País e suas forças, todos demonstrando preocupação e um iluminado, na posição de Presidente da República, acha que todos estão errados, que nada disso existe, que tudo é ficção, como se na realidade os fatos não preponderam? Eles preponderam, sim, como V. Exª os está relacionando, como essa brincadeira de comprar avião, essa política de incapacidade total que o Governo demonstra em todos os seus Ministérios, sem exceção. Lá no Nordeste, por exemplo, tivemos, há cerca de dois meses, grandes enchentes. No passado, diante de calamidades como essa, o Governo Federal fazia uma medida provisória e providenciava alguns recursos, sempre insuficientes, mas que chegavam mais ou menos na hora para enfrentar a situação que se apresentava. O Governo Lula anunciou alguns milhões de reais; só que esses reais não existem, como não existem as suas promessas, como não se comprova o Fome Zero. Agora mesmo, o Presidente vai ao Nordeste, no meio dessa situação na qual falta dinheiro para continuar uma obra de R$50 mil, e anuncia uma política de recuperação da Bacia do São Francisco e de transposição das águas do rio São Francisco. Trabalho para alguns bilhões de dólares. Sou nordestino, bem como o Presidente da República. No tempo da ditadura, os generais chegavam no Nordeste e anunciavam metas magníficas, extraordinárias, valores impensáveis para o homem simples e pobre de lá - como simples e pobre foi o Presidente Lula. Ninguém acreditava nisso. E o Presidente insiste, chega agora ao Nordeste e, como se fosse um general daqueles tempos, afirma que vai produzir um milhão de empregos, quando todo dia fecha uma pequena unidade comercial em Pernambuco, uma pequena unidade fabril e a agricultura não tem financiamento. O efeito das inundações ainda nem foi enfrentado. De maneira muito concreta, o Governo não existe. O Ministério dos Transportes é uma brincadeira. Nossa safra agrícola está sendo punida, sob o ponto de vista internacional, com descontos sobre os preços dos produtos brasileiros - US$1,2 bilhão. A questão é tratada pelo Senador Jorge Bornhausen em magnífico artigo publicado pela Folha de S.Paulo. O Presidente diz que nada disso existe, que estamos inventando. Não é apenas esse tal caso Waldomiro. Esse é apenas um sintoma de que não se está falando sério. Há toda uma situação - como no discurso de V. Exª fica claro - de alienação, de autoritarismo e de subestimação do País, o que preocupa a todos. Afeta a confiança de todos nas instituições democráticas que o nosso Presidente deveria representar e honrar. No entanto, não o faz e ainda pronuncia discursos alienados, como o de hoje.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado pelo aparte, Senador Sérgio Guerra.

Quero resumir a questão financeira. O Governo gastou R$47 milhões na prestação do avião e apenas R$62 milhões restaram para investimentos em todos os Ministérios. Os R$15 milhões previstos no orçamento para o fomento à operação de trabalho e renda não foram tocados, nenhum centavo foi liberado. Trabalho e renda, não; avião, sim.

No Ministério dos Transportes, ficaram intactos R$597 milhões, reservados para a restauração das rodovias. Ao Presidente, com um avião desses, por que se preocupar com os buracos nas rodovias brasileiras? Voando num avião de luxo, o Presidente não se preocupa com os buracos das nossas estradas.

No Ministério das Cidades, R$182 milhões ficaram também intocados, para urbanização de assentamentos.

Vejam, é preciso pronunciar com indignação o que digo a seguir: o pagamento de uma das prestações do novo avião do Presidente consumiu R$3,00 de cada R$4,00 investidos pelo Governo Federal até o último dia 11 de março corrente. Portanto, de cada R$4,00 foram gastos R$3,00 na primeira prestação do avião do Presidente da República.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Ou seja, o avião é caro, mas o Governo não investe nada, por incapacidade de gerenciamento, por incapacidade administrativa. Mas o Governo já tem a desculpa. No ano passado, a crise tinha uma causa: a herança maldita, e repetiam um discurso antigo.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Estou concluindo, Srª Presidente. Está certo que sou menos ilustre do que outros Senadores, mas presenciei aqui pronunciamentos que chegaram a sete, oito ou nove minutos além do tempo regulamentar.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Mas eu não estava na Presidência.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Ou esta Casa adota a mesma regra para todos, ou se estabelece definitivamente que há dois pesos e duas medidas. Quando se critica o Governo, o Regimento é rigoroso.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Não há dois pesos e duas medidas.

O Sr. Pedro Simon (PMDB - RS) - V. Exª está fazendo uma injustiça. O aperto de campainha é apenas para dizer que agora é que o pronunciamento de V. Exª vai começar. Não há problema, fique tranqüilo.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Obrigado, Senador Pedro Simon. Não vai começar; vai terminar.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Alvaro Dias, vou dar a V. Exª tempo suficiente para terminar, espero que seja breve. Não há dois pesos e duas medidas. Quando ultrapassa é porque não estou na Presidência.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Então ótimo! Que V. Exª esteja sempre na Presidência e quem sabe o Senado Federal a eleja Presidente para que possamos, então, ter o Regimento cumprido rigorosamente, a favor e contra todos.

Para concluir, Srª Presidente, Sras e Srs. Senadores, o Presidente da República, o Governo enfim, no ano passado, tinha como justificativa a herança maldita. Eu me lembrava do discurso novo de Tutancamon, Faraó da XVIII Dinastia egípcia. Ele também responsabilizava o seu antecessor. Afirmava que a incompetência de quem o antecedeu devastou o império que assumia. Portanto, o discurso não era novo.

E agora uma outra justificativa, também muito antiga: é ano eleitoral. No ano eleitoral, não se deve criticar o Governo. Em ano eleitoral, não se deve denunciar. Em ano eleitoral, não se podem apontar as falhas do Governo. Em ano eleitoral, não se pode dizer que o Governo é incompetente. Em ano eleitoral, não se pode ver que há crise no País. A crise há, em que pese ser ano eleitoral.

Muito obrigado, Srª Senadora, e desculpe-me


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/03/2004 - Página 8658