Pronunciamento de Pedro Simon em 31/03/2004
Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Análise do momento histórico do golpe de 64.
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ESTADO DEMOCRATICO.
FORÇAS ARMADAS.:
- Análise do momento histórico do golpe de 64.
- Aparteantes
- Eduardo Suplicy, Ideli Salvatti.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/04/2004 - Página 8871
- Assunto
- Outros > ESTADO DEMOCRATICO. FORÇAS ARMADAS.
- Indexação
-
- ANALISE, ATUAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, HISTORIA, POLITICA, BRASIL, PERIODO, ANTERIORIDADE, GOLPE DE ESTADO, DITADURA, REGIME MILITAR, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE.
- ANALISE, FATO, OCORRENCIA, PERIODO, GESTÃO, JOÃO GOULART, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, RESULTADO, GOLPE DE ESTADO.
- COMENTARIO, ARBITRARIEDADE, CONDUTA, REGIME MILITAR, AUSENCIA, DEMOCRACIA, CASSAÇÃO, MANDATO PARLAMENTAR, CONGRESSISTA, EXTINÇÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA, PRISÃO, PERSEGUIÇÃO, EXILIO, MORTE, CIDADÃO, OPOSIÇÃO, DITADURA, EDIÇÃO, DIVERSIDADE, ATO INSTITUCIONAL, IMPEDIMENTO, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA.
- REGISTRO, LUTA, DIVERSIDADE, SETOR, SOCIEDADE, RETORNO, ESTADO DEMOCRATICO, BRASIL, OPINIÃO, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, NORMALIZAÇÃO, POLITICA.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, ouvindo o discurso do orador que me antecedeu, imagino o acerto de uma manifestação que diz que sente um certo cheiro de Jango no ar. Quero dizer que não sinto.
A rigor, eu não deveria falar hoje, mas amanhã, porque a ditadura teve início no dia 1º de abril - embora se fale em 31 de março, na verdade, ela começou na madrugada do dia 1º de abril. Vindo das Minas Gerais, um General que até hoje não tem definido na sua biografia o sentido do seu sentimento, do seu aspecto nervoso, o Sr. Mourão Filho, deu início ao movimento que culminou por derrubar o Governo João Goulart.
Quarenta anos passados, a imprensa faz uma série de perguntas, uma série de indagações sobre como foi, o que aconteceu, e o resultado do que aconteceu.
Em primeiro lugar, a diferença fantástica entre aquele momento, 40 anos atrás, e os dias que estamos vivendo, é que atualmente temos a plenitude democrática. Graças a Deus, conquistamos uma democracia plena. É claro que plena mesmo não é, porque temos os problemas da fome, da miséria, das injustiças sociais, e uma verdadeira democracia deve estender-se a toda a sociedade. Mas as instituições funcionam. Nossas Forças Armadas estão absolutamente dentro de seu papel.
Há 40 anos, as Forças Armadas eram o estopim da UDN. Eram golpistas! Há 40 anos, tínhamos a figura do militar que ficava 30 anos na tropa, como o Brigadeiro Eduardo Gomes, o General Lott. Eles ficavam e preparavam golpes, como o General Cordeiro de Farias.
Devemos - justiça seja feita - ao Marechal Castelo Branco o fim dessa figura do militar profissional. Hoje o militar fica um determinado tempo como General de 1ª Divisão, como General de Exército, e depois é reformado. Não temos pessoas como Canrobert e o Brigadeiro Eduardo Gomes, que eram candidatos à Presidência, estavam na tropa e praticamente faziam a subversão dentro da tropa. Um cidadão que hoje é Ministro do Exército, com um prestígio enorme, um cartaz enorme, amanhã está reformado e vai para casa. O militar é como o político: desaparece das manchetes dos jornais porque não tem mais nenhuma influência na tropa.
A segunda diferença é que hoje o Brasil está cônscio das suas responsabilidades e das suas obrigações. Não há um golpe em marcha.
Após a queda de Getúlio Vargas, em 1945, a UDN não admitia que não fosse vitoriosa nas eleições presidenciais a figura do Brigadeiro Eduardo Gomes e teve que tolerar, no voto direto, a vitória de Dutra, que era o Ministro da Guerra da ditadura e foi quem garantiu o Estado Novo de Getúlio. Esse homem foi eleito Presidente da República, e a UDN e as Forças Armadas iniciaram e continuaram a campanha golpista, para evitar que Dutra permanecesse no cargo. Mas ele foi altamente competente, porque fez uma espécie de pacificação, compondo metade de seu Governo com o PSD e a outra metade com a UDN, e conseguiu chegar ao final.
Depois disso, o que provocou os militares e a UDN de Lacerda foi a candidatura do Dr. Getúlio Vargas. O ditador teve a coragem de vir, ser candidato e ganhar. E assumiu, apesar de quererem impedir. Entretanto, a luta foi violenta, cruel, dramática. Levaram o Dr. Getúlio Vargas ao suicídio e assumiram o governo.
Mas logo depois, para surpresa deles, ganhou Juscelino Kubitschek, e não a UDN. S. Exª fez um Governo extraordinário, fantástico, de progresso, desenvolvimento e crescimento.
Nas eleições seguintes, porém, ganhou Jânio Quadros. Louco, sete meses depois renunciou. Aí sim, a UDN e os militares tentaram, de todas as formas, impedir que o Vice-Presidente João Goulart - que não estava no País, mas em viagem à China - retornasse ao Brasil e assumisse. Assumiu a Presidência o Presidente da Câmara, Deputado Mazzilli, e o Presidente João Goulart foi proibido pelos militares de retornar ao Brasil.
Houve, então, o movimento pela legalidade, com o Dr. Brizola. Houve neste Congresso Nacional um movimento para criar o Parlamentarismo, e, em uma negociação para criar o Parlamentarismo e tirar poder de Jango, ele assumiu. Um ano depois, um plebiscito terminava com o Parlamentarismo, e Jango assumia a Presidência da República.
Não digo que Jango fosse um homem que estava preparado para ser Presidente. Ele era o Presidente do PTB, foi Vice-Presidente da República de Juscelino, Vice-Presidente da República de Jânio Quadros e, de certa forma, era um homem preparado para, à margem, à sombra do poder, exercer o seu poder político.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Senador Pedro Simon, a Presidência ousa interromper brevemente V. Exª apenas para fazer um registro. Dentre outros importantes profissionais da imprensa que assistem ao pronunciamento de V. Exª - destaco, entre as Srªs e os Srs. Senadores, o Senador Sr. Edison Lobão, também jornalista -, a Presidência gostaria de ressaltar a presença honrosa do Deputado Roberto D´Ávila, que certamente presencia esse importante pronunciamento que V. Exª profere nesta data.
Era esse o registro, nobre Senador.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Apenas digo que V. Exª não me interrompeu. V. Exª foi o meu ego, falou por mim. Eu ainda não o havia visto, senão eu é que teria registrado a alegria de ver aqui uma pessoa que me obriga a medir mais as palavras, porque é testemunha melhor e mais imparcial do que eu.
Jango fez um Governo que tinha pessoas importantes; um Governo que executava a sua missão; um Governo que caminhava rumo a desempenhar a sua tarefa.
Havia problemas, sim, como o do Dr. Brizola e dos radicais do PTB, que exigiam reformas as mais necessárias, reformas radicais, e que cobravam a credibilidade e o prestígio do Dr. João Goulart.
A verdade é que a revolução estava em marcha; a ditadura estava em marcha. No Rio Grande do Sul, a partir do Governador Meneghetti, o golpe estava em marcha; no Rio de Janeiro, a partir do Governador Lacerda, o golpe estava em marcha; em São Paulo, a partir do Governador Adhemar de Barros, o golpe estava em marcha; em Minas Gerais, a partir do Governador Magalhães Pinto, o golpe estava em marcha.
No dia 1º de abril, houve o golpe. Nesta Casa, o Presidente Auro de Moura Andrade disse, em alto e bom som, naquela madrugada: O Presidente João Goulart saiu do País, está em lugar incerto e não sabido. Declaro vaga a Presidência da República, assume o Presidente da Câmara dos Deputados.
No plenário, o Dr. Tancredo Neves até palavrões impublicáveis gritou, e muitos outros fizeram o mesmo. João Goulart estava em Porto Alegre. Estávamos na casa do Ministro da Guerra nomeado por ele preparando o que fazer. As tropas do Rio Grande do Sul buscavam se dirigir a Brasília para garantir o seu mandato.
Jovem, muito jovem, Deputado Estadual, vivi aqueles momentos. Um Brizola agitado, alucinado, exigia que Jango o nomeasse Ministro da Fazenda, e que o Comandante do Terceiro Exército viesse em direção a Brasília. Quando Jango soube que ele tinha sido destituído, quando soube que várias unidades do Rio Grande do Sul, do Paraná e de Santa Catarina estavam do lado do golpe e quando soube que seu amigo, Amaury Kruel, que estava comandando o Segundo Exército, em vez de se dirigir a Juiz de Fora para combater as tropas de Mourão, como se imaginava, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, João Goulart não aceitou o apelo dramático de Brizola, o apelo dramático do Rio Grande do Sul, e dirigiu-se ao Uruguai. O golpe vitorioso estava.
Interessante é que o golpe vitorioso estava como um golpe tradicional. Nunca se falou em revolução. Nunca se falou que havia uma revolução em marcha, falava-se que havia um golpe em marcha. Quando houve o movimento do Mourão, quando ganharam e quando assumiram, nunca falaram em revolução. Quando assumiram, tinha havido um golpe tradicional: derrubaram o Presidente da República e assumiu o Vice-Presidente, no caso, o Presidente da Câmara dos Deputados, que nomeou todo o seu Ministério.
Só no dia 9 de abril, nove dias depois do golpe, os três Ministros nomeados pelo Mazzilli lançaram um ato que significaria a revolução. No papel, a revolução foi feita pelos Ministros nomeados por Mazzilli; e, no papel, nove dias depois, realmente foram feitos os atos que representavam uma verdadeira revolução. Durante 60 dias, cassar-se-iam Deputados; durante 120 dias, demitir-se-iam funcionários públicos. Uma série de atos seria praticada exatamente por aquela junta militar composta pelos três Ministros militares.
Reuniram-se os Governadores da revolução e “elegeram” Castelo Branco. O Ato Institucional não tinha número, não era o Ato Institucional nº 1, nº 2 ou nº 3. Era apenas um Ato Institucional e tinha prazo para terminar, e assim ocorreu.
Cassaram mandato, prenderam, mataram, expulsaram, demitiram funcionários, fizeram o que podiam e o que não podiam. Mas, passado aquele prazo, o Brasil retornou à democracia. Tanto foi que passamos a fazer os pronunciamentos mais duros sobre o Governo Castelo Branco.
E tanto era exato que naquela época havia mandatos de Governadores de quatro e de cinco anos. Como nos Estados de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e em outros, os mandatos eram de cinco anos, houve eleições em onze Estados para eleger Governadores e Deputados estaduais. A campanha foi feita - houve espaços gratuitos no rádio e na televisão - da forma mais aberta, com os maiores debates e com as maiores discussões. À época, o PTB e o PSD bateram no Governo Castelo Branco, e a UDN o defendeu. As forças de Oposição ganharam o Governo do Rio com Negrão de Lima, e Israel Pinheiro venceu as eleições em Minas Gerais.
Os militares reuniram-se e lançaram o Ato Institucional nº 2. O primeiro passou a ser Ato Institucional nº 1, e o segundo passou a ser Ato Institucional nº 2. E abriram novamente todos os prazos de cassação, de prisão, etc. Esse prazo iria até o final do Governo Castelo Branco. Retornamos aos tempos da ditadura: cassaram, prenderam e mataram. Vivemos um regime o mais violento e o mais radical.
O engraçado é que o Presidente Médici assumiu. Abriram o Congresso, que tinha sido fechado, para eleger o Presidente Médici. Quando ele assumiu, terminou o Ato Institucional nº 2, e retornamos à democracia. Vivemos novamente um regime “democrático”.
Na época, o Governo enviou ao Congresso uma reforma do Poder Judiciário. Nós não a aceitamos e a rejeitamos. O Presidente da República, o General Geisel, fechou o Congresso Nacional e editou uma nova Constituição - foram convocados os Constituintes do Riacho Fundo -, conhecida como a Constituição de 1969. E a ditadura voltou.
O Deputado Márcio Moreira Alves fez um discurso em que aconselhava as mulheres a não namorarem os cadetes, a não terem relações com seus esposos enquanto não voltasse a democracia. Depois desse discurso - diga-se de passagem ridículo, sem nenhum significado, discurso de cinco minutos -, pediram licença para cassar o Deputado.
O Líder do Governo na época, Senador do Rio Grande do Sul, Daniel Krieger, perguntou ao Presidente: O que eu faço? Vamos votar a cassação. Qual é a decisão do Governo? A resposta do Presidente foi: Está liberado. O que tínhamos era a obrigação, a determinação que os militares me deram de pedir a cassação dele. O Congresso faça o que bem entender.
O Deputado foi absolvido. Fecharam o Congresso Nacional e baixaram o AI-5 por tempo indeterminado.
Impressionante como a imprensa, a igreja, no início, a sociedade e as entidades mais importantes deram cobertura ao movimento e, durante muito tempo, à ditadura militar.
Vejo que a maioria das pessoas - como a nova Líder do Governo, a nobre Líder do PT nesta Casa, que nos honra agora com a sua presença - não sabe nada disso, porque estamos festejando 40 anos da ditadura, e S. Exª ainda não havia nascido quando esses acontecimentos se verificaram. Há uma geração que praticamente está à margem do que ocorreu. Outro dia a imprensa publicou...
A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Senador Pedro Simon, agradeço muito o elogio, mas eu já era viva e tinha consciência da gravidade do que estava acontecendo com o País. Sei o quanto tivemos que pagar para poder reconquistar o Estado democrático. De qualquer forma, agradeço o elogio.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Pedro Simon?
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - V. Exª estava vivo.
O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Querido Senador Pedro Simon, em 31 de março de 1964, eu era estudante, com 22 anos, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, onde fui Presidente do Centro Acadêmico. Lembro-me de ter, então, convocado uma assembléia-geral e de ter convidado professores e estudantes a debater aquele movimento. Para mim, aquele movimento soava estranho, ainda que eu estivesse acompanhando todos os movimentos que repercutiam pelo Brasil e que mexiam muito conosco. Em cada uma de nossas famílias, víamos, de um lado, pessoas preocupadas com o que poderia ocorrer, diante do temor de que o Brasil poderia se tornar uma Nação com regime ditatorial, de natureza marxista, esquerdista, onde as pessoas passariam a deixar de ter suas casas, onde a prática religiosa seria proibida. Havia o temor de muitos quanto às reformas de base prometidas pelo Presidente João Goulart, especialmente a reforma agrária. Mas o que nos preocupava sobremaneira era como seria a transformação das instituições e do próprio Governo, pois nossa formação dava importância à democracia. Naquela reunião, a que centenas de professores e estudantes compareceram, propus uma votação, e posso transmitir a V. Exª, Senador Pedro Simon, que a maioria dos estudantes foi contrária à derrubada do regime pelo golpe militar, mas favorável à transformação por meios democráticos. Senador Pedro Simon, quero cumprimentar V. Exª por ter sido um dos que, ao longo dos 21 anos de regime militar, esteve sempre na trincheira dos que lutaram pelo direito à cidadania, pela liberdade democrática, para que jamais algum órgão da imprensa fosse censurado, para que o Congresso Nacional não fosse fechado, para que sempre ocorressem eleições livres e diretas para Prefeitos, para Governador de Estado - V. Exª foi um dos Governadores eleitos pelo povo gaúcho -, para Presidente da República. V. Exª esteve presente em todas as grandes lutas, como a luta pela anistia e pelas Diretas Já. Esteve presente também na luta pela ética na política, que, mesmo no regime democrático, tivemos que levar adiante. Que as lições de 31 de março de 1964 fortaleçam as nossas convicções, para que nunca mais haja a interrupção da prática da democracia, para que sempre estejamos, sim, aperfeiçoando as instituições democráticas, para que todo e qualquer brasileiro passe a ter legítimos direitos à cidadania e à democracia em nosso País! Meus cumprimentos a V. Exª!
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.
Lendo nos jornais de ontem e de anteontem entrevistas e pesquisas realizadas com os jovens, fiquei chocado. Nelas, estudantes universitários diziam que Tiradentes era um dos coordenadores da tortura durante a revolução. É um esquecimento praticamente total do que aconteceu.
É bom nos lembrarmos de que é verdade que a História só escreve os feitos dos heróis. Ninguém sabe se Hitler fez alguma coisa boa. Ninguém sabe se Winston Churchill teve algum lado errado. Na revolução, a imprensa escreveu a história dos militares. Agora, começa-se a publicar o que aconteceu, a história verdadeira. E é bom que isso aconteça quando estamos vivendo uma crise normal, tradicional, em um Governo que ainda não caminhou direto para onde devia. Esse Governo é democrata, é constituído de pessoas honradas e sérias, mas enfrenta problemas realmente difíceis por não encontrar o início da saída que se identifique com as promessas eleitorais.
Numa hora como esta, fala-se em comparação, diz-se que se sente cheiro de Jango no ar, quando deveríamos dizer justamente o contrário, que há cheiro de democracia no ar. O povo não quer viver jamais aquela fase, mas quer sim consolidar o terreno da democracia. E, na História, há uma página belíssima: um homem do povo, um homem que veio do meio mais humilde e mais simples, chegou à Presidência da República. Que Sua Excelência e seus trabalhadores façam um bom governo!
Meus amigos jovens que aqui estão e que pela televisão assistem a esta sessão, não pensem que a ditadura apareceu e, de repente, terminou! Muitos morreram, muitos sofreram, muitos foram cassados, assassinados, exilados. Foi uma caminhada longa e difícil. Houve a luta daqueles que procuraram a guerrilha, daqueles que queriam a guerra civil e daqueles que, como nós, queriam o caminho da democracia e, por meio dela, passo após passo, a derrubada da ditadura, o que, à época, parecia impossível, inimaginável. Diziam: “Esses caras são uns doidos. Para derrubar a ditadura, deve haver guerrilha. Para derrubar a ditadura, deve haver uma contra-revolução. Para derrubar a ditadura, temos que iniciar um movimento de terrorismo. Como vamos derrubar essa gente com toda essa força se não fizermos isso?”
O movimento deu certo, sim, e pacificamente. Foi feito o movimento de avançar, de identificar o povo, os jovens, as mulheres, a sociedade, os intelectuais, o Congresso Nacional. O Brasil inteiro se movimentou numa luta contra a tortura. O Brasil era apontado, no mundo inteiro, como o país que mais torturava.
E houve a luta em defesa de uma Assembléia Nacional Constituinte, a luta pela anistia, porque centenas de companheiros nossos tiveram seus direitos políticos cassados. Por meio do Decreto Lei nº 477, o Ministro podia expulsar um jovem da universidade, e o estudante ficava proibido de estudar por dez anos. Em qual país do mundo, em qual democracia, onde se pode proibir um jovem de estudar? Pois aqui ele era proibido de estudar em qualquer universidade, em qualquer escola.
A luta foi travada ponto por ponto, trincheira por trincheira. A luta foi quase impossível, mas chegamos aqui. Foi uma vitória extraordinária, alcançada por lados opostos. Queríamos a eleição direta. A emenda das eleições diretas estava para ser aprovada, e cercaram o Congresso Nacional. Disseram que o Congresso seria fechado se a emenda das Diretas Já fosse aprovada. A emenda foi rejeitada por oito votos. Foi uma derrocada total.
Com isso, decidimos fazer o que parecia um absurdo, mas que, de repente, para o MDB, para aquela gente que lutava contra o Colégio Eleitoral, fazia sentido. O Colégio Eleitoral era uma imoralidade. O que era o Colégio Eleitoral? Uma instituição composta por Senadores e Deputados, que se reuniam e elegiam o Presidente. Elegeram o Castello Branco, o Costa e Silva, o Médici, o Geisel, o Figueiredo. Contra esse Colégio Eleitoral, saímos pelo Brasil berrando por todos os cantos. Tivemos que explicar ao povo - muitos não entenderam; o PT, à época, não entendeu - que a saída era ir para o Colégio Eleitoral e lá derrotar a Arena. Àquela altura, já havia muitas pessoas revoltadas: Sarney à frente, Marco Maciel, muitas pessoas importantes se identificaram conosco, e, juntos, derrotamos Maluf no Colégio Eleitoral. E terminamos, por essa via, conquistando a democracia.
Amanhã serão completados 40 anos desse início. Logo depois, morre Tancredo, assume Sarney, elege-se Collor de Mello, cassa-se o mandato de Collor de Mello, assume Itamar. Depois, foram oito anos de Governo Fernando Henrique, e, agora, Lula está na Presidência da República.
Sr. Presidente, vivemos dias de profunda meditação, de profunda responsabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO. Fazendo soar a campainha.) - Senador Pedro Simon, veja que, só quando V. Exª atingiu dez minutos após o tempo, é que tive coragem de tocar a campainha, em primeiro lugar, por ser um grande admirador de V. Exª e, em segundo lugar, pelo pronunciamento histórico que só V. Exª talvez tivesse condições de dar a este Plenário. Apenas o faço em respeito ao tempo dos demais. Mesmo assim, V. Exª tem tempo para concluir seu pronunciamento.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito obrigado pela gentileza, Sr. Presidente.
Neste momento, com toda a sinceridade, digo que a grande diferença que vejo entre o Parlamento de hoje e o da época em que derrubaram Jango é que, naquele Parlamento, havia o Lacerda e muita gente querendo derrubar, querendo dar o golpe, querendo terminar com a democracia. Não vejo isso aqui. Vejo o PFL, o PSDB, o PDT, os Partidos de Oposição lutando, debatendo, analisando. Vejo aulas de História, aulas de civismo como a de ontem, durante a audiência com o Ministro da Fazenda. O Ministro Antonio Palocci recebeu mais elogios e respeito da Oposição do que do próprio Governo. Estamos querendo criar uma CPI, mas não queremos criá-la para demolir, para complicar, para dificultar a atuação do Governo. Estamos querendo sim ajudar o Governo, colaborar com ele. Se o Governo entendesse a importância dessa CPI, seria o primeiro a determinar a imediata criação dela. E, se ela já tivesse sido criada e já estivesse em andamento, não estaríamos vendo o que continua a acontecer.
Vejo a imprensa denunciando, debatendo e analisando os fatos, mas não vejo a imprensa agindo de forma golpista. Vejo trabalhadores e funcionários querendo colaborar. Vejo a Igreja - que, naquela época, saiu com um rosário na mão, com Deus, a Pátria e a família, para pregar o golpe - como uma Igreja progressista, colaboradora.
O ambiente, hoje, é de paz. Que o nosso amigo Lula se inteire disso! Viva a História! Viva o passado! Que busquemos o sentido pacífico de paz, que o seu Governo encontre o seu verdadeiro futuro, que o seu Governo encontre o seu verdadeiro destino e que possamos fazer o Governo que realmente desejamos!
Encerro, Sr. Presidente, vendo a figura de D. Maria Teresa Goulart.