Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 31/03/2004
Discurso durante a 28ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre o golpe militar de 1964. Comparecimento, amanhã, do Sr. João Pedro Stédile na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que está investigando a situação agrária do país. Presença, no próximo dia 14 de abril, do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, do Diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e de Jorge Félix, da ABIN, na Comissão do Congresso que acompanha as atividades de inteligência do governo federal.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ESTADO DEMOCRATICO.
POLITICA FUNDIARIA.
SEGURANÇA NACIONAL.:
- Considerações sobre o golpe militar de 1964. Comparecimento, amanhã, do Sr. João Pedro Stédile na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que está investigando a situação agrária do país. Presença, no próximo dia 14 de abril, do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, do Diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e de Jorge Félix, da ABIN, na Comissão do Congresso que acompanha as atividades de inteligência do governo federal.
- Aparteantes
- Mão Santa.
- Publicação
- Publicação no DSF de 01/04/2004 - Página 8921
- Assunto
- Outros > ESTADO DEMOCRATICO. POLITICA FUNDIARIA. SEGURANÇA NACIONAL.
- Indexação
-
- ANALISE, PERIODO, GOLPE DE ESTADO, DITADURA, GOVERNO, REGIME MILITAR, BRASIL, EFEITO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, PAIS, ATUALIDADE.
- ANUNCIO, COMPARECIMENTO, DIRIGENTE, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), INVESTIGAÇÃO, SITUAÇÃO, TERRAS, PAIS.
- ANUNCIO, COMPARECIMENTO, CONGRESSO NACIONAL, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DIRETOR, POLICIA FEDERAL, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), ESCLARECIMENTOS, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, BRASIL.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador José Sarney, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, quero, aqui, expor o quanto a experiência desses 40 anos, sobretudo depois do golpe militar de 31 de março, seja no sentido de que nunca mais os brasileiros permitam que seja interrompida a democracia. Que nunca mais as instituições democráticas venham a ser quebradas como naquela madrugada de 31 de março de 1964!
É possível que tantas pessoas tenham se mobilizado com receio do que poderia acontecer diante do fato de o Presidente João Goulart anunciar, no comício de 13 de março daquele ano, a realização das reformas de base, da reforma agrária que, sobretudo, estava preocupando os grandes proprietários de terra, inclusive muitos ficavam aterrorizados diante do que diziam alguns, ou seja, que poderia o Brasil tornar-se um regime ditatorial de natureza marxista, a exemplo do que ocorria com regimes do Leste Europeu, ou da República Popular da China, ou do regime que decorreu da Revolução cubana de 1959, ainda próxima.
Entretanto, não estava o Brasil efetivamente ameaçado, senão por aqueles que temiam um processo transformador. Foi lamentável a maneira como foram quebradas as instituições. Acabaram ceifando as liberdades democráticas, as liberdades de reunião, a liberdade de imprensa, a liberdade de livre manifestação. Ocorreram tantas outras coisas trágicas, inclusive as prisões, os métodos de tortura e as formas que entristeceram este País, e que inclusive acabaram tolhendo o direito de o povo brasileiro poder escolher seus representantes no Congresso Nacional e, em especial, os Prefeitos de capitais, os Governadores e o Presidente da República por um interregno até 1989, quando, finalmente, voltaram as eleições livres e diretas para a Presidência da República.
Em 31 de março de 1964, eu era Presidente do Centro Acadêmico da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e me lembro de estar participado ativamente do movimento estudantil. No segundo semestre de 1963, fui uma das pessoas contribuiu para a eleição de José Serra para a Presidência da UNE, o qual, então, como líder máximo dos estudantes, havia participado intensamente das inúmeras manifestações por democracia e pela realização das reformas de base, tendo ele inclusive sido um dos principais oradores do comício de 13 de março, que acabou fomentando temores dos que se mobilizaram, como por meio das chamadas Marchas da Família com Deus pela Propriedade. Em minha própria família, vi que houve divisões, pois meus pais - Paulo Cochrane Suplicy e Filomena Matarazzo Suplicy -, muito católicos e membros da Direção da Confederação das Famílias Cristãs, preocupavam-se com a questão da possibilidade de haver a instauração, no País, de um regime de natureza que não respeitasse os valores do cristianismo e da religiosidade que lhes era tão importante. Mas eu, na condição de estudante, resolvi unir-me àqueles que estavam participando da defesa das instituições democráticas.
Lembro-me de haver convocado, no centro acadêmico, uma assembléia de estudantes.
Convidamos professores da Fundação Getúlio Vargas, como Inácio da Silva Telles, Antônio Angarita da Silva e inúmeros outros, que colocaram seus pontos de vista. Depois de um grande debate, a maior parte dos estudantes resolveu votar para que não fosse quebrada a normalidade democrática, para que, qualquer que fosse a transformação, no Brasil, que tivesse ela a característica de respeito às instituições democráticas.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte?
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, Senador Mão Santa. Gostaria inclusive de saber da experiência de V. Exª naquele março de 1964.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Eduardo Suplicy, gostaria de deixar claro que, mesmo com o nosso espírito democrático, que é difícil, mas temos que buscar a perfeição, principalmente após o grito do povo que, buscando uma forma de regime, fugindo dos totalitários, cansado de ser humilhado, sofrido e enganado, foi às ruas e gritou: liberdade, igualdade e fraternidade. Na nossa América, foi batizado por Abraham Lincoln como governo do povo, pelo povo e para o povo, como aqui no Brasil. A democracia é trabalhosa. Na próspera França, não foi assim. Ocorreu 100 anos antes, com a Revolução Francesa; depois, passou Napoleão, com o Código Civil. Aqui também tivemos essas alternâncias, uma ditadura civil, de Vargas, homem trabalhador e realizador, que avançou em causas trabalhistas. Depois, veio a ditadura militar que era justificada como forma para afastar o País do comunismo. Quero que fique claro na História do Brasil que, mesmo nessas trevas de liberdade, o Piauí se agigantou. Ninguém foi melhor do que Evandro Lins e Silva - lembrava Rui Barbosa no nascer da República. Evandro Lins e Silva, Presidente do STF, que teve a coragem de não fazer desaparecer a justiça nesse período. Também piauiense, Petrônio Portella, nesta Casa, com sua inteligência, foi o artífice da redemocratização, que veio sem truculência, sem tiro e sem bala. No dia em que foi fechado este Congresso - porque houve uma reforma no Judiciário -, ele disse: “É o dia mais triste de minha vida”. Ninguém se comportou melhor do que o piauiense Petrônio Portella. E, na imprensa, Senador Romeu Tuma, nem no seu Estado de São Paulo, nenhum jornalista teve tanta grandeza quanto o piauiense Carlos Castelo Branco, o Castelinho, que teve a coragem, de homem do Piauí e do Brasil, de levar o desejo do povo pela redemocratização. Na administração, ninguém teve, durante esses 21 anos do regime militar, mais do que João Paulo dos Reis Veloso, que foi a luz desse regime e trouxe, de qualquer maneira, um desenvolvimento tecnológico e um grande exemplo ao País. Muitos anos de poder, João Paulo dos Reis Veloso: nenhum escândalo, nenhuma imoralidade e nenhuma corrupção - virtudes do homem do Piauí, que, de qualquer jeito, minimizaram a ditadura.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço, Senador Mão Santa, o depoimento de V. Exª, recordando a contribuição de brasileiros do Piauí para a construção do Brasil de hoje. Mas é importante que relembremos alguns dos aspectos daquilo que aconteceu depois de 1964.
O regime militar acabou adotando uma série de reformas que, por algumas décadas, levou a economia brasileira a ter um ritmo de crescimento rápido. Entretanto, acabou sendo caracterizado por um processo de concentração de renda e de riqueza, o que evidenciou a natureza do nascimento do regime, em que os que detinham mais recursos continuaram a exercer extraordinário poder de influência, inclusive sobre as decisões do Poder Público. Por isso, a nossa economia, nos últimos 10, 15 anos, continuou sem um crescimento rápido, e ainda se caracteriza pela forte concentração de renda e de riqueza.
A reforma agrária, que era um dos principais temores dos setores mais conservadores, ainda não foi realizada em sua plenitude, mas é preciso fazê-la. Certamente, esse é um dos principais compromissos que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve levar adiante. O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, anunciou que, efetivamente, haverá volume de recursos suficientes para atender à meta do número de trabalhadores a serem assentados neste ano.
Amanhã, às 10 horas, na CPI da Terra, estará presente João Pedro Stédile, um dos principais coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para manifestar as reflexões do MST a respeito da necessidade premente de realizarmos a reforma agrária no Brasil.
O Presidente Lula tem o compromisso de realizar essa reforma agrária de maneira pacífica, com muito diálogo entre todos os segmentos envolvidos e interessados. Daí a importância da presença, amanhã, de João Pedro Stédile, na CPI da Terra.
Quero ainda assinalar algo importante, que precisa ser objeto de esclarecimento.
Senadora Ana Júlia, nos últimos dois números da revista Carta Capital, há depoimentos importantes, um do Sr. Carlos Alberto Costa que foi Diretor do escritório federal de investigações dos Estados Unidos, conhecido como FBI. Ele era diretor do FBI aqui no Brasil e fez revelações da maior seriedade e gravidade, segundo as quais, o governo norte-americano, por seu intermédio, contratava pessoas, fazendo pagamentos não-registrados, de agentes da Polícia Federal, para realizar missões as mais diversas e por formas que não eram contabilizadas oficialmente.
Informo que, no próximo dia 14, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, acompanhado do Diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e Jorge Félix, da Agência Brasileira de Inteligência, comparecerão perante a Comissão do Congresso Nacional responsável por acompanhar as atividades da Abin, para prestarem esclarecimentos a respeito do que afirmou o Sr. Carlos Alberto Costa - que prestou depoimento ao Ministério Público, ao Sr. Luiz Francisco de Souza, e prestará outro amanhã, a partir da solicitação feita pelo Ministro da Justiça e pelo Diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, sobre o que informou à Carta Capital. Nesse depoimento, ele confirmará o teor de sua entrevista, que deverá ser objeto de análise e servirá de esclarecimento sobre como isso pode ocorrer no Brasil.
Ademais, temos a informação de que a Drug Enforcement Administration, a agência que cuida do narcotráfico nos Estados Unidos, tem contratado pessoas no Brasil para realizarem missões que muitas vezes não obedecem à constituição dos Estados Unidos e à Constituição brasileira, o que também deverá ser esclarecido na referida reunião.
Relaciono esses fatos ao ocorrido em 31 de março, porque, naquela data, também houve a estranha participação ou a intromissão de agentes dos Estados Unidos da América e de seu governo, para que houvesse a interrupção do processo democrático brasileiro.
Felizmente, nós, brasileiros, conseguimos modificar esse estado de coisas. Com as manifestações do povo brasileiro, com a mobilização, conseguimos transformar a ditadura militar em formas democráticas de participação. Agora, a nossa grande tarefa é aperfeiçoar o regime democrático, de tal maneira que todo e qualquer brasileiro tenha direito ao pleno exercício da cidadania e à participação democrática.
Muito obrigado.