Discurso durante a 30ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expectativa de que o Presidente Lula assuma o comando do Governo. Confiança nas estruturas democráticas vigentes no País.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Expectativa de que o Presidente Lula assuma o comando do Governo. Confiança nas estruturas democráticas vigentes no País.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2004 - Página 9238
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • REITERAÇÃO, SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ALTERAÇÃO, GOVERNO.
  • DISCORDANCIA, DECLARAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), EXISTENCIA, CONLUIO, OPOSIÇÃO, GOVERNO, REGISTRO, ESTABILIDADE, POLITICA NACIONAL.
  • FRUSTRAÇÃO, CIDADANIA, INSUCESSO, COMBATE, FOME, MISERIA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, NECESSIDADE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETOMADA, RESPONSABILIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, SUPERIORIDADE, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA, COMENTARIO, VISITA, SENADO, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), APREENSÃO, PARALISAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
  • ANALISE, CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), EMPRESA ESTATAL, TELEFONIA, ENERGIA ELETRICA, AUSENCIA, ABATIMENTO, DIVIDA PUBLICA, AGRAVAÇÃO, CRISE, FALTA, JUSTIÇA SOCIAL, VIOLENCIA.
  • RECONHECIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), BANCO MUNDIAL, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, DIRETRIZ, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, TERCEIRO MUNDO, FLEXIBILIDADE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, DESENVOLVIMENTO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, na ausência absoluta de qualquer outro representante que deseje falar, faço questão de reiterar hoje a proposta que fiz no início desta semana, desta tribuna, ao Presidente Lula.

Penso que o Presidente Lula tem todas as condições para tomar a iniciativa de deixar de lado esse debate que se está tramando no processo político e assumir o comando do seu Governo.

O quadro pode ser de crise política, com debates acirrados no Congresso Nacional. Mas não há como deixar de reconhecer que vivemos um ambiente da mais absoluta tranqüilidade, estabilidade política, estabilidade das instituições.

Cordialmente, quero discordar do meu amigo Ministro Márcio Thomaz Bastos, que vê um clima de conspiração contra o Governo. S. Exª crê que comemoram agora 40 anos de um regime que foi de ditadura, violência, arbítrio, e que lá sabíamos o que era conspirar contra o Governo. Meu amigo Thomaz Bastos, não vejo nada disso neste País. Pelo contrário, vejo um clima amplo de democracia. E esse é até um grande mérito do PT, porque diziam que assumiria o Governo, criaria uma controvérsia, abalaria as estruturas, o capital, fugiria, faria reformas radicais. Na verdade, nunca, nem no início do Governo Fernando Henrique, o ambiente foi de tanta tranqüilidade no sentido da paz política.

A confusão da CPI tivemos também no Governo do Fernando Henrique. Fernando Henrique também não deixou assinar a CPI dos corruptos, de minha iniciativa, pedindo para mostrar e provar o que já se havia apurado na CPI do impeachment e na CPI dos Anões do Orçamento. Ele mandou que retirassem as assinaturas. O ambiente também existia lá. Mas nunca o Presidente Fernando Henrique nem o Ministro da Justiça falou em clima de conspiração, porque o clima lá e aqui é de tranqüilidade. Tem mais valor aqui do que lá porque todos sabiam que o Fernando Henrique tinha substituído o Presidente Itamar, que o havia ajudado a eleger-se. E todos sabiam que o clima era de tranqüilidade.

Diferentemente, com a vitória do PT, com a interrogação do que seria, do que não seria, havia uma interrogação no ar, que desapareceu. E na minha opinião o clima é até de exagerada tranqüilidade porque o PT não fez as mudanças de estrutura que se imaginavam, mas também não fez quase nada. Creio que podia ter feito algumas. Pelo menos eu estava torcendo para que ele fizesse.

Embora tenhamos as garantias dos direitos políticos fundamentais, a nossa cidadania não está completa. Sejamos francos, nós que lutamos, durante os 21 anos da ditadura, para reimplantar uma democracia com liberdade, com justiça, não podemos estar contentes com a fome, com a miséria, com a concentração de renda, com a falta de moradia e com as mazelas que indicam o quanto estamos distantes de uma democracia real que implique direitos sociais e econômicos, alcançados já pela civilização, mas que continuam como artigos raros no Brasil.

É com isso que o meu amigo Ministro da Justiça deveria estar preocupado. Essa, sim, é uma tremenda interrogação, uma dúvida cruel, uma dificuldade imensa que temos no Brasil.

E não é o caso de se perguntar - como fez o meu amigo Heráclito e a Líder do Governo - de quem é a culpa, se do atual Governo ou do anterior. O atual Governo alega que não tem culpa, porque só tem um ano e meio. Isso não importa! A culpa é de nós todos, a responsabilidade é de nós todos.

Não vou dizer para o Presidente Lula que a culpa da fome, da miséria, da injustiça, dos erros, é dele, porque não é. O que posso dizer é que o que ele disse que ia fazer, o que ele fez até agora, é pouco para mudar a situação. Então, conclamo o Presidente da República, porque ele pode e deve fazer mais no sentido de começar as mudanças.

É impossível continuarmos a conviver com uma política econômica que privilegiou o setor financeiro nacional e internacional. Cá entre nós, nunca passou pela nossa cabeça que o PT chegaria ao Governo e continuaríamos a dizer isso que estamos dizendo. Cá entre nós, entre o último presidente do Banco Central do Governo Fernando Henrique e o atual.... O anterior, pelo menos, era um empregado. O presidente do Banco Central do Sr. Fernando Henrique era um empregado de um mega-aplicador financeiro; recebia salário para isso. O atual foi o primeiro estrangeiro presidente mundial do Banco de Boston. E é com essa mentalidade que ele está lá no Banco Central.

Trata-se de uma política liberal-conservadora, que provoca desemprego, falências de empresas e queda do número de trabalhadores na ativa. Nenhum país, meu amigo Lula, poderá se desenvolver, enquanto continuar a pagar bilhões de dólares em juros para credores internacionais.

Compareceu a esta Casa o presidente do Banco Central, assim como o Ministro da Fazenda. Aliás, uma belíssima pessoa o Ministro da Fazenda. Tenho a melhor impressão dele, como homem de bem, homem sério, homem correto. Tenho a melhor impressão dele, mas não identifiquei, na sua longa palestra - aplaudida exageradamente, na minha opinião, pelo PSDB e pelo PFL -, o que estou vendo atualmente no mundo, ou seja, um sentimento de que se deve alterar essa posição internacional em termos de sistema financeiro. O ex-presidente do Banco Mundial, assim como o nosso querido presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Enrique Iglesias, do Uruguai, e representantes de vários segmentos reconhecem que algo deve ser feito nesse sentido. O Brasil não pode pagar um mar de dinheiro na base de imposto externo à custa da fome e do suor dos nossos trabalhadores. Não pode ser considerado como fonte de pagamento de juros, impedindo-nos de aplicar esses recursos em estrada, em escola, em alimentação, no plano de combate à fome.O Fundo Monetário deveria permitir? Não. O Brasil pode. O País está pagando US$150 bilhões! Nenhum país, em toda a história, pagou tanto imposto ao Banco Mundial como o Brasil no ano passado. Que nos dêem um terço disso, US$50 bilhões! Com US$50 bilhões, equacionamos o problema da fome e o problema da infra-estrutura. Vejo o Papa falando nisso, vejo o ex-presidente do Banco Mundial falando nisso e também vejo Iglesias, Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, falando nisso. Mas não vejo Lula insistindo nisso, falando, sim, mas não dando força a esta idéia, que deveria ser a principal bandeira do Governo. E essa bandeira o Presidente teria com autoridade, assim que chegou ao Governo: “Não vou pagar. Não quero pagar. Isso é uma barbaridade. Isso é um roubo. Não vou pagar; quero moratória”. Mas ele pagou até o último tostão! Pagou mais do que o Fernando Henrique, mais do que todos, e não levantou nenhuma dúvida, nenhuma interrogação! O Presidente tem autoridade para dizer: “Não dá para ser como está. Alguma coisa tem que ser feita no sentido de permitir que o Brasil respire”. E não só o Brasil; também a Argentina, a América Latina inteira. Essa política está reduzindo a América Latina a uma situação de ficar de joelhos. Parece até que querem que fiquemos de joelhos para não termos o Mercosul e termos que ingressar na Alca, como fonte de trabalho, como fórmula dos Estados Unidos para terem o que se chamava antigamente de quintal, para usarem quando bem entenderem.

Tancredo Neves, essa grandiosa figura, quando eleito Presidente, deu uma célebre entrevista coletiva às vésperas do dia de assumir, em que dizia com todas as letras: “Não vamos pagar a dívida com a fome do nosso povo”. Tancredo, um liberal, um conservador, fez essa afirmativa como Presidente da República eleito, não como candidato. Não foi uma afirmativa de candidato. Estava eleito Presidente da República. Aliás, uma das páginas mais lindas que vi na história política foi essa entrevista de Tancredo, na Câmara dos Deputados, para a imprensa internacional. Ele fez essa afirmativa com todas as letras. Acho até que deveríamos adotar essa afirmativa de Tancredo como expressão, como lema de uma caminhada rumo ao crescimento e ao desenvolvimento social.

Apesar de seguir a cartilha do FMI, a economia brasileira está encolhendo. Caímos para o 15º lugar, depois de termos chegado ao 9º. Concordo com a minha querida Líder do PT quando diz que a culpa não é do Lula, mas que Lula está com o pé frio, está! Fomos parar em 15º lugar. E isso ocorreu no Governo dele. Fernando Henrique fez, fez, fez, mas manteve o País em 9º lugar. De repente, estamos em 15º, como fruto dessa economia toda, cumprindo as metas do Fundo Monetário, que diz que o Brasil está indo além, está fazendo mais do que está pedindo. O Fundo Monetário está nos agradecendo, dando voto de louvor pela maneira com que estamos cumprindo suas determinações. Décimo quinto lugar! O povo fica mais pobre, enquanto os ricos permanecem com seus privilégios. Votamos a reforma tributária, e qual foi a vírgula que se votou que ajudou o trabalhador? Qual foi a vírgula que se votou na reforma tributária que trouxe dificuldades para o empresário? Votamos a reforma da Previdência e, a não ser por meia dúzia de emendas à PEC paralela, o que se fez a favor do trabalhador, do aposentado, do necessitado? É importante analisar isso.

O Brasil não cresce, como não vem crescendo toda a América Latina. Fracassaram na região as políticas recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional - processo de privatização acelerado, arrocho fiscal, redução dramática dos investimentos sociais!

Onde está o dinheiro que meu amigo Fernando Henrique pegou da Vale do Rio Doce, da privatização do nosso serviço de telefonia, de energia, dinheiro das empresas que foram privatizadas, dinheiro que seria utilizado para diminuir a dívida? Nenhum centavo desse dinheiro seria aplicado em investimento novo, mas para diminuir a dívida. Onde está esse dinheiro? Onde foi aplicado? Fui radicalmente contra a privatização da Vale do Rio Doce. O Brasil é um dos maiores, é o segundo produtor de minérios do mundo, e a Vale do Rio Doce permitia que o Brasil sentasse, em nível internacional, com todas as empresas do mundo para decidir os preços de minério. Hoje, privatizamos a Vale do Rio Doce. Onde está esse dinheiro? A dívida aumentou, triplicou no Governo Fernando Henrique. Onde foi parar o dinheiro das privatizações? Esse fato vai dar uma CPI muito séria. Vai ocorrer algo de muito profundo mais dia, menos dia.

Tudo isso produziu um quadro de agravamento da crise social e de aumento da violência reconhecido pelos próprios organismos financeiros e econômicos internacionais.

Eu, porém, vejo luz no horizonte. Essas mesmas instituições já admitem alguma flexibilização nas cartilhas que impõem aos países em desenvolvimento. É a primeira vez que essas entidades, Fundo Monetário, Banco Interamericano, Banco Mundial, reconhecem que é preciso fazer alguma coisa. Por isso, o Lula deve aproveitar para apresentar a proposta de alterações nesse sentido.

Duas teses voltam a circular com insistência: primeiro, a meta inflacionária do Brasil pode ser ampliada, permitindo uma expansão mínima de consumo e de produção com geração de empregos; segundo, investimentos em infra-estrutura poderão deixar de ser considerados gastos para fixação da meta de ajuste fiscal - agricultura, transporte, saúde, educação e fome poderão ser considerados gastos fora da fixação da meta para ajuste fiscal. O BID, o Banco Mundial e o FMI já discutem essa possibilidade, conforme apoio manifestado à Carta de Lima. O documento foi divulgado após reunião anual do BID, realizada nesta semana em Lima, no Peru. Esse é um fato novo, da maior importância. Reuniram-se as instituições no Peru na semana que passou, e órgãos como o BID, Banco Mundial, FMI apoiaram a Carta de Lima.

São questões que devem ser debatidas e aprofundadas. Por esse caminho, poderemos encontrar uma saída sem rupturas ou bravatas que possam afugentar os investidores internacionais. Não estou pregando moratória, não estou pregando o rompimento com o Fundo Monetário Internacional. Não estou pregando uma mudança de rumo. Estou pregando que o Lula aproveite essa situação e, com a autoridade que tem, diga “esse ano que passou foi muito ruim. Este início de ano está muito ruim. Não terei condições de levar adiante esta política. Vou cair no desgaste e poderá haver condições imprevisíveis. Isso tem de mudar. Precisa mudar”.

O Brasil precisa de novas esperanças. Precisamos redefinir um novo rumo para a política econômica, que vem sendo aplicada com extremo rigor pelo atual Governo. Não apenas os partidos políticos, inclusive os da Oposição, mas diferentes setores da sociedade clamam pelo crescimento. O Presidente Lula pode liderar e garantir o ritmo de movimento de mudanças efetivas da política econômica.

Este é o meu apelo: Presidente Lula, reúna os partidos, reúna os governadores, reúna os setores sociais, busque o apoio da sociedade para uma mudança sem traumas que seja capaz de colocar novamente o Brasil no rumo do progresso e da justiça social. A palavra está com Vossa Excelência. Um terço do seu mandato já está cumprido. Que estes próximos dias sejam dias em que Vossa Excelência, vencendo essa crise que passa - tenho certeza de que passará sem que se fale em trauma e em dúvida com relação à estabilidade política -, possa levar adiante essas transformações no Brasil, que esperamos partam não apenas de um Líder do PT, mas do Presidente da República, com o apoio, tenho certeza, de todos os brasileiros.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2004 - Página 9238