Discurso durante a 31ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para perigo de desacreditar o Ministério Público. Considera perigosa a atitude tanto do Partido dos trabalhadores quanto do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em defesa de uma lei que restrinja a autonomia do Ministerio Público.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Alerta para perigo de desacreditar o Ministério Público. Considera perigosa a atitude tanto do Partido dos trabalhadores quanto do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em defesa de uma lei que restrinja a autonomia do Ministerio Público.
Publicação
Publicação no DSF de 06/04/2004 - Página 9403
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, MINISTERIO PUBLICO, QUESTIONAMENTO, CONDUTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DEFESA, REDUÇÃO, AUTONOMIA, PROCURADOR-GERAL.
  • IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, ESCLARECIMENTOS, OPINIÃO PUBLICA, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, DEFESA, APERFEIÇOAMENTO, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, AUTONOMIA, MINISTERIO PUBLICO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Para explicação pessoal. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho aqui por uma obrigação, para dizer que está se armando um esquema que acho muito perigoso: a tentativa de atingir a Procuradoria-Geral da República, instituição que considero da maior importância.

Já se afirmou que essa, na Assembléia Nacional Constituinte, talvez tenha sido a instituição que tenha saído com mais poderes, com mais condições de exercer a sua atividade.

Neste País, que tem tantas questões a serem equacionadas; neste País, onde se levantam tantas dúvidas com relação ao funcionamento do Congresso Nacional, do Poder Executivo, do Poder Legislativo; neste País em que se fala tanto em impunidade, a Procuradoria-Geral da República, na minha opinião, é um órgão que tem agido com o maior cuidado e que desfruta do maior respeito por parte da sociedade brasileira.

Nós, do Congresso Nacional, temos de olhar a Procuradoria com a importância que ela merece, com a possibilidade de investigar, denunciar e fazer com que as questões possam ir adiante. Projeto de nossa autoria, embora alterado, obteve no Congresso uma votação da maior importância. Antes, para que um parlamentar fosse processado era necessário obter licença do Senado, se Senador, ou da Câmara, se Deputado. Por unanimidade, o Senado e a Câmara aprovaram que isso já não é necessário. O Procurador-Geral da República pode denunciar-nos porque somos iguais a qualquer outro cidadão. Essa é uma demonstração de que a Casa não tem preocupação e está disposta a levar adiante as investigações.

Agora ocorre esse fato que envolve o cidadão que ocupa o cargo de assessor da Casa Civil. De uma hora para outra, vejo os meus irmãos do PT, que durante os oito anos do Governo Fernando Henrique - período em que estive neste parlamento - foram os maiores defensores da Procuradoria, os que estavam mais unidos a ela, os que traziam mais elementos a essa instituição, os que mais vinham a esta tribuna trazer discussões, propostas, idéias, teses da Procuradoria, de repente defenderem, como defende o Ministro da Justiça com a maior tranqüilidade e firmeza, a lei do cabresto, a lei que tira a liberdade e a autonomia do Ministério Público. Estamos vendo a determinação do PT no sentido de que como está não pode continuar e que temos de alterar as regras da Procuradoria. Creio que não há como deixar de reconhecer que equívocos podem existir.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Existem muitos, Senador.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Equívocos podem existir, e muitos.

Vejo o caso de prefeitos. Muitas vezes, o jovem procurador, recém-saído da faculdade de Direito, denuncia um prefeito, que termina sendo condenando por um absurdo. A Constituição estabelece que o prefeito é responsável pelo não cumprimento daquilo que é sua obrigação, mas, muitas vezes, ele não tem condição material para fazer isso. O prefeito é condenado por não ter condição material de garantir a limpeza, de garantir uma série de coisas. No entanto, o promotor busca sua condenação. Porém, querer impedir a ação do procurador, querer impedir a ação daquele que denuncia o que de errado acontece é diferente. Há uma diferença imensa entre essas duas situações. Não podemos aceitar isso. Penso que a Procuradoria-Geral da República é uma instituição sagrada. Os equívocos devem ser apurados. Temos um homem de primeira grandeza: o Procurador-Geral atual, que não é como o “arquivador” anterior. Trata-se de um homem que denuncia. S. Exª está tomando providências com relação ao caso para saber o que houve. Essa caminhada no sentido de barrar a Procuradoria, de calar a boca dos procuradores, de encerrar suas atividades, de determinar que Procurador não pode participar do processo, tem que ficar de braços cruzados, assistindo, como aconteceu no caso do PC Farias, em que a Polícia Estadual de Alagoas desmoralizou a prova, ridicularizou-a, reduzindo-a a zero deliberadamente, para que, quando chegasse à Justiça, sobrasse zero para apurar.

Por isso estou aqui para trazer a minha solidariedade à Procuradoria, para dizer que o Procurador-Geral do Estado é homem da maior competência e credibilidade e que também não aceito a lei de querer encerrar, calar a boca, colar esparadrapo na boca do Promotor e do Juiz para que não possam falar e o processo ande em sigilo. Se ainda agora, quando se sabe, se toma conhecimento, ninguém é condenado, imaginem quando o processo correr em sigilo, quando nenhum Procurador puder abrir a boca, quando ninguém puder saber de coisa alguma do que está acontecendo.

Venho a esta tribuna dizer que confio na Procuradoria, confio na independência dos Poderes, confio que nas Comissões Parlamentares de Inquérito, eles têm um papel a desempenhar, e nós, a nossa parte, que, se Deus quiser, haveremos de levá-la adiante.

Sr. Presidente, peço que o discurso que eu ia pronunciar seja publicado na íntegra. Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SR. SENADOR PEDRO SIMON

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O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta Tribuna para tratar de um tema da maior relevância para o futuro deste País. Está em jogo, neste momento, a permanência do Ministério Público brasileiro como instituição essencial para a Justiça. Há quem queria, agora, aproveitar os atuais problemas internos daquela instituição para denegri-la e para retirar dela alguns de seus poderes.

O Ministério Público, em especial o Ministério Público da União, saiu fortalecido na Constituinte de 1988. O MPU cresceu muito nesses 15 anos, prestou grandes serviços a Nação e acabou ganhando - em função de suas conquistas - inimigo poderosos. Há quem não goste do Ministério Público na Justiça. Há quem não goste do MP na classe política.

Agora, quando vem a público a transcrição das fitas em que os procuradores Santoro e Serra Azul interrogam o senhor Carlos Cachoeira cresce a polêmica. A linguagem usada na fita - que tinha o evidente objetivo de pressionar o bicheiro - foi criticada por todos, indistintamente. O Procurador-geral Cláudio Fonteles ordenou uma investigação. Se os procuradores erraram - e essa polêmica é muito forte dentro do Ministério Público -, acabarão sendo punidos por sua corporação. No entanto, muita gente poderosa, aproveitando esse episódio, quer enfraquecer o Ministério Público. É contra esta manobra que quero aqui erguer minha voz.

Há muita gente agora querendo agora fazer ressuscitar a chamada Lei da Mordaça, que visa justamente calar os procuradores, impedindo que divulguem para imprensa fatos que descobriram em suas investigações. Quando a Lei da Mordaça foi ensaiada, no governo FHC, houve um vibrante repúdio da sociedade a esta manobra insidiosa. Uma das vozes mais fortes era a do Partido dos Trabalhadores. No entanto, agora, parece que o PT - no poder! - refez sua posição. E quer a Mordaça para os procuradores. O PT anda incomodado com as investigações de procuradores e promotores não só no caso Waldomiro, mas também na caso Celso Daniel, o assassinado prefeito de São André.

Na minha opinião, o Ministério Público tem que ser independente para poder atuar. Sem liberdade, não atua. Vira peça de decoração.

Todos sabem que, hoje em dia, um dos maiores problemas brasileiros é justamente a falta de um sistema jurídico eficiente. O MP é um dos poucos ramos da Justiça brasileira que vem atuando. Suas ações são reconhecidas pela população. Com a Lei da Mordaça, mais do que o Ministério Público perderá o povo brasileiro. Povo que, aliás, tem pouquíssima confiança no sistema judiciário, mas que confia no Ministério Público, como mostram recentes pesquisas de opinião.

Agora, em função do Caso Waldomiro, também está sendo contestada na Justiça a capacidade de o Ministério Público levar adiante investigações criminais. O objetivo é claríssimo e semelhante ao da Lei da Mordaça: manietar o Ministério Público. A meta silenciar os procuradores e promotores.

Nenhuma instituição é perfeita. O Ministério Público não é perfeito porque é formado por homens. E os homens erram. E erram muito. No entanto, os erros de uns poucos procuradores e promotores não podem servir de justificativa a essas iniciativas de inimigos do Ministério Público, que, como já disse, são muitos e poderosos.

            Temos que aperfeiçoar o Ministério Público, isso sim. Pessoalmente, sempre lutei pelo aperfeiçoamento e ampliar a atuação do MP. E, com esse objetivo, tomei muitas iniciativas legislativas, tais como:

A PEC Nº 21, DE 1999, que acrescenta ao art. 98, um parágrafo único, com a seguinte redação:

Parágrafo único. Nas infrações penais de relevância social, definidas em lei, a instrução será feita diretamente perante o Poder Judiciário, sendo precedida de investigações preliminares, sob direcionamento do Ministério Público, auxiliado pelos órgãos da polícia judiciária.

            As investigações criminais feitas pelas delegacias policiais, muitas vezes, esbarram na lentidão e na burocracia do sistema legal brasileiro. Quando se trata de delitos que envolvem crime organizado e outros de relevância social, como as fraudes ao INSS, ao seguro obrigatório de veículos, à manipulação de medicamentos e tantos outros, as investigações mostram-se mais lentas e ineficientes, criando uma sensação de impunidade, como se o país não fosse capaz de deter as quadrilhas que lesam a nossa sociedade.

A criação de um procedimento específico para estes delitos busca acelerar o processo investigatório realizado pela polícia judiciária e dotá-lo de um maior número de armas para o combate ao crime organizado. O inquérito policial, que é mera peça informativa, com a participação do representante da sociedade no sistema judiciário, o promotor ou o procurador de justiça ganha mais força e agiliza a instrução criminal, culminando com o julgamento mais rápido do processo.

Ademais, a participação do Ministério Público (promotoria e procuradoria) assegurará uma fiscalização mais rigorosa de todos os procedimentos realizados na fase do inquérito, evitando possíveis erros que possam comprometer o bom andamento do processo penal. O propósito deste projeto, que já foi objeto da PEC nº 15/95 - também de minha iniciativa - é de evitar que esses bandidos poderosos se beneficiem da morosidade do nosso sistema penal, quando em verdade cometem delitos de extensão assustadora ao atingirem todo o corpo social.

Os princípios a serem fixados na Constituição Federal devem estabelecer regras que racionalizem a investigação criminal e o julgamento dos delitos, principalmente no tocante ao crime organizado e às demais infrações penais de relevância social, buscando maior celeridade e eficiência, tão reclamadas pela nossa sociedade. Para tanto, solicito a meus ilustres pares o apoio a esta proposição.

            A PEC Nº 74, DE 1999, que altera o § 1º do art. 128 da Constituição Federal ( do Ministério Público), que passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 128.

§ 1º. O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, indicado em lista tríplice pelos seus pares, e nomeado pelo Presidente da República após aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, para mandato de dois anos, permitida uma recondução. (NR)

O Ministério Público é, nos termos da Constituição Federal, instituição permanente, incumbindo-lhe, com autonomia funcional e administrativa plenas, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Até 1988, ano em que foi promulgada a Constituição Federal, a Procuradoria-Geral da República, não raro, fez as vezes da Advocacia-Geral da União. A instituição desse último órgão pela nova Carta, estruturado pela Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, decorreu do forte argumento de que os assuntos judiciais e extrajudiciais da União não deveriam comprometer a independência funcional erga omnes da Procuradoria-Geral no zelo da coisa pública, contra quaisquer entes ou pessoas.

O Ministério Público não é integrante do Poder Judiciário, como alguns equivocadamente supõem. Tampouco é parte dos Poderes Executivo ou Legislativo. Esse organismo interpoderes, verdadeiramente suscitado pela Constituição Federal de 1988, vem, desde então, assumindo, para a Nação brasileira, a função de zelar pelos interesses públicos, entre esses, os dos próprios Poderes constituídos. Para desempenhar suas funções constitucionais, o Ministério Público jamais poderia integrar o complexo de órgãos dos três Poderes da União, sob pena de negar a sua independência e autonomia assentadas na Constituição Federal.

Dessa forma, não há porque o Procurador-Geral, que desempenha o cargo de Chefe do Ministério Público da União, ser, além de nomeado, também indicado pelo Presidente da República, eis que essa indicação compromete a autonomia da qual haure as forças que explicam sua existência. Sem independência e autonomia, não há Ministério Público.

Essa é a razão para não se atrelar aquele cargo aos interesses de gestão do Chefe de Governo. Assuntos presidenciais, razões de Estado e políticas partidárias devem ter tratamento tão isento que não dependam da personalidade do ocupante do cargo de Procurador-Geral. A ausência de interseção entre os três Poderes e o Ministério Público, preconizada nesta Emenda, garantirá nova sistemática, em que a indicação se dará por lista tríplice, originária do próprio corpo de procuradores. 

Por fim, a proposta de Emenda prescreve uma única recondução ao cargo de Procurador-Geral. São escopos da medida operar a renovação e afastar o personalismo que naturalmente se desenvolve com a continuada aproximação entre os ocupantes de postos de comando e o Chefe da Procuradoria. Essa proximidade agrega prejuízo a matérias de interesse público, entre as quais a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis que, por sua natureza, devem receber tratamento exclusivamente técnico.

As duas PECs ainda não tiveram acolhimento na Reforma do Judiciário, ao passo que a tese da Mordaça vem, infelizmente, ganhando corpo.

Outra tese em curso é a criação de um órgão de controle externo para o Ministério Público, a exemplo do que está sendo proposto para a magistratura.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer um alerta aos cidadãos brasileiros. É preciso que todos estejam atentos a essas insidiosas iniciativas contra o Ministério Público. É preciso preservar - com todos os seus poderes atuais! - essa instituição que grandes serviços vem prestando ao país, especialmente nos últimos quinze anos. Temos que prestigiar o Ministério Público. Temos que dar ao Ministério Público os meios necessários para que desempenhe cada vez melhor o seu trabalho. Temos que votar leis para aperfeiçoar essa instituição. O que não se pode permitir é que certas pessoas aproveitem episódios isolados para tentar enfraquecer o Ministério Público.

Na minha opinião, os ataques ao MP só beneficiam maus cidadãos, os que descumprem as leis, os que corrompem e os que são corrompidos e os que assaltam os cofres públicos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/04/2004 - Página 9403