Discurso durante a 33ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Necessidade de aprovação da "PEC paralela" na Câmara dos Deputados. Defesa da utilização dos recursos da CIDE para a recuperação das estradas de rodagem. Considerações sobre a Reforma do Judiciário. Necessidade de avanço na reforma agrária.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA DE TRANSPORTES. REFORMA JUDICIARIA. REFORMA AGRARIA.:
  • Necessidade de aprovação da "PEC paralela" na Câmara dos Deputados. Defesa da utilização dos recursos da CIDE para a recuperação das estradas de rodagem. Considerações sobre a Reforma do Judiciário. Necessidade de avanço na reforma agrária.
Aparteantes
Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2004 - Página 9747
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA DE TRANSPORTES. REFORMA JUDICIARIA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, URGENCIA, APROVAÇÃO, ALTERNATIVA, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEFINIÇÃO, AGILIZAÇÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, CONTRIBUIÇÃO, INTERVENÇÃO, DOMINIO ECONOMICO, DESTINAÇÃO, CONSERVAÇÃO, RESTAURAÇÃO, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, PAIS.
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, FALENCIA.
  • COMENTARIO, DISCUSSÃO, ENFASE, REFORMA JUDICIARIA, ESPECIFICAÇÃO, SUMULA, EFEITO VINCULANTE, CONTROLE EXTERNO, NEPOTISMO, JUDICIARIO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, saúdo os trabalhadores da educação e as crianças, assim como o Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, acaba de fazer. Realmente isso é muito importante. Fui professora 26 anos e atribuo um valor imenso ao trabalho na educação, que é o fundamento da nossa sociedade. Não tenho dúvida disso. Só a educação não resolve todos os problemas, mas uma educação para transformação faz com que nos conscientizemos e vejamos a possibilidade de mudança da sociedade.

Venho falando nos últimos dias, sempre que consigo assomar à tribuna, de dois assuntos sobre os quais não vou tratar hoje, mas vou citá-los por uma questão até de compromisso. Um deles é a PEC paralela, que precisa ser aprovada urgentemente. Aguardamos e esperamos isso.

Outro ponto é a liberação dos recursos da Cide, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a comercialização de combustíveis para conservação, restauração e construção de estradas federais. A medida provisória foi aprovada, repassando 25% para os governos estaduais, mas queremos um percentual definido e determinado para o órgão competente, em nível federal, visando à conservação, restauração e construção das estradas federais. O percentual tem de ser definido, e esses recursos têm de ser destinados urgentemente. Existem em caixa, arrecadados pela Cide, hoje, R$10 bilhões. Já foram arrecadados R$18 bilhões; desses, pouco mais de R$7 bilhões já foram liberados, e o valor que está em caixa deve ser liberado o mais urgente possível.

O Senador Ramez Tebet falou aqui de muitos assuntos hoje. Gosto muito desse tipo de fala, em que o orador não se atém a um só assunto. Senador, é indiscutível o quanto é importante a aprovação da Lei de Falências. O assunto vem sendo tratado e amplamente discutido, sob a coordenação de V. Exª como Relator.

A reforma do Judiciário. Sou membro titular da CCJ, e ontem acabamos a discussão dos destaques da reforma do Judiciário. Há pontos extremamente relevantes, como a súmula vinculante, que estava amarrada a vários patamares da Justiça. Caiu a súmula vinculante do Superior Tribunal de Justiça, permanecendo a do Supremo Tribunal Federal.

Outra questão foi o controle externo. Atribuo a maior relevância ao controle externo do Judiciário. Faz-se necessário controle, sim, do meu ponto de vista, porque nós, Srªs e Srs. Senadores, somos controlados. Não existe essa história de o Congresso Nacional estar determinando o controle externo do Judiciário. E quem controla o Congresso? Nós somos controlados. Quer maior controle do Congresso Nacional, dos Senadores e Deputados Federais, do que o voto nas urnas, o voto popular? Estamos sob controle, sim. O maior controle que existe é este, o do povo, que nós traz para cá ou nos deixa fora daqui por ocasião das eleições.

Não tenho dúvida alguma de que esse é o maior controle que existe. Tem que acabar essa história de que estamos querendo impor o controle sobre o Judiciário esquecendo de indicar quem nos controlará. O nosso controle já existe, é maior, é o principal: é o controle popular.

Não poderíamos continuar com o Judiciário sem nenhum controle, como se seus membros fossem semideuses. Depois que passam a ser ministros ou desembargadores, ninguém toma conhecimento, não existe mais o problema.

Contra-argumentam dizendo que existem as corregedorias. Mas, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, no Superior Tribunal de Justiça de nosso País há a questão de Vicente Leal - que de leal não tem muita coisa, aliás, não tem nada -, que foi afastado e, agora, foi aposentado. Qual é a punição? A sua aposentadoria é de quantos mil reais? Aí cessa tudo o que a antiga musa canta.

Pergunto: qual o Senador ou Presidente da República - já tivemos um caso - que, após receber uma punição, perder o mandato, continua sendo processado? Chega no Judiciário... Pergunto: Vicente Leal continua sendo processado depois de aposentado? Foi afastado? Com certeza, não é por que não existiam irregularidades, porque certamente existiam muitas. Agora foi aposentado e cessa tudo. Acabou tudo, ninguém mais tasca, ninguém mais mexe. Não tem mais justiça para ele.

Srªs e Srs. Senadores, o controle externo do Judiciário é necessário sim - eu nem falaria sobre isso, mas o Senador Ramez Tebet estimulou-me ao provocar essa discussão extremamente importante.

Uma outra discussão que também permeia a questão da reforma do Judiciário - são muitas - é a que diz respeito ao nepotismo. O fim do nepotismo foi aprovado. Chega de alguém virar autoridade para empregar seus achegados e familiares neste País. Passou o fim do nepotismo no Judiciário, e algo semelhante tem que passar no Legislativo e no Executivo também. Foi fechado o compromisso ontem na CCJ de que não inseriríamos o fim do nepotismo no Legislativo e no Executivo na reforma do Judiciário, mas ele acontecerá. Foi assumido um compromisso pelo Líder do nosso Governo, Senador Aloizio Mercadante, nesse sentido, uma PEC será feita para abordar o tema. Já há, a propósito, uma PEC de autoria do Senador Demóstenes Torres - há muitas propostas que tratam do fim do nepotismo no Legislativo e no Executivo. Esperamos que seja aprovado também nos outros poderes. Não pensem os membros do Judiciário que estamos aqui querendo o controle do Judiciário, o fim do nepotismo apenas naquele Poder. Queremos sim, mas queremos também no Legislativo e no Executivo.

Essas esferas do poder não podem servir de cabide de emprego para parentes. Devemos cercar por todos os lados: nada daquela história de que eu não emprego o meu parente, mas o gabinete do lado o emprega, ficando tudo do mesmo jeito e do mesmo tamanho. Cercamos para que isso realmente não possa acontecer. Parente tem direito de trabalhar nas instâncias a que chegamos, em qualquer um dos poderes, mas deve fazê-lo por meio de concurso público, como outra pessoa qualquer.

Como disse, não iria falar sobre esses assuntos, mas já gastei praticamente a metade do meu tempo falando sobre eles.

Hoje gostaria de falar um pouco - e é o tema que havia pensado e escolhido - sobre a reforma agrária em nosso País. Nos últimos dias, ouvimos falar das ocupações de terra neste País. Nos meios de comunicação foi um alarde danado, foram muitos discursos desta tribuna e de tribunas pelo País afora por conta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, das declarações feitas pelo companheiro, líder do MST, João Pedro Stédile, que, aliás, esteve aqui, dando o seu depoimento na CPMI da Terra.

Essa questão é muito mais profunda, muito maior. É uma questão que começa com o descobrimento do Brasil - e não vou fazer aqui relato histórico, até porque não cabe isso neste momento. Devemos enfrentar a realidade mais rapidamente, mas, se pegarmos um livro de história e dermos uma estudada, uma lida, veremos qual foi o procedimento, como as coisas aconteceram neste País com relação à terra: a superconcentração nas mãos daqueles que aqui chegaram, que aqui aportaram e começaram a se apropriar de forma indevida de grandes extensões de terra. O processo se perpetua com as capitânias hereditárias e os senhores de engenho e agora temos o que todos conhecem: poucos com quase todas as terras e muitos com pouquíssima terra ou sem terra alguma - gente com vocação para trabalhar a terra sim. Faço a ressalva porque se ouve muito o seguinte discurso: não tem vocação, faz a reforma agrária, não tem vocação, vai para lá, vende a terra etc. Não, não é assim a história.

Em primeiro lugar, quero dizer que há muita gente com vocação sim, gente que trabalhou a terra a vida inteira - aliás, isso vem ocorrendo há centenas de anos, já se vão mais de 500 anos que este País deixou de ser apenas dos indígenas e a história com relação à terra vem se repetindo. As pessoas têm vocação, sim, para a terra, mas lá trabalhavam e trabalham ainda hoje, muitas vezes, sob regime semi-escravo e até escravo mesmo. Não têm vocação? Têm sim. O que não há é terra para que eles possam trabalhar, produzir, sustentar suas famílias com dignidade, é isso que eles não têm. Vocação para trabalhar a terra eles têm sim; eles não têm é a terra, e aí eles ficam trabalhando como meeiros, como parceleiros e de uma série de formas. Dão o sangue e o suor no dia-a-dia, mas sem conquistar os lucros que deveriam ser fruto do seu trabalho e do seu suor - esses lucros ficam, na maioria das vezes, quase sempre, com o dono da terra.

Concedo a palavra ao Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Senadora Serys Slhessarenko, cheguei um pouco atrasado para o seu discurso, ouvi parte dele: seu comentário sobre a reforma do Judiciário, outro sobre o problema das estradas e do financiamento do sistema rodoviário federal brasileiro e ouço agora suas ponderações sobre o MST, a reforma agrária e sobre pronunciamentos que têm conferido intensidade a essa questão recente. V. Exª afirma, com toda razão, que essa questão tem origem e fundamento histórico e esclarece com precisão algo com que todos concordamos: que há um problema de divisão da terra no Brasil. Mais que isso: há um problema de má distribuição da terra no Brasil. Aliás, a má distribuição é a marca do processo patrimonial e econômico brasileiro, não se dá apenas na questão da terra, mas se dá também na questão da renda e na questão da distribuição regional e inter-regional. Nunca tratamos da questão da distribuição do patrimônio nacional de forma correta. Porém, há um relativo consenso das pessoas que trabalham com espírito público de que uma grande parcela dos brasileiros precisa da terra para trabalhar. Mas também há um grande e crescente consenso de que o uso da terra implica uma logística, um processo para que a reforma agrária produza resultados socialmente defensáveis e auto-sustentados. Para 80% da minha região, o Nordeste, a terra vale muito pouco. Na região do semi-árido, a terra não chega a ser disputada porque é incapaz de sustentar economicamente famílias ou empreendimentos mais amplos. Oitenta por cento do meu Estado, por exemplo, é semi-árido, dos quais 50% não são passíveis de pressão social para terra porque, simplesmente, não têm sustentação social e econômica para ninguém. Outra área de transição, chamada agreste, tem uma estrutura fundiária extremamente dividida. O problema lá passa a ser não a posse ou a propriedade da terra, mas uma organização que sustente a agricultura familiar e que dê fundamento e economicidade à agricultura de subsistência. V. Exª falou dos senhores de engenho. Na antiga Zona da Mata, produtora de cana-de-açúcar, na prática, os senhores de engenho empobreceram. Sou de uma família de senhores de engenho. Tenho primos, que hoje moram em Recife, capital de Pernambuco, que procuram pequenos empregos para sobreviver. A propriedade produtora da cana-de-açúcar, para a grande maioria de seus antigos produtores, senhores de engenho, é uma garantia de pobreza e não de sobrevivência. Nesse contexto - que não é fácil de ser resolvido e cujas implicações macroeconômicas e históricas são complexas -, há uma ebulição social, em grande parte, estimulada. Essa estimulação produziu, nesses dias, 40 invasões. Impossível a uma autoridade, seja ela qual for, estadual ou federal, estruturar um programa de reforma agrária capaz de governar 40 a 50 invasões no prazo de 30 dias e de dar solução a tantas invasões acumuladas em um prazo tão curto. No meu Estado, Pernambuco, há recursos naturais de menos para população de mais, o que não se dá em outras áreas do Brasil. No Nordeste, esta é a marca: recursos naturais de menos para populações excessivamente densas e insustentáveis por aqueles recursos naturais. Esse é o exame tranqüilo do problema, eu diria emocional e ponderável. Primeiro, a pressão dos trabalhadores estimulada pelas instituições que os dirigem para invasão de propriedade. Segundo, o uso extremamente mal feito das propriedades já distribuídas. Terceiro, o empobrecimento dos agricultores no plural, pequenos, médios e grandes. Quarto, a incapacidade prática de um governo estadual enfrentar o problema. E quinto, absoluta, total, geral e irrestrita - como a anistia - ausência do Governo Federal no assunto. Esse é o cenário para o qual temos de examinar soluções práticas e compatíveis. Quem tem responsabilidade pública, neste momento, tem que levantar a questão e exigir das autoridades, no plural, uma ação responsável, ativa e produtiva, o que não se dá há muito tempo e não está se dando, de maneira especial, agora.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Senador Sérgio Guerra, quando iniciamos nosso discurso sobre a terra, dissemos que não íamos fazer um histórico do descobrimento do Brasil para cá, mas começamos a citar a concentração da terra por poucos em detrimento da falta de terra para muitos. Com certeza, desejamos falar sobre os pontos abordados por V. Exa e discorrer também sobre a necessidade e a importância da reforma agrária. O problema é que nunca houve reforma agrária no Brasil, e hoje ela está sendo feita de forma extremamente lenta. Há muitos anos se discute a reforma agrária, muitos governos falaram sobre a questão, mas não conseguiram - muitos por falta de vontade política, outros por falta de condições - fazer com que ela ocorresse.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, precisamos avançar nesse processo. Não podemos continuar apenas dizendo que estão ocupando terra. Os sem-terra, generalizando, são as pessoas que têm vocação para trabalhar a terra, para produzir, para, com dignidade, tirar da terra sustento para si e para suas famílias. Confio nos sem-terra de modo geral e em especial no MST. Eles precisam da terra para trabalhar.

Chega de pensar em fazer reforma agrária, de fazer discurso sobre esse assunto, de propor uma série de medidas e projetos e anunciá-los. Precisamos ver a reforma agrária ser realizada concretamente. Precisamos de terra para quem quer nela trabalhar e produzir e de política agrícola. Como V. Exa disse, é óbvio que precisamos de política agrícola, de condições de financiamento ao alcance daqueles que têm uma pequena extensão de terra, de política de preços, de política de escoamento para o produto, organização dos pequenos produtores rurais. Da mesma forma que os trabalhadores se organizam para a conquista da terra, também têm que se organizar para obter crédito e produzir. Daí a importância do cooperativismo, principalmente para o pequeno produtor rural e para a agricultura familiar. Essa é uma questão que precisamos discutir.

Infelizmente, o meu tempo acabou e não falei sobre os dados que tenho aqui sobre o histórico da reforma agrária no nosso País e sobre as propostas de nosso Governo, inclusive de liberação de recursos. Há poucos instantes, recebi um comunicado do Ministério do Desenvolvimento Agrário sobre a liberação de recursos para o meu Estado.

São muitos os problemas que envolvem a reforma agrária: distribuição da terra, habitação, financiamento, crédito agrícola, política de preços, política de escoamento. Enfim, são muitas questões, cuja discussão continuaremos na próxima oportunidade em que ocuparmos a tribuna.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2004 - Página 9747