Discurso durante a 33ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Cobranças do acordo feito entre o Governo e o Congresso Nacional para aprovação da "PEC Paralela". Comentários sobre a audiência de S.Exa. com o Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Implementação efetiva do Estatuto do Idoso. Importância do combate ao trabalho escravo no Brasil. Defesa da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e Social.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Cobranças do acordo feito entre o Governo e o Congresso Nacional para aprovação da "PEC Paralela". Comentários sobre a audiência de S.Exa. com o Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Implementação efetiva do Estatuto do Idoso. Importância do combate ao trabalho escravo no Brasil. Defesa da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e Social.
Aparteantes
Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/2004 - Página 9773
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COBRANÇA, CUMPRIMENTO, ACORDO, GOVERNO, CONGRESSO NACIONAL, APROVAÇÃO, ALTERNATIVA, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • COMENTARIO, AUDIENCIA, ORADOR, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, SOLICITAÇÃO, CUMPRIMENTO, ACORDO, MES, DATA BASE, AMPLIAÇÃO, VALOR, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, MELHORIA, FORMA, COMBATE, MISERIA, FOME, EXCLUSÃO, NATUREZA SOCIAL.
  • EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IDOSO, IGUALDADE, RAÇA.
  • DEFESA, COMBATE, TRABALHO ESCRAVO, PAIS, COMENTARIO, DADOS, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, PUNIÇÃO, HIPOTESE, COMPROVAÇÃO, FATO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, que preside a sessão, V. Exª faz uma introdução que facilita o meu pronunciamento. É justamente sobre esses temas que me vou debruçar outra vez da tribuna do Senado da República brasileira.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao Senador Saturnino, que me cedeu este espaço para que eu pudesse falar sobre esses temas.

Sr. Presidente, tenho vindo à tribuna todos os dias para falar da PEC paralela, venho cobrando o acordo firmado entre o governo e esta Casa. No dia de hoje, Senador Saturnino, posso dizer que estou mais animado.

Ontem tive uma conversa com o Ministro José Dirceu. Tratamos de três assuntos. O primeiro deles, por iniciativa do ministro, foi a PEC paralela. O ministro me disse exatamente o que V. Exª falou da tribuna minutos atrás: que o Governo entende que o acordo tem que ser cumprido. Tanto é assim, que ele falou com o atual Líder do Governo na Câmara, Professor Luizinho, para que estabeleça, junto com o Relator Pimentel, uma série de conversas para que a PEC paralela seja aprovada rapidamente. Ele tem o mesmo entendimento que temos: se até junho ela não for aprovada definitivamente, ela não será aprovada este ano.

Eu me comprometi a falar todos os dias sobre a PEC paralela. Hoje venho numa linha afirmativa. A aprovação dessa matéria é a vontade de todos os Senadores que encaminharam naquele dia o voto a favor da PEC paralela, a famosa PEC fruto de um amplo acordo nesta Casa.

A segunda questão é a questão do salário-mínimo, sobre a qual também tenho me debruçado diariamente da tribuna. O Ministro José Dirceu disse-me que essa é uma decisão do Presidente Lula, mas que faria de tudo para que o Presidente aceitasse conceder uma audiência para conversar com os Senadores e Deputados que estão a debater essa matéria tão importante para cem milhões de brasileiros.

A questão do salário-mínimo. Para mim, o Governo Lula faria um gol de placa se, no próximo dia 1º de Maio, cumprindo acordo firmado no ano passado, fizesse com que o salário-mínimo alcançasse os cem dólares. Posso fazer considerações firmes em relação ao Governo, mas acordo é acordo, e foi acordado conosco que a data-base este ano seria 1º de Maio. Não procede a crítica - crítica que respeito, a posição é legítima - relativamente à mudança da data-base de abril para maio. Não mudou. Foi acordado, inclusive está no Estatuto do Idoso, que a data-base passa a ser unificada no dia 1º de Maio. Qual é a vantagem para aqueles que recebem o salário-mínimo e pagam os idosos? Vamos computar a inflação de 13 meses e não de 12 meses, inflação de 1º de abril a 1º de maio. Claro que todos nós trabalhamos com aumento real, estendendo o mesmo percentual para os aposentados e pensionistas, o que é um ganho do Estatuto do Idoso. Além disso, foi também acordado o pagamento até o 5º dia útil, que está também sendo cumprido.

A terceira questão que considero importante e que chamo de gol de placa é o Governo Lula chegar pelo menos à faixa dos 100 dólares no segundo ano do seu governo - o que é possível. Se eu pudesse dar um conselho ao nosso Governo - vou insistir na tese -, sugeriria que o salário-mínimo ultrapasse a faixa dos cem dólares. Isso é possível. No segundo ano do Governo Lula, o salário-mínimo estaria, então, ultrapassando essa faixa, o que daria em torno de R$300,00.

O projeto que aqui apresentei também é nessa linha - ele tem como relator o Senador Geraldo Mesquita, que entregará parecer final já na semana que vem na Comissão respectiva.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, gostaria de sugerir, para o bom debate na Casa que, quando for encaminhada ao Congresso uma medida provisória que trate de assuntos que já são objeto de projeto de lei, que a medida provisória seja incorporada, apensada ao projeto mais antigo que trata da mesma matéria, sem prejuízo da vigência dela, já que ela tem força de lei. Na hora da apreciação e da votação final, na forma do substitutivo, seria contemplada a iniciativa do Senador ou do Deputado, sem nenhum prejuízo ao que foi colocado na medida provisória por parte do Governo. Acho que seria uma saída para resolvermos o impasse do vício de iniciativa, num grande entendimento entre o Legislativo e o Executivo.

Também gostaria de falar, de forma afirmativa, que, ao longo dos últimos dez anos, acostumamo-nos a ouvir, no Congresso Nacional, que servidor público teria um reajuste de 1%, de 0% - no ano passado, inclusive, foi de 1%. Vim a esta tribuna e fiz críticas contundentes. Eu dizia: se é para dar 1% é melhor dar zero, não dêem nada, fica muito melhor.

Eu vim aqui e fiz diversos discursos sobre as greves das mais variadas categorias, promotores, procuradores, advogados da União, fiscais, auditores, policiais. É claro que, neste momento, vejo como positiva a iniciativa do Ministro Mantega de chamar os servidores para buscar uma saída negociada. Passou-se a falar num reajuste equivalente, no mínimo, à inflação do período. Nenhum servidor receberia, neste ano, pelas informações que recebi, um reajuste menor do que 12,7%, chegando a até 32%. Claro que isso é positivo, não dá para negar que é positivo, porque até o ano passado estávamos a criticar a falta de diálogo e o fato de que os reajustes ficariam na faixa de 1% a 2%. Agora estamos a discutir reajustes que variam de 12,7% a 32,8%. Claro que isso é positivo. Pode não atender aos interesses da categoria, mas estamos avançando com essa sinalização.

E aí entro de novo na questão do salário-mínimo: se os menores salários receberão o correspondente a, no mínimo, 32,8%, se o salário-mínimo receber 30%, ele já ultrapassa a faixa dos R$300,00, como estão pedindo inúmeros setores do movimento sindical. Lembro aqui, a propósito, o discurso feito recentemente desta tribuna pelo Senador Ney Suassuna, no qual disse ser preciso que lembremos o preço do botijão de gás. Em algumas capitais, o salário mínimo tem o valor de seis botijões de gás.

Então, é inaceitável o valor do salário mínimo! A melhor forma de combater a fome, a miséria e a exclusão social é valorizando o salário mínimo. Por isso, mais uma vez, apelo ao Presidente Lula, que, dessa forma, estaria mostrando à sociedade brasileira e ao mundo que estamos investindo no social.

O salário mínimo tem uma simbologia muito grande e, queiram ou não alguns, está na ordem do dia, está em debate na Câmara e no Senado. Por que não fazemos o que foi feito em passado recente do qual participei? Por que não montamos uma comissão especial de Deputados e de Senadores, para entabular uma discussão com o Executivo, construir uma proposta alternativa ao salário mínimo, apontando, inclusive, fontes de recurso? Já fizemos isso em outras oportunidades.

Portanto, venho à tribuna para mostrar que é possível avançarmos nesse debate com a maior tranqüilidade, sem preocupação de oposição ou situação, mas pensando naqueles que estão em estado de miséria absoluta há algumas décadas neste País.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Senador Paulo Paim, permite-me V. Exª um breve aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Roberto Saturnino, com muita alegria, ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Coloco-me ao lado de V. Exª, em primeiro lugar, quando aponta o salário mínimo como uma remuneração que tem um caráter simbólico extremamente importante, mas também um caráter efetivo de promotor da demanda de bens de consumo de massa. Enfim, constitui um vetor fundamental na construção de uma economia de consumo de massas, de que o Brasil tanto precisa. Em segundo lugar, apoio a proposta de V. Exª de se constituir um grupo de trabalho com a participação do Congresso Nacional, para que seja dada à sociedade brasileira uma demonstração de efetiva preocupação, de consideração, de prioridade em relação ao assunto salário mínimo, para que se encontre um limite, um patamar que reflita, de um lado, o espírito de justiça, que deve prevalecer, e, de outro lado, a consideração das limitações reais que ainda existem na nossa economia. Cumprimento V. Exª pelo seu pronunciamento que dá esse caráter especial ao salário mínimo.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço ao Senador Roberto Saturnino pelo seu aparte, reforçando a importância de fazermos o que chamamos do bom debate sobre matéria que interessa a cem milhões de brasileiros.

Sr. Presidente, aproveitando ainda o meu tempo, gostaria de me reportar ao Estatuto do Idoso - assunto a que V. Exª se referiu quando me deu a palavra. Estou vislumbrando a possibilidade real, e aproveito a presença do Senador César Borges, Relator da matéria, de conseguirmos aprovar, antes de junho, o Estatuto da Igualdade Racial, um instrumento de combate a qualquer tipo de preconceito.

Sr. Presidente, triste do homem que não tem sonhos. Devemos, pois, sonhar, sonhar com o dia em que todos seremos respeitados e vistos como iguais. Sonhar com um mundo melhor para todos é um direito, mas lutar por esse mundo melhor é um dever daqueles que amam a liberdade e buscam a justiça.

Sr. Presidente, pronunciei essas palavras em meu primeiro discurso nesta Casa. Declarei-me, naquele dia, quando aqui chegava, um sonhador, mas me declarei também um lutador do tipo que luta para dar vida a meus sonhos que procuram refletir as esperanças de um povo, de uma nação, porque acredito ser essa a atividade fim e a nossa missão como Parlamentar.

Faço essa introdução para retomar um assunto que, inúmeras vezes, me trouxe a esta tribuna. Falo do Estatuto do Idoso, instrumento normativo que reflete os sonhos de milhões de brasileiros, que, após 7 anos de tramitação, enfim foi aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado.

Ao defender o Estatuto, Sr. Presidente, lembro algumas frases que ouvi durante o período em que o debatemos, no dia em que foi aprovado. Foi dito que o Estatuto era um marco jurídico importantíssimo que entrava para a história do País, que era um instrumento vigoroso que permitiria a inserção social do idoso, que, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, era um conjunto de normas de vanguarda, que permitiria a plena aplicabilidade do previsto no art. 230 da nossa Carta Magna.

Não obstante esse reconhecimento unânime, estamos a debater a implementação efetiva do Estatuto do Idoso. Sabemos que, quando atuamos no campo do direito humano, sua eficácia somente ocorrerá quando for promovida uma mudança cultural no meio social. Acredito ser essa nossa grande empreitada na questões pertinentes ao Estatuto do Idoso.

Sr. Presidente, não me vejo só nessa empreitada, ao tempo em que sei contar com o apoio do Congresso Nacional e da sociedade brasileira, tomei conhecimento de uma ação efetiva e exemplar do Estado do Paraná, propriamente da Coordenação Estadual do Procon daquele Estado, por intermédio do Sr. Algaci Túlio, Coordenador Estadual do órgão. Por determinação desse ilustre e sensível cidadão, foi proposta uma Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer, sob o número 98/2004, que tramita na 20ª Vara Cívil da comarca de Curitiba, contra 23 empresas concessionárias de transporte rodoviário interestadual, por não estarem cumprindo o Estatuto do Idoso. Essa atitude foi inovadora, já que fundamentou-se na Constituição Federal, no Estatuto do Idoso e no Código de Defesa do Consumidor.

Essa medida merece meus aplausos não somente pela ação isolada, mas também pela perspicácia e inteligência da fundamentação que entendeu ser um lucro abusivo do empresário que, tendo obrigação de disponibilizar duas vagas aos idosos ou conceder descontos de, no mínimo, 50% nas demais vagas quando elas estiverem ocupadas, não tem cumprido o artigo do Estatuto do Idoso.

Sr. Presidente, repito que a iniciativa do Procon do Paraná poderá ser exemplo para outros Estados, de forma que aquele que não cumprir o Estatuto do Idoso poderá ser punido, conforme o disposto, de seis meses a doze anos de prisão, porque é crime inafiançável, e ainda pagar multa a ser decidida pelo juiz.

Sr. Presidente, concluo ressaltando a importância do combate ao trabalho escravo em nosso País. Peço que esse pronunciamento seja publicado na íntegra. Trago alguns dados que nos preocupam. Para dar uma melhor idéia do que é a escravidão neste Brasil afora, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho, levantou que, entre 1995 e 2000, 1999 trabalhadores foram libertados do regime escravo e apenas quinze pessoas responsáveis pelo delito foram presas. Ou seja, cerca de dois mil trabalhadores sob o regime de escravidão foram libertos.

A Comissão Pastoral da Terra do Pará relata - e o próprio Ministério do Trabalho avalia - que o número total de trabalhadores escravizados era quatro vezes maior do que o número de libertados. Ou seja, na verdade, no mínimo 8.000 trabalhadores estavam sob o regime de escravidão, de acordo com os dados oficiais obtidos até o momento.

Sr. Presidente, quero lembrar aqui a figura do ex-Senador Ademir Andrade, que foi quem apresentou pela primeira vez uma emenda constitucional estabelecendo que a terra onde fosse verificado trabalho escravo seria passível de desapropriação para reforma agrária. Considero esse instrumento muito importante.

É preciso que, de uma vez por todas, estabeleçamos como punição, quando comprovado o regime de escravidão, a perda de todos os bens, não apenas da terra. E naturalmente esse cidadão passará a não ter mais crédito no País.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, espero que as medidas propostas contra o trabalho escravo sejam rapidamente aprovadas e que, até lá, o Governo faça cumprir a lei de forma rigorosa, a fim de atender aos reclamos de nossos irmãos brasileiros ainda escravizados.

Em memória dos três auditores fiscais e do motorista, que também cumpria o trabalho de fiscalização ao conduzir os auditores que foram assassinados no exercício da profissão, que tenhamos uma posição cada vez mais rigorosa contra o trabalho escravo no nosso País.

Sr. Presidente, concluo dizendo que tenho muita esperança de que o Estatuto da Igualdade Racial e Social, que trata também dessas questões, seja aprovado rapidamente. Percebo que virá do Executivo um projeto, ao qual também rendo meus aplausos e minha homenagem, e espero que, quando encaminhado a esta Casa, seja debatido e talvez incorporado ao Estatuto da Igualdade Racial e Social, na questão das cotas, no sentido de que vejamos essa matéria, de uma vez por todas, aprovada.

Quem ganhará com isso, eu sempre digo, serão negros e brancos que lutam pela liberdade, pela igualdade e pela justiça.

Obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das mais difíceis tarefas que uma sociedade tem é a de distribuir entre seus membros, com um mínimo de justiça, os benefícios que, de direito, todos têm, em igualdade de condições. E a dificuldade começa pela ganância humana. Aquela que faz com que uns tantos queiram juntar ao que lhes cabe o que é devido aos outros.

Dessa verdadeira chaga da humanidade, que, creio eu, acompanha-nos desde que Adão e Eva foram expulsos do Paraíso, para usar a linguagem bíblica, deriva a histórica exploração do homem pelo homem.

E dessa exploração, muitas vezes convalidada por convenções aceitas por largas parcelas da sociedade, surge a mais vil das formas de exploração humana - o trabalho escravo.

Sabemos que durante séculos o escravo foi uma figura social aceita mesmo por sociedades consideradas desenvolvidas em seu próprio tempo. Assim, a hoje celebrada democracia grega, como também a república romana, tinham como socialmente defensável a existência de escravos, desprovidos de todos os direitos atribuídos aos respectivos cidadãos.

A evolução do conceito de sociedade, ou melhor, de humanidade, fez com que chegássemos ao que hoje chamamos de igualdade de todos perante todos, independentemente de raça, credo ou qualquer outro critério diferenciador. E tal conceito acabou por fundamentar a Carta da ONU sobre direitos humanos e se inscreveu na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 5º, como base dos direitos individuais e coletivos de todos quantos habitam o território brasileiro.

Importante é observar que no inciso III do artigo 5º de nossa Carta Magna, está dito: "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".

Ora a escravidão já está definitivamente proscrita da ordem jurídica e social do Brasil desde 1888. Assim, não cabe qualquer tergiversação no seu combate, quaisquer que sejam as formas sob as quais ela é praticada, veladas ou não.

Sr. Presidente, o que estarrece é que, apesar de todo o consenso sobre a iniqüidade da escravidão, ela ainda seja consentida e praticada no Brasil. No Estado do Pará, da minha nobre colega Ana Julia, é cotidiana a denúncia de tal prática. A situação chegou a tal ponto que até "termo de compromisso" foi assinado entre as autoridades responsáveis por coibir tal prática e fazendeiros, alguns envolvidos em denúncias.

Ora, Srªs. e Srs. Senadores, não cabe à autoridade pública estabelecer qualquer convênio para ratificar que um empresário deve cumprir a lei. Cabe ao empresário-fazendeiro obedecer à ordem jurídica estabelecida e aos agentes da lei assegurar que assim seja feito. E caso não seja, aplicar as penalidades que a lei prescreve.

Sr. Presidente, para dar uma melhor idéia do que seja a escravidão no campo neste Brasil afora, a Secretaria da Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho levantou que, entre 1995 e 2000, 1999 trabalhadores foram libertados do regime escravo e apenas 15 pessoas responsáveis pelo delito foram presas. A Comissão da Pastoral da Terra no Pará relata que o próprio Ministério do Trabalho avalia que o número total de trabalhadores escravizados era quatro vezes maior do que o dos que foram libertados.

Vamos e convenhamos, estamos à beira da insanidade social! Sob que argumento é possível tolerar que ainda se pratique o trabalho servil no Brasil? Por que as autoridades não agem de modo implacável contra os que, ao arrepio da lei e de todos os valores hoje consagrados pela sociedade, se permitem subjugar seus semelhantes, rebaixando-os à forma mais degradante de servidão humana?

Não há argumentos aceitáveis para a inação neste caso. Falta de recursos, de meios materiais, de pessoal ou qualquer outro pretexto, não são mais que meros subterfúgios para acobertar a conivência entre poderosos ou a conveniência dos acomodados.

Lentidão da justiça? Que se aplique a lei na forma das ações administrativas de caráter executivo, cuja eficácia já seria suficiente para coibir a maior parte dos casos constatados, com isso acabaria com o sentimento de impunidade.

Apresentei ao Senado Federal, em 2003, o Projeto de Lei do Senado nº 487/2003. Este projeto objetiva dotar o Estado de instrumento fortemente inibidor da prática do delito de escravidão.

Vale destacar também a Proposta de Emenda à Constituição 57/99, do nosso colega Ademir Andrade, que altera o art. 243 da Constituição, que passaria a permitir a expropriação de terras onde se constatar a existência de trabalhadores escravos, tramitando agora na Câmara dos Deputados.

Outro mecanismo importante no combate ao trabalho escravo é o de transferir para a esfera da Justiça Federal a competência para ajuizar e julgar crimes contra os direitos humanos, na medida em que coloquem o Brasil em posição de ser interpelado por tribunais internacionais, com base nos acordos multilaterais que assinou. Tal alteração de competência se inscreveria na reforma mais ampla do Judiciário brasileiro, ora em tramitação na Casa e para a qual me permito chamar a especial atenção do Senador José Jorge, atual relator da matéria.

Em razão dessas lamentáveis circunstâncias, trago esse assunto novamente a debate, para que busquemos abolir o trabalho escravo de uma vez por todas. Mas, diferentemente do poeta Castro Alves, em seus arroubos, apelamos não à natureza, mas aos homens, para que a exploração de trabalhadores seja um fato do passado, particularmente aos homens públicos, detentores do poder de reprimir esse verdadeiro crime hediondo.

Ademais, o que leva essas pessoas a concordarem em trabalhar em regiões distantes, sem comunicação com a família é uma lei mais forte: a lei da fome; e entre a fome absoluta e a sujeição a um salário miserável, o imperativo de sobreviver fala mais alto.

Ante o exposto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, espero que as medidas propostas sejam rapidamente aprovadas. Mas que, até lá, o Governo brasileiro faça cumprir a lei em sua forma mais rigorosa para atender aos reclamos dos nossos irmãos brasileiros ainda escravizados, e em memória dos auditores fiscais do trabalho assassinados no exercício de suas profissões.

Sr. Presidente, desejo abordar ainda outro assunto nesta manhã.

Srªs e Srs. Senadores, “triste do homem que não tem sonhos...” “...Devemos, pois, sonhar, sonhar com o dia em que todos serão respeitados e vistos como iguais...” “...sonhar com um mundo melhor para todos é um direito, mas lutar para construir este mundo é um dever daqueles que amam a liberdade e buscam a justiça...”. Estas foram palavras ditas por mim em meu primeiro discurso nesta casa. Declarei-me sonhador mas, também declarei-me um lutador do tipo que luta para dar vida a meus sonhos, sonhos que procuram refletir as esperanças de um povo, de uma nação, porque acredito ser esta a atividade fim e a missão do parlamentar.

Faço tal introdução para retomar um assunto que inúmeras vezes trouxe-me a esta tribuna, falo do Estatuto do Idoso, instrumento normativo que reflete os sonhos de milhões de brasileiros, instrumento normativo que após sete anos de tramitação e seis meses de sanção ainda não assegura o pleno exercício dos direitos dos idosos.

Ao defender a eficácia e efetivação desta lei não o faço somente por ser de minha autoria, mas porque fiz da luta do povo brasileiro a minha luta. Fiz da defesa daqueles que nada têm a minha missão, missão que acredito ser de todos nós parlamentares, do Estado e da sociedade como um todo.

Não poucas vezes ouvi e li elogios ao Estatuto do Idoso, frases que diziam ser o estatuto um marco jurídico importante..., ser um instrumento vigoroso que permitirá a inserção social do idoso..., o estatuto do idoso, a exemplo do estatuto da criança e do adolescente, é um conjunto de normas de vanguarda que permitirá plena aplicabilidade do previsto no art. 230 da nossa Carta Magna...

Não obstante esse reconhecimento unânime, tanto da sociedade organizada quanto do Estado, quem de direito ainda não providenciou a mecanização do que se faz necessário para a efetiva vigência desta elogiada e louvada lei que nesta Casa foi concluída.

Sabemos que, quando atuamos no campo do direito humano, sua eficácia somente ocorrerá quando for promovida uma mudança cultural no meio social, acredito ser esta a minha, a nossa grande empreitada nas questões atinentes ao idoso, empreitada a que conclamo todos a abraçar, tal como nos unimos para votar e aprovar o Estatuto do Idoso.

Mas Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não me vejo só nesta empreitada; ao tempo em que sei contar com o apoio de V. Exªs., tomei conhecimento de uma ação efetiva e exemplar advinda do Estado do Paraná, propriamente da Coordenação Estadual do PROCON daquele Estado, por intermédio do Sr. ALGACI TÚLIO, Coordenador Estadual do órgão.

Por determinação desse ilustre e sensível cidadão, foi proposta uma Ação Civil Pública de Obrigação de Fazer, sob o nº 98/2004 que tramita na r. 20ª Vara Cível da Comarca de Curitiba/PR, contra 23 empresas concessionárias de transporte rodoviário interestadual. Atitude esta inovadora já que fundou-se não só em nossa Constituição Federal ou no Estatuto do Idoso, mas, mais propriamente, no CÓDIGO DO CONSUMIDOR.

A medida merece meus aplausos não somente pela ação isolada, mas também pela perspicácia e inteligência da fundamentação que entendeu ser um lucro abusivo do empresário que, tendo obrigação de disponibilizar duas vagas aos idoso e conceder descontos de no mínimo 50% nas demais vagas a esses cidadãos específicos em cada ônibus, não as disponibilizavam aos idosos e sim as vendiam, excedendo o que seria, moralmente e legalmente, aceito como lucro legal.

Ora se a lei determina a reserva de duas vagas por veículo, estas vagas não deveriam serem postas a venda, necessariamente se existe idoso que as reivindicam, ao negar a vigência da Lei e vender estas vagas sabiamente, aquele cidadão, que também representa o Estado, vislumbrou um caminha que, senão surtir efeito na esfera jurídica certamente vai surtir efeito na mudança da cultura social quando nos acena que é possível, família, sociedade e governo mudar o contexto social, praticando justiça social. Neste caso fazendo valer um Lei moderna, inovadora e que deve merecer o respeito de todos.

Como afirmei inicialmente quero ser um sonhador mas, mais que este direito, assumo o dever de lutar para ver realizado meus sonhos, principalmente quando refletem anseio de uma camada tão sofrida de cidadãos, neste caso os idosos.

Para finalizar Senhor Presidente, conclamo a todos meus pares a assumirem esta empreitada de ver efetivo os sonhos de tantos velhinhos e velhinhas neste nosso imenso Brasil, pois se assim o fizermos estarem honrando a todos os brasileiros que edificaram e edificam nossa nação.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/2004 - Página 9773