Discurso durante a 34ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Questionamentos sobre o fato de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama interferir em obras que são consideradas fundamentais para o desenvolvimento do país. (como Líder)

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Questionamentos sobre o fato de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama interferir em obras que são consideradas fundamentais para o desenvolvimento do país. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/04/2004 - Página 9920
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, MIGUEL REALE, JURISTA, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), IMPEDIMENTO, PARALISAÇÃO, PROJETO, OBRA PUBLICA, IMPORTANCIA, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, PARALISAÇÃO, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), MOTIVO, PEDIDO, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ESTUDO, IMPACTO AMBIENTAL, PRESERVAÇÃO, FAUNA, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO SUL, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PODER PUBLICO, ENTENDIMENTO, SALVAGUARDA, MEIO AMBIENTE, AUSENCIA, IMPEDIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já não bastassem as dificuldades que enfrentamos, próprias de um País que busca se desenvolver, temos assistido a um embate, no âmbito do próprio Governo, que, a persistir, somente nos trará ainda mais prejuízos e atraso.

Refiro-me ao que o brilhante jurista Miguel Reale, em seu artigo do jornal O Estado de S.Paulo, do último sábado, chama de “fundamentalismo ecológico” e que estaria presente em áreas do Poder Público, em especial no Ibama.

Srªs e Srs. Senadores, dezenas de obras se encontram, neste momento, paralisadas, porque o Ibama impede seu prosseguimento.

Como bem salienta Miguel Reale, se as autoridades ambientais têm bons fundamentos para dizer - e nem sempre têm (sou eu quem afirmo) - que um projeto causará danos importantes, é sua obrigação apresentá-los com clareza e sem perda de tempo.

Enquanto isso, obras necessárias, fundamentais para o desenvolvimento, permanecem paradas.

A necessidade de desenvolver o País não pode ser vítima de seguidos obstáculos, muitos deles mais de caráter ideológico do que técnico.

Como bem lembra o Senador Gilberto Mestrinho, com o seu humor característico de amazonense, o jacaré não pode ser mais importante do que o homem. Matar jacaré pode levar uma pessoa à cadeia, mas se o jacaré mata o homem, é premiado!

Enquanto os órgãos ambientalistas fazem isso, o jornal O Globo, este sábado, informou que as obras da Via Expressa Sul, em Florianópolis, estão paralisadas. Os técnicos do Ibama teriam pedido um estudo de impacto ambiental, pois se preocupam com a sobrevivência de um molusco chamado “berbigão”. O berbigão é mais importante do que essa estrada fundamental para o desenvolvimento do sul do País.

Pois é isso. Graças a esse molusco, que tem um outro apelido impublicável, a obra está paralisada. Restam 400 metros! Mas o berbigão não deixa que se faça.

Sr. Presidente, enquanto órgãos ambientalistas e parte do Ministério Público criarem obstáculos e mais obstáculos, veremos casos como o relatado no Jornal do Commércio semanas atrás: uma grande empresa investiu US$30 milhões na construção de um terminal graneleiro no porto de Santarém, no Pará. Pois, na mesma solenidade em que recebeu o título de “empresa do ano”, anunciou a suspensão temporária de seus investimentos na região.

A razão? Segundo a direção da empresa, a decisão foi tomada “até que algumas pessoas se convençam que é lícito investir, segundo a legislação vigente no País e conforme as regras ambientais definidas”.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essas críticas que faço, não as dirijo à nossa colega e amiga Ministra Marina Silva, que é séria e sempre concentrou seu esforço, inclusive aqui nesta Casa, para garantir que o desenvolvimento do País se desse sem a degradação do meio-ambiente. Mas os fatos estão aí.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Infelizmente, não posso; a Mesa não deixa e só tenho cinco minutos. Mas já concordo com o que V. Exª iria dizer.

Todos as Srªs e os Srs. Senadores certamente têm consigo exemplos de obras em seus Estados que ainda não se iniciaram ou, pior, estão paralisadas por motivos semelhantes. Não podemos chegar ao ponto limite de um dia vermos alguém defender que “ou se acaba com o Ibama ou o Ibama pode acabar com o desenvolvimento no Brasil”.

Não quero isso, mas isso pode acontecer. Se o Governo não tiver coragem de frear as ações impróprias do Ibama e, muitas vezes, do Ministério Público, o Ibama vai acabar com o País.

Os órgãos que, de alguma forma, tratam com o meio ambiente, entre eles o Ibama, são importantes para o País, ninguém nega, mas não podem fazer o que fazem. Na Bahia, linhas de transmissões já existentes não podem ser reforçadas, como é o caso de Ibiquara e Cascavel e outras localidades. Essa linha de transmissão, Sr. Presidente, propiciaria 50 mil empregos. Essa é a realidade.

É preciso, pois, que o Poder Público entenda a defesa do meio ambiente como função protetora da sociedade e não como instrumento de entrave ao crescimento da economia.

Nunca será demais lembrar que esse crescimento corresponderá a mais emprego para o brasileiro. Como lembra o próprio Miguel Reale, esse grande jurista que, aos 92 anos, é mais lúcido do que muitos de 30 anos, o Poder Público deve compreender que a salvaguarda do meio ambiente não pode prevalecer sobre o valor da pessoa humana.

Sabemos que existe um choque entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura, que está prejudicando muitíssimo a agricultura brasileira. E sabemos que poucos Ministros, neste Governo, têm a competência de Roberto Rodrigues. O Ministro da Agricultura é um homem capaz, mas está impedido de trabalhar: ou lhe faltam recursos, ou lhe falta apoio para enfrentar a força da Ministra do Meio Ambiente, a nossa colega e amiga Marina Silva.

Portanto, temos que chamar a atenção para isso, e como colaboração. Ninguém quer atrapalhar o Governo, mas colaborar. No entanto, não se pode colaborar com a guerra entre Ministros.

Peço a V. Exª, Sr. Presidente, que considere como lido o artigo do jurista Miguel Reale, visto que não terei tempo de lê-lo.

Além disso, gostaria de dar esta manchete para todo o povo brasileiro: “‘Spread’ brasileiro é o maior do mundo”.

É isso, Sr. Presidente, que entrava o nosso desenvolvimento; é isso que o Governo do Presidente Lula deve modificar. Vai modificá-lo, tenho certeza. Se não o fizer, sua popularidade cairá a cada dia e chegará a um ponto em que Sua Excelência não poderá mais governar bem o País, como é o nosso desejo.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ANTONIO CARLOS MAGALHÃES EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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O HOMEM E A NATUREZA

MIGUEL REALE

(10/04/2004 - O Estado de S. Paulo)

Não há dúvida que, na compreensão do que seja "defesa do meio ambiente" e do papel que nele cabe ao ser humano, houve notável progresso nos debates havidos sobre o tema, a começar por não mais se "encarar o homem como um ser vivo qualquer". Já agora se reconhece que "o homem é o principal sujeito do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas não o único" (3/3 e 30/3).

Persiste-se, todavia, em não considerar o homem dotado de autonomia e de poder criador para as transformações que, a todo instante, é ele obrigado a introduzir no meio ambiente em benefício da coletividade.

A bem ver, continua-se idealizando o meio ambiente como se fosse sempre uma fonte perene de benesses, na qual o homem estaria passivamente inserido, quando, na realidade, muitas vezes, é ele que, como agente criador de civilização e de melhores qualidades de vida, se vê na contingência de interferir no que é natural e espontâneo para estancar seus efeitos nocivos.

Vivendo no Nordeste, onde, no dizer de José Américo de Almeida, "a natureza é menos mãe do que madrasta", Tobias Barreto chegou a afirmar que "a cultura é a antítese da natureza, no tanto quanto ela importa uma mudança no natural, no intuito de fazê-lo belo e bom". Sem concordar com esse exagero, não se pode deixar de reconhecer que, continuamente, se deve à iniciativa humana a criação de meio ambiente compatível com as exigências vitais.

Como escreve Houaiss em seu monumental dicionário, em ecologia, meio ambiente é "o conjunto de fatores físicos, biológicos e químicos que cerca os seres vivos, influenciando e sendo influenciado por eles". Sob outro prisma, poder-se-ia dizer que é o "espaço natural circundante no qual atuam os seres vivos".

Ora, dentre os seres vivos, o homem é o agente por excelência das transformações introduzidas no meio ambiente, visando a alcançar formas de vida cada vez mais ecologicamente equilibradas, como é previsto no artigo 225 da Constituição de 1988.

Assim sendo, quando há iniciativas do Poder Público ou de empresas privadas no sentido, por exemplo, de construir barragens para usinas elétricas ou o abastecimento de água potável, ou de abrir estradas para comunicações necessárias, cumpre fazer-se um "balanceamento de valores", com a análise de todos os elementos em jogo, a fim de optar-se pela solução mais consentânea com as exigências essenciais à vida, de que tanto se fala, e ao desenvolvimento do País.

Como bem acentuou editorial do Estado de 31 de março último, "é preciso entender a defesa do meio ambiente como função protetora da sociedade e não como poder para entravar o crescimento da economia. Se as autoridades ambientais têm bom fundamento para dizer que um projeto causará danos importantes, é sua obrigação afirmá-lo com clareza e sem perda de tempo. Mas não é seu papel, nem seu direito, fazer de sua função um meio de impor ao País suas idiossincrasias ou de criar obstáculos ideológicos ao desenvolvimento".

Não se trata, pois, de "antropocentrismo", nem de ver o homem como "valor absoluto", que não existe, mas sim de reconhecer que a salvaguarda do meio ambiente não pode prevalecer sobre o valor da pessoa humana, que, a meu ver, é o valor-fonte de todos os valores, por significar o homem situado na sociedade, um eu em correlação essencial com o dos demais membros da comunidade. Não há estudo de Axiologia que não admita uma escala ou hierarquia de valores, correlacionados uns com os outros em sintonia com o tipo de civilização atingida, nos limites de suas peculiares circunstâncias.

Nessa ordem de idéias, nenhum dano haverá ao meio ambiente por exigir-se que ele corresponda a um bem de vida considerado essencial ao ser humano. Mesmo porque, atualmente, a não ser nas ainda inexploradas florestas da Amazônia e de outras poucas partes do planeta, não há meio ambiente que não tenha sido influenciado pela ação do homem, como, para dar um só exemplo, aconteceu com o cerrado, que deixou de ser visto como terra inexplorável para tornar-se campo de um novo bandeirismo, não em busca de esmeraldas, mas sim de algodão, soja e milho.

Qual é o meio ambiente para um holandês, que constantemente afronta as ameaças do oceano? Qual o meio ambiente para um londrino, um nova-iorquino ou um parisiense senão o correspondente ao das cidades estupendas que construíram? Em todos eles, valores naturais compuseram-se com os humanísticos numa díade incindível. Não há nada, por conseguinte, que justifique atitudes do Poder Público inspiradas no "fundamentalismo ecológico", que consiste em conversão do meio ambiente num valor absoluto, após afirmar-se que este não existe...

É claro que, se do estudo dos diversos fatores operantes resultar que o fim visado por um empreendimento não compensa o dano a ser causado ao meio ambiente, é legítima a interferência do Ministério Público, no exercício de sua alta missão. Deverá sempre ser uma decisão tomada com a devida prudência - e não é à toa que a Jurisprudência é o nome clássico da Ciência do Direito -, pois, se o artigo 170 da Carta Magna exige, em seu inciso VI, que a atividade econômica preserve o meio ambiente, os incisos III e IV também salvaguardam a função social da propriedade e a livre concorrência.

Felizmente, a orientação dominante em nossos tribunais é no sentido da subordinação do meio ambiente aos valores existenciais, tal como ainda recentemente ocorreu, com a cassação de liminares que haviam suspendido a construção da barragem de Piratininga e Biritiba-Mirim, que se destina a abastecer de água potável o Reservatório da Cantareira, e a experiência da flotação das águas do canal do Rio Pinheiro graças a grande investimento que visa a antecipar a utilização do Reservatório Billings e da Usina Henry Borden na produção de energia elétrica, problema que a todos preocupa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/04/2004 - Página 9920