Discurso durante a 35ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à obra "Violência nas Escolas" de iniciativa da Unesco, com apoio do Banco Mundial, Instituto Ayrton Senna e Fundação Ford.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários à obra "Violência nas Escolas" de iniciativa da Unesco, com apoio do Banco Mundial, Instituto Ayrton Senna e Fundação Ford.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/2004 - Página 10168
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), ANALISE, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, NATUREZA POLITICA, ORIGEM, VIOLENCIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, OBJETIVO, FORNECIMENTO, SUBSIDIOS, SOLUÇÃO, PROBLEMA.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: importantes estudos sociológicos afirmam que a violência, também em nosso País, é conseqüência da irrecusável falta de harmonia no processo de desenvolvimento da sociedade. Em mais um valioso e substancial acréscimo à discussão do tema, acaba de ser divulgada a versão resumida do livro “Violências nas Escolas”, resultante de iniciativa da UNESCO, apoiada, entre outros, pelo Banco Mundial, pelo Instituto Ayrton Senna e pela Fundação Ford.

A publicação, que já constitui importante referência para o debate acerca do enfrentamento do problema da violência escolar, é de autoria da Professora Miriam Abramovay, da Universidade Católica de Brasília, e Vice-Coordenadora do Observatório de Violência Escolar no Brasil, além de Consultora de organizações internacionais sobre temas relacionados à violência e à juventude, e da Professora Maria das Graças Rua, da Universidade de Brasília, e Consultora da UNESCO.

A obra, em síntese, considera a violência como dano físico ou simbólico imposto a indivíduos ou grupos. Ela é vista, em geral, associada à pobreza, à desigualdade social e às falhas de comunicação.

Ao mesmo tempo, é “contrária ao uso da razão, consentimento e diálogo, relacionando-se ao abuso de poderes em diversos tipos de relações sociais”, muitas vezes com recurso à força das armas, à intimidação e ao desrespeito do outro.

A violência física nas escolas caracteriza-se por brigas, agressões, invasões, depredações, ferimentos e mortes, contrapondo alunos aos professores, alunos aos funcionários.

A violência simbólica não é percebida tão facilmente: é exercida pela sociedade, ao não encaminhar o jovem para o mercado de trabalho, por negar oportunidade para o desenvolvimento de sua criatividade e para usufruir de atividades de lazer.

Também acontece quando as escolas impõem conteúdos destituídos de interesse ou quando os professores não se esforçam pela qualidade de suas aulas e “não respeitam os alunos, desvalorizando-os com palavras e atitudes de desmerecimento”.

Por igual, refere-se “à violência sofrida por professores, quando são agredidos, em seu trabalho e em sua identidade profissional, pelo desinteresse e indiferença dos alunos”.

“As brigas são corriqueiras e banalizadas e, muitas vezes, incentivadas pelos colegas”. Casos de abuso sexual foram denunciados, tanto entre alunos como entre membros do corpo docente. “Furtos e roubos no ambiente escolar, caracterizados como violência contra o patrimônio, ocorrem de forma constante”. Atos de vandalismo, nas escolas públicas e particulares, muitas vezes estão associados à má administração e à falta de compartilhamento e preservação do bem público.

As escolas “lidam com brigas, atos de agressividade e diversos tipos de violências por meio de normas”, entre elas as “advertências, suspensões, transferências e expulsões, que dependem da gravidade da questão”.

“A disciplina, enquanto responsabilidade e compromisso, é apresentada como condição básica para manter a ordem”, sendo as regras, muitas vezes, questionadas pelo corpo técnico pedagógico e os alunos, como as de uso de uniforme, observância de horários, entre outras.

A despeito das críticas, sobretudo às regras comportamentais, “a tendência entre os alunos é gostar da escola onde estudam”. Eles reclamam do desinteresse e da “indisciplina dos próprios colegas, do aspecto e das condições físicas da escola, da carência de recursos humanos e materiais e da falta de assiduidade e de competência dos professores”.

A par de reunir exemplos de abuso de poder, autoritarismo e de punições arbitrárias, a escola é local de violência simbólica. “(...) o poder de conferir notas, ignorar os alunos com seus problemas, tratá-los mal, recorrer a agressões verbais e expô-los ao ridículo, quando não compreendem algum conteúdo, são algumas violências que aparecem de forma recorrente na fala dos estudantes”.

Os professores, por sua vez, “sofrem quando são agredidos em seu trabalho e em sua identidade profissional pelo desinteresse e indiferença dos alunos, criando um ambiente de tensão cotidiana”. Muitos afirmam não gostar das aulas, da carga horária, das condições de trabalho e da remuneração, criticando os alunos por sua indisciplina e falta de interesse e de dedicação aos estudos.

Em seu depoimento, o alunado demonstra desconfiança de que o ensino ministrado constitua garantia de qualificação para o enfrentamento futuro do mercado de trabalho. Porém, os de baixa renda reconhecem a escola como “canal de mobilidade social”, e quase todos acreditam que seu estabelecimento de ensino lhes transmite coisas úteis para a vida e para o futuro.

A discriminação avulta dentre as formas de violência. O racismo apresenta-se em “comportamentos disfarçados de brincadeiras e piadas” ou por uma pseudocordialidade. Muitos que se utilizam de tais práticas não lhes atribuem intenções racistas, embora elas sejam “sentidas como tal por quem é alvo”. Certos alunos, porém, confessam que têm preconceito racial e que se envolvem em brigas motivadas pelo racismo.

As conclusões de diferentes pesquisas forneceram importantes meios para a compreensão das formas como os jovens lidam com a violência, dentre elas destacando-se a noção de que “a violência não é monolítica: para alguns, as violências se apresentam comuns e banalizadas; para outros, como conseqüência da discriminação racial e da exclusão social.”

Muitos apenas identificam como violências as que causam danos físicos, existindo os que as reconhecem quando produzem dor, medo, tristeza, baixa auto-estima, desvalorização e pela recusa em reconhecer a dignidade com que todos merecem ser tratados.

Em geral, o alunado afirma que a violência nas escolas é uma das causas do desinteresse, da falta de concentração nos estudos, da perda de dias letivos e da má vontade de assistir às aulas, “por ficarem nervosos, revoltados, com medo e inseguros, tudo trazendo prejuízo para o desenvolvimento acadêmico e pessoal.”

Entre os professores, “o absenteísmo é uma das conseqüências diretas da violência e da falta de reconhecimento pelo mérito de seu trabalho”. Outros resultados são a perda de estímulo para o trabalho, o sentimento de revolta e a dificuldade de se concentrar nas aulas.

Depoimentos comumente aceitos de Geraldo Pieroni, em “Os Degredados na Colonização do Brasil”, e de Sawaia, em “As Artimanhas da Exclusão: Análise Psicossocial e Ética da Desigualdade Social”, levam à compreensão de “que não há como entender a violência de forma dissociada de suas raízes sócio-históricas”.

Assim, as marcas sociais são reveladoras de como se estabeleceu e se desenvolveu a violência. Portanto, “a iniqüidade e assimetria das relações de poder estabelecidas durante a nossa história estão no centro da questão da violência e da exclusão”.

Especialistas a isso acrescentam que, no início do século XX, “o castigo físico era utilizado em nosso sistema educacional como forma de excitar a memória infantil. Submetidas a esses suplícios, as crianças brasileiras tinham a sua estrutura de personalidade formada com base na aplicação de punições. Fundamental para a formação de uma sociedade, a educação nacional estava permeada pela violência”.

Diferentes diplomas legais fundamentaram a doutrina da exclusão e a expansão da violência, entre eles o que estabeleceu a criminalização da vadiagem e da greve.

A mulher negra foi discriminada e marginalizada em toda a história do País: foi escrava, reprodutora, explorada pelos senhores. Permaneceu desprovida de conquistas sociais durante décadas, passando de ex-escrava a mal assalariada, da senzala à favela, de ama-de-leite a mãe solteira.

Portanto, a questão racial, em conjunto com a instabilidade e a arbitrariedade políticas, prestou-se à consolidação das diferenças sociais. Dessa forma, a análise do processo político nacional também se presta para esclarecer as razões da explosão de violência que hoje enfrentamos.

Concluímos, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a nossa intervenção, consignando que o edificante trabalho das professoras Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua, exposto com nitidez e eficiência na versão resumida de “Violências nas Escolas”, representa notável aporte de conhecimentos para a reflexão e a pesquisa de soluções que, finalmente, conduzam à eliminação da violência, também nas escolas.

Era o que tínhamos a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/2004 - Página 10168