Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação histórica da situação do funcionalismo público no Brasil, do Governo Collor ao Governo Lula.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SALARIAL. REFORMA AGRARIA.:
  • Avaliação histórica da situação do funcionalismo público no Brasil, do Governo Collor ao Governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2004 - Página 10301
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SALARIAL. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, HISTORIA, SITUAÇÃO, SERVIDOR PUBLICO CIVIL, PAIS, GOVERNO, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ABERTURA, NEGOCIAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO, INICIO, PROCEDIMENTO, CONCURSO PUBLICO, MELHORIA, QUALIDADE, ATENDIMENTO, SERVIÇO, REAJUSTE, SALARIO, MODERNIZAÇÃO, RELAÇÃO DE EMPREGO.
  • REGISTRO, SOLICITAÇÃO, TRABALHADOR, GARANTIA, DIREITOS, AUMENTO, SALARIO, SIMULTANEIDADE, MANUTENÇÃO, FORMA, PAGAMENTO, SUBSISTENCIA, MUNICIPIOS, ESTADOS.
  • COMENTARIO, DISPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DISCUSSÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, EXECUÇÃO, GREVE.
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, TERRA PUBLICA, TERRAS, REFORMA AGRARIA, CONCESSÃO DE USO, PRAZO INDETERMINADO, IMPEDIMENTO, TRANSFERENCIA, DIREITOS, VENDA.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz à tribuna hoje é o movimento dos funcionários públicos, um movimento grevista que já avança por vários dias. Como militante da Central Única dos Trabalhadores, durante metade da década de 80 e boa parte da década de 90, tendo sido Presidente da Central Única no Estado do Acre e, agora, ocupando uma cadeira no Senado Federal, elaboro algumas conclusões dos procedimentos e dos andamentos da greve e das negociações com o Governo.

Queria, aqui, fazer uma retrospectiva da situação do serviço público federal, das negociações a partir do Governo Fernando Collor.

No dia seguinte ao da posse, o Governo Fernando Collor impôs, dentre outras medidas, o confisco temporário de depósitos bancários e aplicações financeiras, demissão de funcionários, fechamento de órgãos públicos e privatização de estatais.

A base das medidas contra o serviço público se apoiava no liberalismo primitivo, que pregava o Estado mínimo, o liberalismo econômico, com a supressão das exportações e com a valorização apenas das importações, e a revisão da atuação do Estado em vários setores, principalmente nos setores estratégicos para o desenvolvimento nacional.

Com o argumento de que a Administração Pública tinha servidores em excesso, o Governo de Fernando Collor demite milhares de pais e mães de famílias, funcionários públicos e, em muitos casos, pessoas que tinham até 30 anos de serviço público e que não estavam preparadas para exercer outras profissões.

As conseqüências dessas medidas foram: a baixa auto-estima do serviço público, ambiente ruim de trabalho, desestímulo total da pessoa humana. Foi atribuída ao funcionalismo público a culpa por muitos dos problemas brasileiros. Acredito que aquele foi um dos piores momentos da vida de trabalhadores e trabalhadoras, um verdadeiro inferno astral.

No Governo de Itamar Franco, retoma-se uma política de favorecimento para as vítimas do “furacão” que foi o Governo Collor. Nesse período, abre-se um processo de anistia para cerca de 44 mil funcionários demitidos. Também foram elaborados critérios para a volta das pessoas demitidas. Eram quatro as exigências para readmitir o servidor público: estar ainda desempregado; provar que, à época da demissão, pertencia ao quadro permanente, ou seja, que ocupava cargo efetivo na Administração Pública Federal; não registrar em seu currículo nenhum tipo de punição; e ter prestado dez anos ininterruptos de serviço público.

No Governo de Fernando Henrique Cardoso, foi incentivado o Plano de Demissão Voluntária (PDV) e foi pautada no Congresso Nacional a criação de lei que permitisse o fim da estabilidade no serviço público.

Com o PDV, milhares de funcionários foram estimulados ao empreendedorismo individual, mas a maioria fracassou. Como já haviam perdido o emprego, o fracasso em empreendimentos resultou também na perda dos recursos resultantes dos seus direitos trabalhistas. Pude ver isso no dia-a-dia de funcionários antigos principalmente do Banco do Brasil, que, com mais de vinte anos, tiveram de aderir ao PDV, receber a indenização e partir para uma atividade que nunca tinham experimentado. No meu entendimento, o PDV foi uma tentativa de mostrar que toda e qualquer pessoa dispunha de condições suficientes para ser tornar empreendedora, o que não é verdade.

O Governo Lula, eleito pelo Partido dos Trabalhadores, recusa a proposta do Estado mínimo. Para tanto, tem aberto permanentes negociações com os servidores públicos, tem iniciado procedimentos para novos concursos públicos, tem clamado por uma melhoria na qualidade do atendimento do serviço e, agora, tem iniciado as negociações para melhores e maiores reajustes salariais. Além disso, estabelecemos uma modernização das relações do trabalho com as reformas sindical e trabalhista, que estão sendo debatidas na elaboração da essência do projeto, nas mesas redondas que envolvem o Governo e as principais referências nacionais do sindicalismo de trabalhadores.

A questão referente ao salário mínimo, depois da Relatoria do PPA, ficou ainda mais clara para mim. O trabalhador, o empregador, o Estado brasileiro e as empresas privadas sempre se perguntaram: por que não se aumenta o salário mínimo no Brasil? A preocupação - pasmem! - não é apenas do servidor público federal, mas principalmente dos pequenos empregadores e dos pequenos Municípios. Se o salário mínimo é aumentado, a Confederação Nacional dos Municípios reclama que, imediatamente, milhares de Municípios brasileiros - creio que mais de 50% - ingressarão na Lei de Responsabilidade Fiscal. Todos passarão a ser inadimplentes se o salário mínimo atingir R$280,00.

Registro, portanto, um apelo dos trabalhadores, que é também do Congresso, pelo justo direito de aumento de sua renda e pelas condições reais de pagamento e sobrevivência de Municípios, de Estados e, principalmente, de pequenos empregadores.

Já está garantido o reajuste que corrigirá a inflação do período - que deve ser de 7,5% -, o que elevaria o salário mínimo para R$259,00. Parlamentares e setores do Governo vêem com bons olhos o aumento de R$40,00, o que elevaria o salário mínimo dos atuais R$240,00 para R$280,00, no próximo dia 1º de maio, se for também factível para Estados e Municípios, já que a Confederação Nacional dos Municípios está contra o aumento do salário acima da correção da inflação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nas negociações com movimentos grevistas, ressalto o caso da Polícia Federal, que está em greve desde 09 de março. Agentes, papiloscopistas e escrivães afirmam que o Governo não respeita a Lei nº 9.266, de 1996, que estabeleceu a obrigatoriedade do diploma universitário para a carreira. Muitos desses profissionais foram admitidos no serviço público para receber salários de nível médio, em concurso destinado à categoria de nível médio, e agora reivindicam salário igual ao dos delegados. Atualmente, recebem R$4,2 mil e querem receber R$7,8 mil, que é o salário dos delegados. O Governo ofereceu um aumento de 17% e a discussão de um projeto de reestruturação da carreira.

Conforme a lei, o servidor público que ingressar na Administração Pública como nível médio ou como nível superior somente tem direito a um aumento de 20% sobre o salário inicial. Não cabe a isonomia pretendida pelos policiais federais.

O PT tem total respeito ao direito de greve, que é legal e legítimo. É por isso que o PT também considera como conquista sua o art. 9º da Constituição Federal, que diz: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.

Os movimentos sociais têm legitimidade para protestar, reivindicar e pressionar seus interlocutores contratuais, mas não devem nunca esquecer da razoabilidade da proposição.

Senador Papaléo Paes, quero lembrar que, na época em que era líder sindical, sempre procurei avaliar a justeza e a legitimidade da necessidade que justificava o movimento grevista e analisá-lo dentro do contexto, da conjuntura daquele momento, para saber como apresentar a reivindicação dentro da chamada margem de exeqüibilidade. Eu fazia isso, porque a minha preocupação era mobilizar uma categoria para obter sucesso e não mobilizar uma categoria apenas para um exercício democrático do direito de greve. Um membro de uma categoria profissional participa de greves não por gostar ou por considerar simpática a característica de seus representantes, mas principalmente pela necessidade que o mobiliza. E é nesse contexto que acreditamos que a abertura já feita pelo Governo Federal para discutir com as categorias mobilizadas aponta para essa exeqüibilidade.

Os técnicos da Receita Federal aceitaram a proposta do Governo de criação de gratificações no valor de até 30% de seus vencimentos. Trata-se de três gratificações, cada uma equivalente a 10% do salário, condicionadas ao cumprimento de metas de desempenho. Se alcançadas todas as metas, os salários iniciais sobem de R$2.537,00 para R$3.937,00. Os vencimentos finais aumentam de R$3.668,00 para R$5.182,00. Porém, os auditores não concordaram com essa proposta.

Os fiscais agropecuários fecharam um acordo com o Governo que prevê um reajuste médio de 24% para a categoria. Os profissionais em início de carreira terão um reajuste salarial de 49%. Os servidores com salários mais altos terão um aumento de 16%.

A proposta do Governo Lula é que chegue ao fim a era do reajuste zero. Com essa política, estamos reafirmando a importância e o resgate do serviço público do Brasil, falando alto que terminou a época de reajuste zero.

O Governo Lula tem também a preocupação de dar mais qualidade ao serviço público. Até o final de 2004, nos primeiros dois anos do Governo Lula, terão sido contratados cerca de 65 mil novos funcionários, aprovados em concurso público já anunciado no mês passado. Nos oito anos do Governo anterior, foram contratados apenas 50 mil funcionários, o que confere um incremento de mais de 15 mil novos postos de trabalho.

Podemos afirmar contentes que o período de sucateamento da máquina pública brasileira acabou. O nosso Governo está reestruturando a administração pública para cumprir suas funções de instrumento para garantir a realização de políticas públicas, como controle e fiscalização, ou seja, a ação direta do Estado.

Sr. Presidente, hoje na CPMI dos conflitos agrários, debatemos muito o papel do Estado na mediação desta situação chamada “problema da terra”. Ouvimos bastante que o Incra é visto como impotente e incapaz da execução da reforma agrária. Ora, o Incra é uma instituição pública, do Estado brasileiro; não cabe depositar numa instituição o problema da terra. Trata-se de um problema conceitual vivido desde a chegada dos europeus nestas terras no século XVI, quando dividiram o Brasil em 15 grandes lotes. O conceito de grande propriedade, seja para produção, seja para deleite, um resquício do período feudal, ainda é bastante ideológico.

Parabenizo principalmente o Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, companheiro Manoel de Serra, como o chamamos carinhosamente no meio sindical, pela capacidade que teve em compreender o problema e pelas respostas que deu a cada uma das perguntas. Vi muita lucidez naquele líder sindical. Tenho certeza de que, com lideranças dessa natureza, o Ministro Miguel Rosseto e o Presidente do Incra, Rolf Hackbart, poderão contribuir, sim, com propostas bastante práticas para a solução dos conflitos agrários no Brasil.

Lembro que, no Governo José Sarney, quando foi anunciado o Plano Nacional de Reforma Agrária, a UDR nasceu no Brasil, propagando os leilões de bois para compra de armas. A partir daí, ocorreram conflitos sangrentos, como o massacre de Eldorado dos Carajás e o de Corumbiara.

Contudo, acreditamos em uma reforma agrária pacífica e administrada pelo Estado e, portanto, no surgimento de um novo direito sobre a propriedade da terra.

Sr. Presidente, apresentamos uma proposta de emenda constitucional modificando a natureza do art. 186 da Constituição Federal, no sentido de que as terras de reforma agrária não sejam imediatamente entendidas como propriedade privada, mas como terra pública, a fim de que seja dada às famílias uma concessão de uso por tempo indeterminado. Essa realidade já é vivida na Amazônia brasileira, nos projetos de assentamentos extrativistas, cujo título é condominial - a família tem apenas o direito de posse por tempo indeterminado, com um plano de uso daquela terra feito em comunidade.

Para encerrar, Sr. Presidente, quero dizer que, por ter sido líder sindical, convivi com o comércio de terra de ambas as partes, os pequenos e os grandes: grandes que fomentavam a ocupação de terra para vendê-la mais caro; e pequenos que faziam rodízios de ocupação para fazer da terra também um comércio.

A terra de reforma agrária tem que ser de propriedade pública; jamais poderá ser transferida, com direito de venda. Assim, acredito que poderemos reproduzir, cada vez mais, a paz no campo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2004 - Página 10301