Discurso durante a 37ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Atuação do Ministro da Justiça no episódio de violência na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, apontando a necessidade de uma política pública de segurança para o País.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Atuação do Ministro da Justiça no episódio de violência na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, apontando a necessidade de uma política pública de segurança para o País.
Aparteantes
Edison Lobão, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 16/04/2004 - Página 10336
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), AUXILIO, COMBATE, VIOLENCIA, CONFLITO, TRAFICANTE, DROGA, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DEFESA, NECESSIDADE, EFICACIA, POLITICA, SEGURANÇA PUBLICA, PAIS, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, AMPLIAÇÃO, PUNIÇÃO, LAVAGEM DE DINHEIRO, CRIME ORGANIZADO, TRAFICO, DROGA, CORRUPÇÃO, GARANTIA, PROTEÇÃO, SOCIEDADE.
  • COMENTARIO, DADOS, PESQUISA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), ADVERTENCIA, AGRAVAÇÃO, VIOLENCIA, AUMENTO, HOMICIDIO, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

Neste País não se encontra nenhum porco abandonado, mas milhares de crianças comendo lixo nas ruas.

(Darcy Ribeiro)

Acaciano sem reparo, o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vive visitando os personagens de Eça de Queiroz, especialmente quando se encontra com a dissimulação. Vago em gesto e pensamento, diante do banho de sangue que se iniciou na Semana Santa no Rio de Janeiro, decidiu tatear o extremo da própria passividade. Durante o mais importante feriado religioso do País, quando os ânimos se desarmam, o fogo “guerrilheiro” dos narcotraficantes representou uma quebra de rotina suficiente para motivar, se não uma atitude, uma menção qualquer do Governo Federal. Mas o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, manteve-se ausente até o final da tarde da última segunda-feira, talvez imaginando que pudesse encerrar em obsequioso silêncio a sua inestimável prudência, que custou dez vidas, inclusive de dois policiais. Três foram vítimas de bala perdida.

Como já pude comentar, há algo de Pacheco em Bastos. Nestes 15 meses, raras vezes expandiu o talento inato. Em episódios até menos graves do que o da “guerrilha da Rocinha”, houve alguma manifestação de um idealista sábio, judicialiforme, incapaz de qualquer vulgaridade, mas de uma impostura parnasiana. Desta vez, no entanto, o Ministro da Justiça se guardou na omissão total, até que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, determinou a Bastos alguma reação ante a crise de extrema gravidade. Foi quando o Ministro revelou traços da Síndrome de Condoleza, a Assessora de Segurança Nacional do Presidente George W. Bush, que, antes de 11 de setembro, sabia, mas olvidou os avisos de que haveria um ataque em território americano com o seqüestro de aeronaves. Bastos confessou ter sido informado dos preparativos do combate interno do Comando Vermelho no Morro da Rocinha, afirmou ter comunicado o Governo do Estado do Rio de Janeiro, e como o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, apostou na prevaricação.

Não que Bastos não tivera sido cientificado da barbárie em um momento sagrado para os cristãos de todo o mundo. O Ministro da Justiça, com toda certeza, foi informado de que, na madrugada da última sexta-feira, 60 traficantes do Morro do Vidigal se passaram por policiais, simularam uma blitz e atacaram os motoristas de automóveis. O Ministro deve ter sido comunicado que a mineira Telma Veloso Pinto, uma mulher tomada pelo desespero, não atendeu ao comando bandido, tentou escapar ao cerco e foi metralhada.

Atendo aos acontecimentos, o circunspecto Bastos, imune a qualquer dramatização dos acontecimentos, certamente encontrou razões de profunda ruptura do tecido social, provocada pelo aumento das desigualdades no País, quando foi cientificado de que o bando, comandado pelo traficante Eudásio Eduíno Araújo, o Dudu, foragido da Justiça, subiu a Rocinha e matou mais duas pessoas. Ciente do seu papel institucional, deve ter formalmente efetuado o acompanhamento remoto das ações da Polícia Militar, que ocupou o morro. Depois deve ter sabido que dois integrantes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) tombaram em combate.

No domingo à noite, depois que o corpo do “skatista” Wellington Silva fora enterrado, também é para ter recebido o comunicado de que outro morador da favela havia sido morto, atingido por uma bala perdida. Cerimonioso, Bastos, com toda platitude que lhe é peculiar, deve ter enviado ondas telepáticas de estabilidade e tranqüilização às instituições democráticas quando foi informado, na madrugada de segunda-feira, que a Srª Cláudia Caetano da Silva, impedida de deixar a Rocinha pelos traficantes, entrou em trabalho de parto e teve um bebê no morro.

O Ministro da Justiça, com o desvelo necessário, contabilizou as dez mortes no conflito, entre vítimas de bala perdida, traficantes e policiais. Mas ainda sonolento, só no começo da tarde de segunda-feira determinou ao Secretário Nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, que se pronunciasse. Prosopopético, Miranda conseguiu fazer uma mistura engenhosa de exclusão de responsabilidade, demagogia e aquele velhaco humanismo. Primeiro afirmou que não adiantava bater às portas do Ministério da Justiça e disse que o problema da guerra entre narcotraficantes é do Estado do Rio de Janeiro.

O Secretário foi textual ao excluir a possibilidade da participação das Forças Armadas no combate ao crime organizado. Ao mesmo tempo em que ofereceu a colaboração da Polícia Federal, deu asas ao balão de ensaio da federalização dos crimes considerados graves, para, em seguida, resumir, com compostura e rigor moral, a embromação do Governo Lula: a União vai fazer alguma coisa quando “houver um alto grau de violação dos direitos humanos e ficar caracterizada a impunidade”.

Srªs e Srs. Senadores, ao final da tarde da última segunda-feira, finalmente o Ministro da Justiça deu as caras com ares de sexta-feira da paixão. Tardio, desmentiu Miranda e, como é de hábito, fez uma declaração esterilizada: condicionou o combate do crime organizado ao cerco, à lavagem de dinheiro; mostrou que, no momento, era politicamente correto falar em decretação do Estado de Defesa e aventou a possibilidade da cooperação das Forças Armadas para pôr ordem no morro. E anunciou a liberação de R$ 9 milhões como se estivesse oferecendo ao Governo do Estado do Rio de Janeiro verdadeiro esforço de guerra.

Vamos por parte. O tal objetivo primário de atacar a ponta do ciclo criminoso, com o combate à lavagem de dinheiro, é mero recurso de garganta. O que precisa ser feito em relação à Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro é a dificultação com medidas concretas, desde as privativas de liberdade até infiltração de agentes públicos em organização criminosas, escutas ambientais, etc. e isto o Ministério da Justiça é contra, porque acredita que a cadeia não recupera o delinqüente. Projeto de lei de minha autoria nesse sentido foi apresentado no mês de outubro do ano passado e sequer foi distribuído até a presente data. Sobre a possibilidade de decretação de um Estado de Defesa, é dispensável comentar tamanha estultice. A respeito da cooperação das Forças Armadas no combate ao crime organizado, o Governo Lula é rigorosamente contra - e olhem que patuscada: primeiro, o Governo anuncia que vai ceder quatro mil homens das Forças Armadas para não gerar outra crise aguda de credibilidade. Depois de um ofício do Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, o Ministro da Justiça conduziu à fulanização um assunto de Estado de alta relevância. Mais uma vez o Governo do “Partido das Trapalhadas” se enrola na improvisação, porque não tem interesse de aprovar o Projeto de Lei Complementar do eminente Senador César Borges que disciplina a matéria.

Sr. Presidente, ao anunciar a liberação dos tais raquíticos R$ 9 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública, o Ministro Márcio Thomaz Bastos advogou o embuste com competência tal que acabei por me convencer de que o Governo Lula aprecia se alimentar das perplexidades. De acordo com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), na última segunda-feira, portanto, na data da liberação da vultosa soma, dos poucos mais de R$366 milhões previstos no Fundo Nacional de Segurança Pública...

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª me permite um aparte, Senador Demóstenes Torres?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Com muito prazer, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Senador Demóstenes Torres, clama V. Exª por segurança em nosso País. Vergasta a violência e pede a presença do Governo no cumprimento do seu papel de gestor da segurança nacional. A nenhum agente do Governo é dado o direito de se ausentar dessa responsabilidade. Cabe ao Ministro da Justiça, sim, cuidar da segurança de todos os brasileiros. Mas, se continuarmos da maneira que estamos, inclusive com a agitação permitida no campo, não haverá segurança possível para o povo brasileiro. E nós poderíamos, então, ter essa frase dolorosa: não há destino para a segurança do nosso País. Cumprimentos a V. Exª.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - G0) - Muito obrigado, Senador Edson Lobão. Com a propriedade que lhe é peculiar, vou mostrar a V. Exª um dado estarrecedor. Eu dizia que desses pouco mais de R$366 milhões previstos no Fundo Nacional Segurança Pública, o Ministério da Justiça havia empenhado R$ 1,460 milhão para o Sistema Integrado de Valorização Profissional e pago, acreditem V. Exªs, a quantia R$856,30 até segunda-feira. O Governo Federal gastou, até segunda-feira, 12 de abril, R$856,30 nesse ano com segurança pública! Atualizando os dados, hoje, 15 de abril, o Governo Federal gastou R$1.986,71, com segurança pública.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - Isto não é suficiente sequer para retirar a ferrugem dos revólveres dos agentes de segurança no País.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Pelo menos para limpar uns três revólveres é capaz de dar, Senador Edson Lobão.

Este Governo propôs um novo plano de segurança pública - foi isso que o Presidente Lula prometeu. Se, no ano passado, dos R$390 milhões previstos para a segurança pública, gastou R$111 milhões - quase 30% -, como é que este Governo pode falar em promover a segurança pública se, neste ano, até a data de hoje, Senador Mão Santa, gastou menos de R$2 mil com segurança pública no Brasil? Isso é vexaminoso!

Lá se vai o segundo abril do Governo Lula e a apoplexia administrativa provocada pelo “reunismo” fez com que o Governo Federal executasse até agora 0,0001% do orçamento do Fundo Nacional de Segurança Pública no exercício de 2004. O Ministério da Justiça pensa que não vale a pena investir nas instituições policiais, sob o argumento de que elas são fontes de corrupção e aposta que o brasileiro, por ser pobre, é o grande culpado pela criminalidade violenta. Trata-se de duplo equívoco, enquanto é uma irresponsabilidade imaginar que a união do espetáculo de crescimento econômico com o maior programa de distribuição de renda do mundo, como já aludiu o Presidente Lula, vai gerar segurança pública espontânea. Isso é um verdadeiro absurdo.

Observem que a falta de uma política para o setor já começa a produzir idéias teratológicas, como o tal muro para cercar o Morro da Rocinha. Querem cercar os pobres no Brasil. Não querem resolver o problema da segurança pública. Querem segregar aqueles que estão morando com dificuldade e sofrendo as maiores agruras com relação à segurança pública. Querem fazer com que a sociedade brasileira, além do imobilismo em que já se encontra, seja efetivamente segregada, a parte mais pobre da parte mais rica - algo que não podemos tolerar.

Ao contrário de erguer barreiras, o Brasil precisa derrubar os obstáculos que se interpõem dentro do próprio Estado, para que ele possa desempenhar com denodo, competência e atualidade a tarefa de proteção da sociedade. É preciso, sim, ter coragem para derrubar o muro que separa as Polícias Militar e Civil e erguer uma polícia única. É imprescindível eliminar os obstáculos legais e regulamentar a atuação das Forças Armadas na missão de combate ao crime organizado. É curial demarcar linhas de punição severa para os crimes violentos e que envolvam o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro, a corrupção, entre outros. É preciso reavaliar os critérios do Regime Disciplinar de Segurança Máxima, para que os bandidos ligados ao crime organizado possam pagar pelo que fazem e ter um tratamento absolutamente diferenciado dos bandidos comuns. É urgente o comparecimento da União nas políticas de segurança pública e com o devido preparo, pois, sem a participação financeira, toda atuação será retórica.

Concedo a V. Exª o aparte, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Demóstenes, estou atentamente ouvindo V. Exª falar sobre o País. Agora, acerca do PT, é possível fazer uma reflexão. Não sei se é um partido de tonto ou de tabaréu. Mas, darei um quadro que vale por dez mil palavras, e busco a inteligência do Lobão para nos acompanhar. A ignorância é audaciosa no que se refere aos empregos que estão dando: digamos que o valor médio de remuneração seja de R$4 mil. Deste valor, 20% é retirado para o partido; 27%, para o Imposto de Renda; 8%, para o INSS, totalizando 55%. Restam 45%, o que dá R$1,8 mil. Agora, deste total, ele ainda vai pagar ICMS etc. Antigamente, trabalhávamos um mês para o Governo. Agora, são cinco meses. Está aí o PT, que tirou a burocracia, ao longo dos anos capaz e eficiente, de brasileiros técnicos e aprimorados, concursados, e colocou companheiros e companheiras que levaram a esse Estado que chamamos de “paradão”.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - É verdade. V. Exª fez uma comparação belíssima, porque chegou à conclusão de que R$1,8 mil será mais ou menos o que perceberá o servidor nomeado, que é mais ou menos o que o Governo gastou, este ano, em segurança pública, ou seja, o salário de uma dessas pessoas que efetivamente será nomeada.

Srªs e Srs. Senadores, esta Casa poderia estar realizando a vontade dos brasileiros, elaborando a reforma da Segurança Pública, mas prefere, por conta do rolo compressor, ser paciente da omissão do Governo Federal. Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um documento chamado “Síntese de Indicadores Sociais”, que traz números que dimensionam bem a carnificina à brasileira.

De acordo com o IBGE, entre 1980 e 2000, 2.070.000 milhões de pessoas morreram no País por causas violentas. O número corresponde a quase o total da população do Estado do Amazonas. O resultado é ainda mais estarrecedor quando são demonstrados os indicadores de homicídio. Em 20 anos, 598.367 brasileiros foram assassinados. No intervalo, a taxa de mortalidade teve um incremento de 130% e saltou, na média, de 11,7 mortos por grupo de 100 mil habitantes para 27 por 100 mil habitantes. Para se ter noção de quanto o quadro de violência se agrava e os marginais superam o poder do Estado, na tal “guerrilha” que o Ministro da Justiça mencionou, 62% dos quase 600 mil assassinatos ocorreram na década de 90. No ano de 1991, 52% dos homicídios, entre homens na faixa etária de 15 a 24 anos, ocorreram com emprego de arma de fogo. Já em 2000, os assassinatos com o emprego de armamento representaram 75%. A cada quatro homicídios, três são provocados por arma de fogo. São números que estarrecem, mas certamente não comovem o Ministério da Justiça, que imagina fazer política de segurança pública fritando bolinhos.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/04/2004 - Página 10336