Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Apoio às exigências impostas pelo Presidente Lula ao seu Ministério, conforme divulgado pela coluna de Tereza Cruvinel. Críticas ao Presidente do Banco Central. Percepção de que o Governo deva ter entre seus colaboradores representantes de idéias divergentes.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Apoio às exigências impostas pelo Presidente Lula ao seu Ministério, conforme divulgado pela coluna de Tereza Cruvinel. Críticas ao Presidente do Banco Central. Percepção de que o Governo deva ter entre seus colaboradores representantes de idéias divergentes.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2004 - Página 10453
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, DECISÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXIGENCIA, EFICACIA, ATUAÇÃO, CRIATIVIDADE, MINISTRO DE ESTADO, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, ANTONIO PALOCCI, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), HENRIQUE MEIRELLES, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN).
  • NECESSIDADE, COMPETENCIA, ASSESSOR, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ETICA, CONDUTA, REFERENCIA, GASTOS PUBLICOS, FAVORECIMENTO, INTERESSE PARTICULAR.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXPECTATIVA, MELHORIA, DESEMPENHO FUNCIONAL, EXECUTIVO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, neste final de sessão de sexta-feira, tive a chance de um espaço para dizer que li e reli a coluna Panorama Político, de Tereza Cruvinel: “Lula desinterdita o debate econômico”. Nela, explica com competência a ilustre jornalista que Lula vem tendo alguns debates com seus auxiliares e economistas sobre a mudança da política econômica. Essa questão era considerada como de honra, fechada, em que absolutamente nada poderia ser tocado, mas Lula está vendo o resultado. E, vendo as conseqüências, resolve debater e discutir a matéria.

Tereza Cruvinel informa sobre a reunião convocada por Lula sobre esse tema. O Presidente está exigindo de seus auxiliares maior ousadia e criatividade. Considero correta essa exigência, essa cobrança. O Presidente deve não só exigir ousadia e criatividade de seus assessores, mas cobrar e ameaçar com a demissão. Está indo bem? Está correspondendo, está fazendo aquilo que se espera? Ótimo, continue. Não está fazendo, está decepcionando? Não precisa esperar uma crise, como fez o Governo há pouco tempo, para demitir um Ministro. Demita imediatamente e coloque alguém capaz no seu lugar.

Não há dúvida de que essa mudança precisa ser feita, e logo. O País precisa crescer, gerar empregos, precisa investir na infra-estrutura. A dívida social, herdada ao longo do tempo, chegou ao topo do seu limite. Por isso, a oportunidade desse debate, seguido pela imprensa, liberado pelo Presidente.

A colunista cita dois pontos que poderiam sofrer mudanças. Aliás, falei sobre eles na semana passada, em discurso que fiz desta tribuna, dirigindo-me ao Presidente e achando que esses pontos deveriam ser trocados, alterados, modificados. Acredito que, de forma negociada e sem ruptura, o Brasil poderá debater com os credores internacionais as metas de superávit primário e da inflação. Essas metas de inflação, essas marcas entre o Governo e o Fundo Monetário Internacional, sem briga - repito -, sem ruptura, no entendimento, no diálogo, na explicação e na justificativa, devem ser analisadas e alteradas.

Citei no meu discurso que as manifestações de representantes do próprio Fundo Monetário Internacional, do próprio Banco Mundial e do próprio Banco Interamericano de Desenvolvimento apontam na direção da flexibilização das exigências internacionais sobre as contas do Brasil.

Está provado que os números na Argentina foram um fracasso. No Brasil, que está cumprindo na linha, indo além das exigências do FMI, a economia está sofrendo, o PIB está baixando, de oitava economia descemos para a décima sétima, e o índice de miséria do povo está aumentando.

Então, o Presidente Lula, que, em um ano e três meses, cumpre todas as metas com o FMI, segue à risca todos os pontos, à custa do sangue e do suor da nossa gente, tem autoridade para chegar junto ao Fundo Monetário e às entidades internacionais. Aliás, há poucos dias, o Presidente Lula telefonou para os Presidentes norte-americano e da França, para os Primeiros-Ministros da Espanha e da Inglaterra exatamente para pedir a flexibilização dessas normas do Fundo Monetário para as nações em desenvolvimento. Correta a decisão; deve ser continuada.

Além disso, poderá ser ampliada a velocidade da queda dos juros - o que me parece hoje absolutamente certo. Assim, estaremos favorecendo a produção e o consumo, criando emprego e distribuindo renda.

Não se agüenta mais. Dizer que no Governo Lula os bancos estão ganhando mais do que nos governos anteriores! Dizer que no Governo Lula as taxas de juros dos bancos são superiores às dos governo anteriores! Não dá para explicar. Perdoe-me o Sr. Ministro da Fazenda, mas é algo incompreensível.

Quero fazer um parêntese aqui. Estamos discutindo o salário mínimo. É claro que todos sabemos a importância do salário mínimo para a eliminação da miséria. É claro que sabemos que é inacreditável que discutamos sobre a liberação de bilhões para socorrer empresas endividadas - ainda hoje estamos discutindo a liberação de bilhões para socorrer algumas empresas endividadas que foram privatizadas pelo Governo, O Governo privatizou, e até hoje não se sabe aonde foi parar o governo da privatização. Permitiu-se a entrada de moedas podres, moedas que já não existiam. O BNDES deu empréstimo para que fossem privatizadas, e hoje estão aí, quebradas, não cumpridas as suas metas, e o Governo tendo de entrar para impedir que venham à falência. No entanto, para o salário mínimo não há condições, não há recursos, não há chance.

Nunca fui dos fanáticos apaixonados que lá, no Governo Fernando Henrique, exigiam um salário mínimo espetacular para dificultar, para complicar a vida do Fernando Henrique. Sempre defendi um salário mínimo justo, correto, elevado, mas reconhecia as dificuldades da história do Brasil. Mas não há dúvida de que o Governo tem que parar para pensar no percentual que vai dar ao salário mínimo; tem que conversar mais com o seu companheiro Paim e com a sociedade, para ver que números serão apresentados.

Mas estou nesta tribuna para manifestar meu otimismo ao Presidente Lula, por ter admitido debater a questão da economia no seu Governo. O Sr. Antonio Palloci e o Presidente do Banco Central vêm a esta Casa e ditam normas como se fossem donos da verdade. E olhem que, entre o atual e o último Presidente do Banco Central, que era da equipe de Fernando Henrique, penso que o último tinha mais sensibilidade que o atual. Como nunca foi banqueiro - era apenas um agente a serviço de um grande aplicador de rendas, de dinheiro mundial, de um grande investidor -, era um homem mais competente, mais capaz. Não era um banqueiro. O Sr. Henrique Meirelles, não. Ele alcançou, talvez, o mais alto cargo que um banqueiro poderia alcançar: presidente mundial do Banco de Boston. Ele foi o único estrangeiro, na história de um banco americano, que ocupou a presidência mundial. E fala para nós com aquela frieza, com aquela insensibilidade que caracteriza os homens do Banco Central.

Que bom que o Presidente Lula esqueça um pouco o Presidente do Banco Central, esqueça um pouco o próprio Ministro Palloci e vá dialogar com mais gente, vá discutir com mais gente dentro da sociedade! Apesar do debate e da polêmica que vejo, no fundo, percebo um certo diálogo entre o Presidente Lula e gente do PFL, a começar pelo diálogo com o ilustre Senador Antonio Carlos Magalhães. Vejo, por diversas vezes, notícias de debates, de discussões de antigos Ministros do Governo Fernando Henrique com o Governo do Presidente Lula. Mas não vejo oportunidade, não vejo uma perspectiva de diálogo do Lula com alguns Senadores da Bancada do PT nesta Casa, com alguns Deputados Federais do PT, que não são radicais, mas que compõem o velho PT.

Ontem, houve um jantar solene do nosso Partido, o MDB, tendo à frente o Presidente do Partido, o Líder Renan Calheiros, Líder no Senado, o Ministro das Comunicações, o Presidente da República e alguns de seus Ministros. Debateram, discutiram. Não tenho idéia do que falaram, não tenho a mínima imaginação do que discutiram. Sei que o Senador Renan Calheiros saiu eufórico, dizendo que foi a melhor reunião que já teve com o Presidente e que está tudo acertado, posições etc. e tal.

Não sei o que está acertado, não sei. Se o acerto foi - embora a notícia não mencione - aquela nota que o Partido publicou, modéstia à parte, uma tomada de posição sobre alguns aspectos da economia do Brasil... A Executiva do MDB, com coragem, apesar de o Partido ainda integrar o Governo, elaborou uma nota sobre pontos econômicos, da maior importância e do maior significado, que devem ser alterados.

Não sei se o Dr. Renan Calheiros levou esses pontos para serem discutidos com o Presidente Lula; se levou, fez muito bem, seria essa uma grande oportunidade para o MDB ajudar o Presidente Lula. Se foi apenas para discutir posições, vantagens e cargos, não sei se valeu a pena.

Ouço o Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Senador Pedro Simon, quero confessar-lhe que já estava me dirigindo para o meu carro quando foi anunciada a presença de V. Exª na tribuna. E eu voltei, porque ouvi-lo é aprender de alguma maneira. V. Exª tem uma maneira pedagógica de mostrar os fatos, com a clareza que lhe é peculiar, à Nação brasileira. Lamento que não tenha ninguém do Partido do Governo aqui, nesta manhã. Nós, que somos da Oposição, não precisávamos estar aqui; poderíamos estar na praia, nos Estados, em casa, mas o Governo tinha que estar. Pelo menos um representante governista tinha que estar aqui, para passar para os outros no momento exato o que aqui foi dito. Mas isso tem sido uma constante: durante a semana, estão nos Ministérios discutindo cargos; às sextas-feiras, vão para as bases. E fica aqui este mau exemplo dado à Nação, do desinteresse do Governo. Já não digo que estivesse aqui para se defender - o Governo pode achar que não precisa de defesa -, mas pelo menos esclarecer. V. Exª, Senador Pedro Simon, tem uma preocupação com o Dr. Henrique Meirelles, que também tenho. V. Exª disse bem. Diferenciou o ex-Presidente do atual. O ex-Presidente do Banco Central era uma espécie de corretor de um grande investidor internacional. Veio para cá com uma desconfiança medonha da Nação brasileira, querendo o País todo saber qual o comportamento que ele teria, e, ao longo das suas ações, mostrou que, pelo menos, era um homem bem-intencionado. Dr. Henrique Meirelles, tal qual uma fênix, depois de uma gloriosa carreira no BankBoston, veio para o Brasil vocacionado a entrar na vida pública brasileira. Percorreu vários partidos, inclusive o meu, a princípio como candidato a Presidente da República. Era seu primeiro projeto político. Tivemos, por influência de alguns políticos de Goiás, um encontro com ele no Rio de Janeiro, ocasião em que demonstrava o desejo de ser candidato a Presidente da República; depois Governador de Goiás, Senador e Deputado Federal, salvo engano com 180 mil votos. Imaginem a esperança espontânea que o povo de Goiás depositou nesse homem! E ele, sem exercer um dia sequer o mandato de Deputado Federal, assumiu a Presidência do Banco Central, renunciando, por conseqüência, àquele mandato. V. Exª tem toda razão em relação à desconfiança e ao cuidado que temos que ter com o Dr. Meirelles, embora nada contra ele pese, mas apenas cause estranheza. Senador Pedro Simon, V. Exª, homem observador, detalhista e cuidadoso, que desde o começo divergiu do Governo Fernando Henrique e, em debates, teceu-lhe críticas, uma justiça deverá fazer, tenho certeza. Pelo menos umas três vezes, sei, o Presidente Fernando Henrique mandou convidá-lo para conversar pessoalmente no Palácio. E isso acontecia. Senador Pedro Simon, a grande diferença, no meu modo de ver, é o isolamento em que estão colocando o Presidente Lula. V. Exª conviveu com o Presidente Lula em várias ocasiões, em movimentos históricos no Brasil. Quantas vezes o Presidente Lula o convidou para uma conversa? Não vale cineminha, não vale chá, não vale outro tipo de encontro. Isso vemos de maneira clara. A assessoria de Sua Excelência prestava um serviço à Nação mostrando quantas audiências ele concedeu em um ano e quatro meses a Parlamentares, para ouvir suas reivindicações e os problemas dos Estados. Não vale rega-bofe de palácio, jantares e churrascadas. Falo de conversas como aquelas que V. Exª teve. Recusou-se a participar de algumas, mas conversou com o Presidente Fernando Henrique quando a Nação assim o exigia. V. Exª não mudou de opinião, nem ele. Mas tenho certeza de que o Presidente Fernando Henrique saiu das conversas enriquecido pela experiência de V. Exª. O dever do homem público não é acreditar em tudo aquilo que os seus interlocutores dizem; mas se ele tem responsabilidade, tem o dever e a obrigação de, pelo menos, catalogar e guardar os fatos. Vou falar um pouco do plenário. V. Exª é um homem experiente, cuja biografia todo brasileiro gostaria de ter.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI.) - Senador Heráclito Fortes, peço permissão para interrompê-lo.

Prorrogo a sessão por mais dez minutos ou pelo tempo que V. Exª e o orador da tribuna avaliarem suficiente para terminar o aparte e o pronunciamento.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Vamos admitir que o Presidente da República seja um homem muito ocupado. Mas, até por V. Exª ser de um Partido da base do Governo, quantas vezes o núcleo duro, esses Ministros importantes, as Lideranças procuraram V. Exª para ouvi-lo, para saber por que às vezes V. Exª discorda, por que assina ou não requerimento de comissão parlamentar de inquérito, por que se comporta assim? Essa conversa é natural, normal entre Parlamentares. Alguma coisa errada está acontecendo neste País. Peço a Deus que esteja errado. Às vezes penso que esse pessoal perdeu a esperança e a fé no Parlamento já que aqui ninguém conversa. Senador, as pessoas que têm de conversar todo dia colocam bom-dia e boa-tarde na poupança, como se isso rendesse alguma coisa. Fico triste quando vejo homens públicos de repente guindados a posições transitórias passarem por V. Exª dez ou doze vezes por dia sem sequer lhe dar um cumprimento. Não sabem essas pessoas o que estão perdendo. Tudo vai terminar como a velha canção do Chico Buarque que diz “o tempo passou na janela, e só Carolina não viu”. Espero que acordem a tempo.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço muito emocionado a V. Exª pelo aparte, que coloca uma questão muito importante em debate.

É claro que o Governo tem de ter seu núcleo. O Presidente da República deve ter o Chefe da Casa Civil da sua maior intimidade, o Presidente da República deve ter um Ministro da Fazenda da sua maior intimidade, o Presidente da República deve ter um Líder político coordenando o Parlamento que seja da sua maior intimidade e deve reunir-se várias vezes durante o dia com sua gente. Mas não pode deixar de ouvir o outro lado. Não pode deixar de ouvir, em algum momento, uma pessoa como o Sr. Antonio Ermírio de Morais, que pode pensar diferente dele. Não pode deixar de ouvir uma Liderança parlamentar do seu próprio Partido ou de Partidos adversários na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal com os quais pode colaborar.

O mais interessante, no meu caso, é que eu me identificava com as causas do Lula durante toda a sua campanha. No ano passado debati e defendi as teses de Lula nesta Casa considerando que elas estavam certas e que equivocado estava o Sr. Fernando Henrique. De repente, o Sr. Lula se identificou com as teses do Sr. Fernando Henrique e não deu explicação sobre o que devia ser feito e alterado.

Há pouco, o Senador Antero Paes de Barros falou algo sério daquela tribuna. O Presidente Lula deveria ter alguém que lhe desse o senso do equilíbrio. É um homem humilde, com atividade e caráter. Alguém deveria lhe dizer que não é hora de enfeitar novamente o Palácio da Alvorada, gastando seis meses para fazer reforma. Numa hora em que o Brasil está caindo, em que as casas estão caindo, em que não há nada, é hora de fazer reforma no Palácio da Alvorada? É hora de reformar os jardins, colocando uma estrela no Palácio? É uma provocação ridícula. O Palácio da Alvorada não é sua casa. É a casa do povo. Ele está lá em nome de todos nós. Em nome de nós todos, que faça o escudo do Brasil, uma frase bonita, paz e amor, mas a estrela do Partido? Comprar um avião espetacular e gastar mais uma fortuna para reformá-lo? O maior gasto que ele fez em investimentos foi nesse avião! Alguém tem que falar com ele que o primeiro exemplo que se dá em uma casa em que falta pão é: o pai não vai tomar cerveja no bar da esquina; a primeira coisa que vai fazer é dar pão para os seus filhos. O Presidente da República, que está vendo as pessoas sofrerem, passar fome - vê aumentar os índices da fome, e não aconteceu nada, não saiu do zero - dá-se ao luxo de comprar um avião espetacular e fazer uma reforma de seis meses no Palácio, uma reforma revolucionária nos jardins colocando a estrela do seu Partido. E não conversa, Sr. Presidente, com aquelas pessoas que falam diferente dele.

Veja bem: normalmente, já não é fácil encontrar uma pessoa que tenha coragem de divergir do Presidente da República. O Presidente está lá, está com a caneta, está com todas as vantagens. Por exemplo, no PMDB, a maioria vê com simpatia. Ele chama alguém do PMDB como ontem no jantar. Eu não sei. Eu gostaria de ser uma mosca para estar ali e assistir; para ver se alguém chegou e disse: “Olha, Presidente, as coisas não estão bem. O PMDB não está satisfeito. Os Parlamentares do PMDB e o PMDB no interior... Olha, tem lá aquele Senador Mão Santa, que está batendo, está sendo duro, mas, na verdade, ele tem conteúdo. E o senhor tem que ver que aquele Mão Santa é um homem da maior dignidade, um homem que apoiou e que elegeu o Governador do PT. E que dizia abertamente: Lula para Presidência da República! Defendeu o Lula no primeiro turno, defendeu o Lula no segundo turno. Apoiou um candidato do PT para Governador do seu Estado e chegou aqui cheio de alegria e de felicidade com o PT, com seu Governador e com o Lula. Se hoje ele mudou e está pensando diferente, em vez de dizer: “Não, esse não vai ter cargo; se tem algum, tira”, vamos chamar para ver, vamos discutir com esse Mão Santa”. Se ele era tão racional ontem e se ele está mudando hoje, no que ele está mudando? No que ele está errado? Eu não sei.

Eu vejo a Liderança do Aloizio Mercadante. Considero o Aloizio Mercadante um homem brilhante. Dentro deste Governo é o que está fazendo melhor a sua parte. Aqui na Casa, quase que sozinho, ele está debatendo, defendendo quase o impossível. Mas o estilo do Senador Aloizio Mercante, eu respeito, é um estilo. Mercadante é um homem brilhante, tem uma cultura fora de série, economista dos primeiros, filho de general; é um homem dado a grandes cargos, a posições importantes; um homem ilustre e não um homem de falar, assim, com as pessoas mais simples e sentar-se e conversar. Eu o vejo falando com o Líder do PFL, com o Líder do PSDB, com o Líder do meu Partido, brigando. E faz ele muito bem para aprovar os projetos que vêm do Governo. Agora, não sei se o Mercadante pegou alguns Parlamentares do seu Partido, de outros Partidos e disse: “Vamos agora levar alguém que pensa diferente e vamos conversar com o Lula. Vamos pegar o Jefferson Péres, do PDT; vamos pegar alguém e vamos conversar com o Lula; vamos discutir com ele, juntamente com pessoas que pensam diferentemente”. Quando fui Líder de Governo, fiz isso várias vezes. Cheguei aqui no Congresso, três ou quatro pessoas batiam no Governo; eu as convidei e as levei ao Palácio para conversar, para debater. E o Governo mudou algumas coisas, levado pela palavra de pessoas da Oposição que estavam certas.

Sr. Presidente, fui advogado de júri e sempre trabalhei na defesa. Minha forma de debater é uma forma dura e na tribuna eu sou drástico. Mas estou medindo as palavras, estou medindo as palavras; estou vindo muito raramente à tribuna.

Eu tenho rezado por esse Governo do Lula. Tenho rezado para que Deus o inspire, para que o oriente, o ilumine para que ele mude os rumos de seu Governo e não saia a bater e a gritar. Acho que há tempo para isso. Que bom se o Sr. Lula parasse para meditar, para refletir. Há gente do PSDB, do seu Partido, do meu - o meu tem de montão - , do PFL - no PFL é total -, que agrada todos os Governos e os vê com simpatia. Eu gostaria de citar o nome de alguns Senadores - mas não o farei - que batem nas costas dos Ministros e dizem que as coisas estão muito bem. Nós, quando estamos no Governo, se não nos cuidamos - V. Exª foi Governador, o amigo foi prefeito de Teresina -, gostamos de ver essa gente, que bate nas costas e diz: “Formidável! Mas a coisa está muito boa! É assim!” Às vezes nossa consciência está dizendo: esse cara é um vigarista, porque errei, estou vendo que errei, estou vendo que fiz um absurdo. Não é por aí. Mas há pessoas que no Governo perdem a sensibilidade. Os elogios são tão intensos que elas perdem a oportunidade de ver a verdade.

A mudança foi muito dura, Sr. Presidente. Olha, esse homem que nasceu lá no Nordeste, foi um sobrevivente, pois poderia ter morrido antes de completar um ano de idade - era alto o percentual de morte antes de um ano de vida naquela região -, veio para São Paulo e, abandonado pelo pai, junto com a mãe, viveu na miséria e passou fome até conseguir, com suas mãos e sua competência, um trabalho, ser líder sindical e ir crescendo, esse homem, que não cursou os bancos acadêmicos, hoje está na Presidência da República. Isso é fantástico. Não é à toa que o mundo inteiro olhou com admiração esse fato. Não é por nada que o Brasil nunca teve uma esperança tão imensa, tão extraordinária como teve com a vitória do Lula. Eu achei que tinha chegado a nossa vez. Pensei: ele vai chegar lá com essa humildade que o caracteriza, vai impor um regime de rigidez, vai buscar governar com os mais capazes e vamos caminhar. Eu não tinha nenhuma dúvida disso. Sobre a reforma agrária, o Lula dizia: “Eu preciso ser eleito Presidente, porque eu, Presidente da República, sou o único que tem condição de falar com os sem-terra, de falar com a entidade deles, chegar a um entendimento e fazer a reforma agrária”. E eu achava que ele estava certo. Realmente era isso, e era o que eu esperava que acontecesse. E falando com o líder dos sem-terra numa reunião, eu lhe disse: “Stédile, eu imaginava que, eleito Presidente da República, o Lula o chamaria, e vocês se reuniriam, sem-terra e os líderes de Governo, e ficariam três dias numa fazenda dessas, numa escola dessas em que vocês estão acostumados a ficar, e chegariam a um entendimento. Fariam um esquema da maneira como seria feita a reforma agrária, quantos hectares de terra seriam distribuídos, onde seriam, como seria a reforma agrária. Isso seria feito de maneira ordeira, porque vocês estariam à frente do processo”. A escolha do Ministro da reforma agrária, um homem excepcional, para mim era um exemplo de que era isso que queriam.

O Stédile disse: “Eu também pensei isso. Nós também pensamos isso. E fizemos reunião, mas eles não cumpriram nada do que disseram, não fizeram nada do que disseram”.

Isso disse Stédile na comissão que trata da reforma agrária aqui no Senado Federal. Então, assim não dá. Assim não dá.

Tempo existe para o Lula parar, pensar, refletir. O Lula tem condição de chegar aos Estados Unidos, ir ao Fundo Monetário, ao Banco Mundial e dizer: Olha, não dá para continuar com essa taxa de juros. Não podemos pagar U$150 bilhões de juros. A nossa gente está morrendo de fome. Se eu continuar fazendo isso, até o fim do ano vão me derrubar, vai haver uma rebelião social e não terei condições de me sustentar. É melhor para vocês diminuírem essa taxa. Vamos baixá-la, vamos dar um percentual de 40%, para que eu possa aplicar no social, para que eu possa investir. Assim, o Brasil crescerá, produzirá mais e poderá pagar vocês. Isso é melhor do que haver uma rebelião, caso em que vocês não vão ganhar nada.

O Lula pode fazer isso, deve fazer isso, tem condições de fazer isso. Acho que é por aí que temos de caminhar e não assistir ao que está aí.

Esse negócio do Waldomiro, cá entre nós, é ridículo. Isso é ridículo, repito. Fui Líder do Governo Itamar, quando houve uma denúncia muito mais grave do que essa. Resolvemos na hora, criamos uma CPI, afastamos o chefe da Casa Civil, que depois voltou como herói porque foi absolvido na CPI. Deixamos que provassem tudo que queriam e o que não queriam.

O PT, campeão da ética, impediu a criação de uma CPI, ou melhor, impediu a instalação de uma CPI, lançou uma nota assinada pelo PT, PMDB, dizendo que só vai haver comissão de ética quando a maioria quiser, rasgando a Constituição, que diz que a comissão de ética é um direito da minoria, um terço pode criá-la. Será que o PT não entende que isso abalou a confiança do povo? A querida estrela do PT hoje tem uma mancha, que precisa ser retirada porque senão ficará marcada dolorosamente. Dada a tradição da sua ética, isso é algo que não compete a um partido como o PT.

Mas ficamos assim, Sr. Presidente: a imprensa publica, o Governo não responde, nosso amigo Lula fala como se as coisas estivessem sendo feitas, o que não acontece, e o tempo passa.

Deixo aqui o meu abraço, o meu carinho e as minhas orações permanentes para que o Lula acorde, para que o Lula volte a ser o Lula. Que o Lula chegue lá, vá ver onde está o seu antigo macacão, a sua antiga bermuda, a sua calça Jeans, e saia a caminhar, a respirar, a olhar para o futuro. Que o Lula feche seus olhos e veja seu passado e o que foi a sua campanha e volte a ser o Lula que esperamos. Falam até - eu não acredito - que o Lula colocou Botox no rosto para ter uma fisionomia mais simpática, mais bonita. Eu não acredito, mas quem me disse isso foi alguém do PT. É provável que alguém chegue até ele e lhe diga: o senhor está muito cansado. O senhor precisa ter uma fisionomia mais leve, mais não sei o quê. Esses são os amigos cujas palavras estão sendo ouvidas!

Que o Lula pare para pensar e procure principalmente aqueles que não estão com a vaidade de ter a caneta na mão - Ministros de Estado, salas no Palácio do Planalto. Essa mudança às vezes é muito violenta. Nem sempre estamos acostumados a sofrer mudanças tão radicais. Essa gente do PT que era tão simples, que era heroína, que dava 10%, 20%, 30% do seu salário, que tinha a missão histórica da transformação, hoje é funcionário público, ocupa cargos de confiança e ainda quer mais três mil funções gratificadas. Qual é a diferença entre eles e os anteriores? Cadê a história? Cadê a biografia? Cadê a beleza da luta do PT? Só o Lula pode mudar isso, Sr. Presidente. Só o Lula, virando a mesa e batendo na mesa, pode fazer com que essa gente que está ali maculando a imagem do PT reconheça que esse não é o papel.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2004 - Página 10453