Discurso durante a 38ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à iniciativa da OAB de ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação cuja finalidade é obrigar o Congresso Nacional a instalar comissão para realizar auditoria da dívida externa do País.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA EXTERNA.:
  • Comentários à iniciativa da OAB de ingressar no Supremo Tribunal Federal com ação cuja finalidade é obrigar o Congresso Nacional a instalar comissão para realizar auditoria da dívida externa do País.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/2004 - Página 10468
Assunto
Outros > DIVIDA EXTERNA.
Indexação
  • APOIO, INICIATIVA, ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB), AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), OBRIGAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, INSTALAÇÃO, COMISSÃO MISTA, AUDITORIA, DIVIDA EXTERNA, BRASIL, OBEDIENCIA, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • ANALISE, DIVERSIDADE, FATO, ORIGEM, EVOLUÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA EXTERNA, BRASIL, CONDENAÇÃO, PERMANENCIA, MODELO ECONOMICO, INJUSTIÇA, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, ATENDIMENTO, MERCADO FINANCEIRO, AMBITO INTERNACIONAL, NEGLIGENCIA, SITUAÇÃO, DIFICULDADE, POPULAÇÃO.
  • DETALHAMENTO, DIVERSIDADE, MOTIVO, JUSTIFICAÇÃO, NECESSIDADE, AUDITORIA, DIVIDA EXTERNA, BRASIL.

           O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a imprensa informou ontem que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação para obrigar o Congresso Nacional a instalar uma comissão que realize uma auditoria da dívida externa do País.

           Trata-se, sem dúvida, de uma grande iniciativa de vez que a dívida externa brasileira cresceu de US$148 bilhões, quando FHC tomou posse em janeiro de 1995, para 241 bilhões de dólares, em dezembro de 1999. Esse crescimento de 62% na dívida externa ocorreu mesmo tendo o Brasil pago, entre juros, amortizações e rolagem, mais de US$186 bilhões no período.

           O Presidente da OAB, Dr. Roberto Busato, lembrou que essa auditoria está prevista na Lei 9.882/99. Essa lei, por sua vez, exige que o Congresso Nacional aplique o art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O que diz esse dispositivo? Diz que, no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, que ocorreu em outubro de 1988, o Congresso Nacional deveria promover, por meio de uma comissão mista, uma auditoria sobre os fatos geradores da dívida externa brasileira.

           O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tomou esta importante decisão tendo conta sugestão que foi feita pelo Conselheiro Federal pela Bahia, Dr. Arx Tourinho.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no seu voto, o Conselheiro Arx Tourinho diz que a Assembléia Nacional Constituinte “entendeu indispensável a realização de um exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento nacional, para se ter a compreensão exata da realidade”.

           O Conselheiro Arx Tourinho lembra que essa norma resultou “de destaque, apresentado pelo Deputado Federal constituinte Hermes Zanetti”.

           O Deputado Hermes Zanetti, excelente parlamentar gaúcho, é atualmente o meu primeiro suplente.

           O Conselheiro Arx cita a justificativa apresentada pelo deputado Zanetti, que então dizia: “Entendo que o Congresso Nacional deve realizar uma auditoria, um exame pericial e analítico dos atos e fatos constitutivos da dívida externa brasileira, pois esta dívida não é meramente uma questão financeira e contábil. Ela é, acima de tudo, uma questão política e, por isso mesmo, o Congresso Nacional, como expressão maior da vida política brasileira, deve realizar esta auditoria... Peço a aprovação desta emenda, porque ela também traz no seu bojo a recuperação das prerrogativas do Congresso Nacional. A dívida externa brasileira foi constituída ao arrepio do Congresso Nacional e da determinação do art. 44, inciso I, da Constituição Federal vigente, que determina que o Presidente da República pode assinar atos de repercussão internacional, ad referendum do Congresso Nacional - referendum que nunca buscaram para a constituição da dívida externa alguns dos Presidentes da República durante todo o período sem que a dívida foi constituída.”

           O Conselheiro baiano na OAB acrescenta também no seu voto que, quando se discutia a matéria, no âmbito da Constituinte, o Deputado Federal constituinte Aldo Arantes, hoje Ministro da Articulação Política, declarou naquela ocasião: “Srs. Constituintes, fui membro da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a dívida externa na Câmara Federal durante a legislatura passada. O Congresso perdeu as suas prerrogativas durante a ditadura militar; as Comissões parlamentares de inquérito não tinham a força que deveriam ter num Parlamento democrático; a CPI, sob a direção de companheiros competentes, chegou a identificar questões extremamente graves como as expostas no Relatório Saraiva. Solicitou a íntegra do Relatório Saraiva ao então Ministro do Exército, que não fez questão que esse texto chegasse ao conhecimento da CPI...“ Srs. Constituintes, conhecemos a dimensão da dívida externa brasileira. Sabemos que ela decorre fundamentalmente do aumento exorbitante das taxas de juros no mercado internacional. Também sabemos que o aumento das taxas de juros decorreu da decisão unilateral dos grandes banqueiros internacionais. De tal forma que o Brasil, que em 1968 pagava cento e quarenta e oito milhões de dólares de juros da dívida externa, em 1982 estava pagando onze bilhões de dólares, Sabemos que isso foi fruto da crise do petróleo, e sobretudo do déficit público norte-americano, de medidas adotadas pelos Estados Unidos no sentido de repassar suas dificuldades, suas crises para os países do Terceiro Mundo”

           E diz mais adiante o Conselheiro Arx Tourinho: “A responsabilidade, entregue ao Congresso Nacional, foi impiedosamente afastada por mãos covardes, que se deleitam com uma perversa realidade. Não é aceitável, não é admissível que o próprio Congresso Nacional seja o primeiro a desrespeitar a Constituição brasileira. Aliás, os poderes públicos são os primeiros a violentarem as normas constitucionais, com a prática de um desprezo ilícito, por vezes criminoso, ao Documento máximo que rege a ordem jurídica brasileira.

           A dívida externa brasileira não é algo que deva ser aceito, sem análise adequada e percuciente. Não se pode deixar o povo, sofrendo as conseqüências de uma perversa política econômico-financeira, que privilegia o mercado financeiro internacional, em detrimento da vida de milhares de brasileiros”.

           O Conselheiro da OAB transcreve no seu voto uma declaração do professor Reinaldo Gonçalves, titular de Economia Internacional da UFRJ, que afirma: “A dívida externa é uma forte restrição ao processo de desenvolvimento. Certos modelos econômicos indicam que a poupança externa pode ser um elementos dinamizador da cumulação de capital e do progresso técnico em uma fase inicial. Segundo essa visão, a poupança externa permite aos países atingir estágios mais avançados de desenvolvimento. Nesses estágios, o maior nível de desenvolvimento e de competitividade internacional gerará os recursos externos necessários para o pagamento da dívida contraída na fase inicial. Esse modelo é tão simples quanto irrealista”

           E lembra a defesa de auditoria de dívidas externas de países subdesenvolvidos pedida pelo peruano Oscar Ugartech, responsável técnico pela análise de dívidas, nos governos de Anastácio Somoza, na Nicarágua, e de Fujimori, no Peru, que disse: “ Um tema recorrente na literatura da última década é o das dívidas odiosas e inválidas. O que se constitui, como se reconhecem e o que ocorre com a corrupção? A dívida odiosa é a que foi contratada para subjugar o povo. Está normalmente relacionada ao financiamento das armas que são utilizadas contra a população. Evidentemente, há muito mais problemas além destes e se poderia estendê-los aos créditos que foram tomados com finalidades distintas daquelas para as quais foram contratados, em que o credor teria a obrigação e o direito de saber para onde foram os recursos e como foi feita a intermediação. O problema tem vários aspectos: (a) como se identifica para onde foi o dinheiro?; (b) como se identificam os desvios?; (c) a que tribunal se apela quando se encontram as pistas?O princípio é que a corrupção tem dois lados; um está no âmbito político e o outro no âmbito privado, ou ambos podem estar no âmbito provado.”

           Dez motivos exigem a análise da dívida externa, diz o Conselheiro Arx Tourinho.

           Um: necessidade de conhecer e tornar público o que ocorreu no passado;

           dois: evitar a impunidade de quem cometeu delitos econômicos ou se beneficiou da dívida externa;

           três: ser um instrumento eficaz de denúncia que permita exigir as responsabilidades de quem errou no uso dos recursos públicos, o que será um incentivo para a correta gestão e utilização de qualquer endividamento futuro;

           quatro: oferecer um espaço de segurança jurídica, um ambiente “amigável ao mercado” para todos os interessados em participar ou investir, de modo a garantir que suas operações não têm um risco político, embora para alguns agentes do mercado isto signifique perder um “privilégio político”;

           cinco: desmascarar as avaliações produzidas pelas entidades que se dedicam à classificação de risco. Com freqüência, essas entidades - as classificadoras do chamado “risco-país” - são precisamente as que criam níveis exorbitantes de alarmismo, modificando a percepção dos próprios investidores, governos e instituições internacionais;

           seis: dar um passo imprescindível para superar o Clube de Paris, pois o mesmo se ampara na existência de um contexto de confiança entre todos os países, o que torna válido negociar em um foro fechado e sem personalidade jurídica;

           sete: tornar possível convocar tribunais de arbitragem ou instâncias independentes de resolução de contenciosos sobre dívida; as informações decorrentes das auditorias seriam uma condição sine qua non para esta medida;

           oito: pressupor uma participação cidadã em aspectos cruciais que habitualmente os governos reservam para si mesmos; tratar-se-ia, portanto, de um exercício democrático muito importante tanto para a cidadania como para o país, ao abrir as portas ao povo; marcaria o início de uma nova etapa na vida democrática;

           nove: emitir um sinal, para o exterior, de que o mundo em desenvolvimento dá um basta e não suporá qualquer imposição ou proposta sobre a dívida sem analisar suas contas; seria um indicador de que se chegou a um limite tanto para os governos como para a cidadania; e

           dez: começar um processo que possa resultar em uma redução dos montantes pendentes da dívida, de acordo com o direito, ou seja, não como uma concessão dadivosa dos credores, mas como um ato de justiça”

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é importante lembrar que, no segundo semestre do ano 2000, a CNBB realizou o Plebiscito Nacional da Dívida Externa. Votaram, ao todo, 6.030.329 pessoas ou 5,7% do eleitorado brasileiro.

           Os números: 5.646.862 responderam "não" á manutenção do acordo com o FMI; 5.765.954 disseram que o país não deveria pagar a dívida externa sem antes fazer uma auditoria nela e 5.768.563 responderam que os governos federal, estaduais e municipais não deveriam continuar usando grande parte do orçamento público para pagar a dívida interna aos especuladores.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz incontáveis discursos sobre a questão da dívida brasileira, tanto interna quanto externa. Creio que, enquanto essa questão não for equacionada, estará comprometido o crescimento da economia brasileira. A análise aprofundada da dívida externa certamente nos trará alguma surpresas. Eu gostaria de saber, por exemplo, quantas vezes já pagamos essa dívida, considerando o dinheiro gastamos com juros.

           Estou certo de que o STF fará com que o Congresso Nacional constitua essa comissão mista.

           Aliás, por falar nisso, devo lembrar que se encontra no Supremo um pleito levado por mim e pelo senador Jefferson Péres no sentido de que a Presidência do Senado seja obrigada a indicar os membros da CPI que investigará o caso Waldomiro.

           Trata-se, no fundo, da mesma exigência: fazer com que o Congresso Nacional cumpra com o seu dever, cumpra o que estabelece a lei.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/2004 - Página 10468