Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 19/04/2004
Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Registra eleição de Catarina Guerra em quarto lugar no concurso Miss Brasil 2004. Críticas a denuncia feita por uma índia do povo wapichana contra o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos - OEA, de maus tratos aos indígenas e demora na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, na região da fronteira norte do país.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
CONCESSÃO HONORIFICA.
POLITICA INDIGENISTA.:
- Registra eleição de Catarina Guerra em quarto lugar no concurso Miss Brasil 2004. Críticas a denuncia feita por uma índia do povo wapichana contra o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos - OEA, de maus tratos aos indígenas e demora na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, na região da fronteira norte do país.
- Publicação
- Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10485
- Assunto
- Outros > CONCESSÃO HONORIFICA. POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, MULHER, ESTUDANTE, MEDICINA, ESTADO DE RORAIMA (RR), RECEBIMENTO, PREMIO, CONCURSO, AMBITO NACIONAL.
- CRITICA, INDIO, INEXATIDÃO, DENUNCIA, GOVERNO BRASILEIRO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), MAUS-TRATOS, COMUNIDADE INDIGENA, TENTATIVA, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AGILIZAÇÃO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PREJUIZO, REPUTAÇÃO, BRASIL.
- DEFESA, POLITICA INDIGENISTA, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, DIREITOS, COMUNIDADE INDIGENA, SIMULTANEIDADE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ATENDIMENTO, INTERESSE NACIONAL.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu estava inscrito para fazer uma comunicação inadiável. No entanto, para dar oportunidade à Senadora Serys Slhessarenko, pedi a palavra como Líder.
Para o meu Partido, principalmente em Roraima, é uma honra a notícia que quero dar neste momento. Falo da eleição de Catarina Guerra, uma estudante de medicina roraimense que obteve a quarta colocação no concurso Miss Brasil, realizado quinta-feira passada em São Paulo. Faço este registro como uma homenagem às mulheres de Roraima e às mulheres do Brasil como um todo.
Muitas vezes, julga-se o concurso para Miss Brasil uma futilidade, uma forma de a mulher exibir sua beleza exterior. Como bem disse a candidata colocada em quarto lugar, Catarina Guerra, o importante é registrar que - ela é estudante de medicina - há várias candidatas com nível superior. Esse fato demonstra que a mulher não se impõe só por sua beleza, mas também por suas qualidades intelectuais. Como roraimense, sinto-me muito orgulhoso de fazer este registro.
O meu Estado tem sido manchete nos noticiários nacionais somente, ou na maioria das vezes, por fatos ruins, e essa é uma notícia agradável de comunicar ao Brasil. Também aproveito a oportunidade para parabenizar Catarina e seus familiares por essa importante conquista.
Ao mesmo tempo, Sr. Presidente, peço que considere como lido um pronunciamento que encaminharei à Mesa.
Registro, agora de maneira desconfortável, que outra roraimense, no caso uma índia nascida na Guiana Inglesa, mas que possui documentação brasileira, foi à Organização dos Estados Americanos, OEA, denunciar o Governo brasileiro por, segundo ela, maus-tratos aos índios. Importante frisar, nessa denúncia, que ela foi secundada por uma ONG americana chamada Rainforest Foundation.
Analiso essas questões e quero ressalvar que só no meu Estado, onde essa índia representa o Conselho Indígena de Roraima, existem 32 reservas indígenas demarcadas. O Presidente Lula, depois que assumiu seu mandato, já demarcou cinco reservas indígenas no meu Estado. Portanto, essa é uma denúncia mentirosa, que carece de fundamentos e que macula a imagem do Brasil. Com tal denúncia, pretende-se pressionar o Presidente Lula a demarcar uma reserva no meu Estado, a reserva Raposa Serra do Sol. É lamentável o emprego desses mecanismos, sem levar em conta sequer a imagem do País, podendo até manchá-la, usando, o que é pior, mentiras comprovadamente constatadas.
Encaminho à Mesa o pronunciamento que peço seja dado como lido.
********************************************************************************
SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI
*******************************************************************************
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, inconformada com a demora na homologação das terras indígenas na região Raposa/Serra do Sol, em Roraima, uma índia do povo wapichana apresentou denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA, contra o Governo brasileiro. Com a denúncia, apresentada em conjunto com a ONG americana Rainforest Foundation, a índia Joênia Batista Wapichana - advogada, e não por acaso assessora jurídica do Conselho Indígena de Roraima - CIR, quer que a OEA pressione o Governo brasileiro a homologar rapidamente a demarcação de 1,7 milhão de hectares para os povos indígenas daquela região.
Caso a denúncia atenda aos critérios da OEA, e não havendo uma solução negociada entre as partes envolvidas, o Governo brasileiro pode ver-se na contingência de ter que responder a uma ação na Corte Interamericana de Justiça.
Essa denúncia, Srªs e Srs. Senadores, faz parte de uma grande orquestração que tem por objetivo coagir o Governo brasileiro a homologar as terras indígenas nas condições ditadas por entidades religiosas e ONGs que atuam naquela região. Esses grupos, sob o pretexto de defender os direitos dos índios, pleiteiam que a reserva Raposa/Serra do Sol seja homologada como área contínua, somando nada menos que 1,7 milhão de hectares para cerca de 15 mil índios que ali vivem dos povos Wapichana, Macuxi, Ingaricó, Patamona e Taurepang.
É de se observar, Sr. Presidente, que, entre os próprios índios que habitam aquela área, não há consenso a esse respeito; ou, para melhor esclarecimento, a grande maioria dos índios que ali vivem tem se manifestado, inclusive em plebiscitos, favoravelmente à homologação em ilhas, o que equivaleria a uma redução de aproximadamente 15% da área demarcada. Esse ponto de vista é compartilhado também por representantes das Forças Armadas, empresários, governantes e pela imensa maioria da população civil.
Nenhuma dessas categorias, Sr. Presidente, opõe-se à homologação da reserva. Pelo contrário, o direito dos índios é reconhecido unanimemente pela sociedade roraimense, que, entretanto, questiona os critérios a serem empregados nessa tarefa. Entre outros motivos, a homologação em ilhas evitaria a repetição de erros como o ocorrido na demarcação da área São Marcos, onde índios que já viviam um processo de aculturação relativamente adiantado foram isolados do convívio com os não-índios. No caso da reserva Raposa/Serra do Sol, as comunidades indígenas há muito interagem com o restante da sociedade e não desejam esse isolamento.
O simples e precipitado anúncio da homologação da reserva em área contínua bastou para que a sociedade roraimense se mobilizasse e divulgasse o Manifesto pela Refundação de Roraima. No documento, os signatários criticam a proibição de atividades produtivas em mais de dois terços do território de Roraima, graças a uma “equivocada e míope estrutura jurídico-fundiária que criou áreas de proteção ambiental e reservas indígenas de proporções reconhecidamente exageradas”.
Os signatários, cobertos de razão, acusam ONGs e outras entidades, nacionais e estrangeiras, de promover uma orquestração para colocar interesses escusos acima dos interesses da sociedade e das prerrogativas do Poder Público.
De fato, Sr. Presidente, a homologação da reserva, na forma como pretendem os falsos ambientalistas, privaria o Estado de Roraima de desenvolver atividades produtivas naquela área, o que configura um absurdo, se considerarmos que apenas sete milhões de hectares, dos 22 milhões que perfazem o território de Roraima, são terras livres.
As razões citadas pelas autoridades estaduais, pelos empresários, pelos moradores em geral, aí incluída a maioria dos índios, são corroboradas pelas verificações feitas in loco pelos Colegas integrantes da Comissão Temporária Externa do Senado Federal, constituída com essa finalidade, a qual tenho a honra de presidir, e também pelos Parlamentares que integram comissão idêntica na Câmara dos Deputados.
Após exaustivos estudos, entrevistas, audiências e visitas ao local, o Relator da Comissão nesta Casa, Senador Delcídio Amaral, enfatiza: “Realmente, a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol de forma contínua provocaria dificuldades praticamente incontornáveis para a subsistência dos casais interétnicos formados na área em decorrência da consolidada interação social ali existente”.
Aliás, as dificuldades de integração étnica que ali se observam não ocorrem entre índios e não-índios, mas entre os próprios povos indígenas - mais especificamente, os Ingarikó, que não mantêm relações amistosas com as demais etnias, justificando, nesse caso, a demarcação de um território em separado, e não de forma contínua, como vêm apregoando os falsos ambientalistas.
Em relação às demais etnias e aos habitantes não índios, a demarcação em ilhas não é contestada, e isso foi comprovado pela Comissão Especial desta Casa, como aponta o Relator, Senador Delcídio Amaral: “(...) o que permite a convivência de povos distintos em um hábitat que não dispõe de fronteiras - o que justificaria uma demarcação contínua, em área única - é, precisamente, a identidade cultural, que se reconheceu, na visita desta Comissão Externa, não haver entre as etnias Macuxi, Ingarikó, Taurepang, Wapixana e Patamona. As semelhanças quanto à organização social, aos valores, às crenças e à cosmologia não garantem, por si sós, essa possibilidade.”
Essa constatação encontra amparo também no plebiscito realizado para saber a opinião dos moradores sobre a emancipação do Município de Uiramutã, que fica no território demarcado. Dos 1.096 votantes, 63% do eleitorado local, nada menos que 1.089 foram favoráveis à emancipação do município. Em alguns casos, essa preferência foi surpreendente, como na aldeia Maracanã, em que todos os 40 eleitores inscritos votaram pela emancipação; e até mesmo na vila Socó, onde mora a maioria dos índios ligados ao Conselho Indigenista de Roraima - CIR, 185 dos 222 eleitores votaram pela emancipação de Uiramutã. Cabe lembrar aqui que, das quatro principais associações indígenas de Roraima, a CIR é a única que defende a homologação em área contínua. As demais, Associação dos Povos Indígenas de Roraima, Associação Regional Indígena dos Rios Kinô, Cotingo e Monte Roraima e Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima, defendem a convivência pacífica entre índios e não índios na região.
Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a homologação da reserva em forma de ilhas se impõe tanto pela interação já consolidada entre os índios e os não índios da região, quanto pela possibilidade de o Estado de Roraima, resgatando suas prerrogativas, realizar, lá, um programa de desenvolvimento sustentável que possa melhorar as condições de vida de toda a população.
Além disso, não podemos esquecer as razões que se alicerçam na defesa da soberania, visto tratar-se de uma longa faixa de fronteira, numa região explosiva, que convive com a proximidade de guerrilheiros e de narcotraficantes. Ouvido pela revista Istoé, em sua edição de 14 do mês corrente, Geraldo Cavagnari, Coronel da reserva e membro do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade de Campinas - Unicamp, é peremptório: “Nenhum país do mundo concede soberania a qualquer povo, indígena ou não, numa área de fronteira”.
Em outro trecho, o General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, presidente do Clube Militar, e com a autoridade de quem foi comandante militar da Amazônia, lembra que o Norte “é a parte mais desguarnecida do País”. “Há um enorme vazio, de 1,6 mil quilômetros na fronteira amazônica, sem nenhuma presença do Estado” - assinala.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao encerrar este pronunciamento, quero apelar ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para que não se deixe influenciar por denúncias sem fundamento como a que foi apresentada à OEA - entidade que certamente receberá informações seguras e embasadas do Governo brasileiro. Ao mesmo tempo, peço a atenção e o apoio dos nobres Colegas desta Casa, para que o Presidente da República possa decidir sobre a homologação da reserva Raposa/Serra do Sol com serenidade e na hora certa, de forma a atender à comunidade indígena sem, entretanto, obstruir o desenvolvimento da região, sem engessar a Administração Pública e sem submeter os grandes interesses nacionais aos interesses espúrios de alguns grupos ali atuantes.
Muito obrigado.