Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação em favor do aumento do salário mínimo. Saúda encontro entre Sílvio Santos e Sr. José Celso Martinez Correa, em prol da cultura brasileira, realizado ontem no Teatro Oficina em S.Paulo.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA CULTURAL.:
  • Manifestação em favor do aumento do salário mínimo. Saúda encontro entre Sílvio Santos e Sr. José Celso Martinez Correa, em prol da cultura brasileira, realizado ontem no Teatro Oficina em S.Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10491
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, LUTA, RECUPERAÇÃO, PODER AQUISITIVO, SALARIO MINIMO, ANALISE, BENEFICIO PREVIDENCIARIO, SALARIO-FAMILIA.
  • ANALISE, VANTAGENS, PROGRAMA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, TOTAL, POPULAÇÃO, NECESSIDADE, ATENÇÃO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DO ORÇAMENTO E GESTÃO (MOG), MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTERIO DA PREVIDENCIA SOCIAL (MPS), IMPLANTAÇÃO, LEGISLAÇÃO.
  • COMENTARIO, HISTORIA, TEATRO, BRASIL, REGISTRO, ENCONTRO, SILVIO SANTOS, EMPRESARIO, EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES, JOSE CELSO MARTINEZ CORREA, DIRETOR, DEBATE, REFORMULAÇÃO, LOCAL, ESPETACULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PRESERVAÇÃO, TRADIÇÃO, PATRIMONIO HISTORICO, EXPECTATIVA, PARCERIA.
  • SAUDAÇÃO, PREPARAÇÃO, OBRA ARTISTICA, TEATRO, VALORIZAÇÃO, HISTORIA, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos; Srªs e Srs. Senadores, quero tratar de dois assuntos hoje. Primeiro, uma reflexão sobre a definição do salário mínimo, salário-família e sua relação com a Renda Básica de Cidadania, quando foi instituída, e o próprio Bolsa-Escola e Bolsa- Família. E, como segundo tema, quero trazer o meu testemunho sobre um fato que acredito seja de enorme relevância para a cultura brasileira: o encontro realizado ontem, no Teatro Oficina, entre Sílvio Santos e José Celso Martinez Corrêa, duas pessoas de extraordinária importância na área das comunicações e no meio artístico.

Peço a atenção dos Srs. Senadores e, em especial, a do Senador Paulo Paim, dada a dedicação que tem dispensado a esse tema. Temos acompanhado sua batalha por uma remuneração mais condigna aos trabalhadores brasileiros, inclusive na base de remuneração, que é o salário mínimo. O Senador Paulo Paim tem interagido comigo na batalha em que, há anos, tenho me empenhado pela garantia de uma renda mínima para todos, na forma de uma renda básica de cidadania.

Lemos nesta semana e até nos jornais de hoje que o Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está considerando, além de assegurar um aumento do salário mínimo que recomponha a perda do poder aquisitivo diante da inflação, um pouco mais. S. Exª ainda não definiu o valor, mas considera a proposta do Presidente Lula de dobrar o salário mínimo durante o seu mandato. O reajuste que vai haver agora envolve um passo na direção da meta do Presidente Lula. O Ministro da Fazenda mencionou que considerava aumentar o salário mínimo, a remuneração dos trabalhadores, levando em conta um possível aumento do salário-família.

Seria interessante recordarmos que o salário-família é um benefício previdenciário pago ao trabalhador assalariado e avulso de baixa renda - assim entendido o que percebe uma remuneração de até R$560,81 -, para ajudar no sustento dos filhos de no máximo 14 anos de idade ou inválidos. São equiparados aos filhos os enteados e os tutelados que não possuem bens suficientes para o próprio sustento. Têm direito ao salário-família os trabalhadores empregados e os avulsos. Os empregados domésticos, os contribuintes individuais e os facultativos não recebem salário-família. Para a concessão do salário-família, a Previdência Social não exige tempo mínimo de contribuição.

            O salário-família será pago mensalmente ao empregado pela empresa à qual está vinculado e deduzido do recolhimento das contribuições sobre a folha salarial. Os trabalhadores avulsos receberão dos sindicatos mediante convênio com a Previdência Social.

O benefício será pago diretamente pela Previdência Social quando o segurado estiver recebendo auxílio-doença se já recebesse o salário-família em atividade.

Caberá também à Previdência Social pagar o salário-família para os aposentados por invalidez. Os demais aposentados terão direitos ao salário-família a partir dos 60 anos - mulheres - e 65 anos - homens. O trabalhador rural aposentado receberá o benefício desde que comprove ter dependentes com menos de 14 aos de idade ou inválidos.

O salário-família começará a ser pago a partir da comprovação do nascimento da criança ou da apresentação dos documentos necessários para pedir o benefício.

O pagamento do benefício será suspenso se não forem apresentados atestados de vacinação e freqüência escolar dos filhos. O trabalhador só terá direito a receber o benefício no período em que ficou suspenso se apresentar esses documentos.

Qual o valor do benefício? O trabalhador tem direito a uma quota de R$13,48 por filho ou equiparado. Se a mãe e o pai estão nas categorias e faixa salarial que têm direito ao salário-família, os dois recebem o benefício.

O valor da quota será proporcional aos meses de admissão e demissão do empregado. Para o trabalhador avulso, a quota será integral independentemente do total de dias trabalhados.

Ora, trata-se de uma instituição social importante. Houve uma evolução na legislação brasileira a respeito desse assunto, mas gostaria de ressaltar que o salário-família beneficia apenas aqueles trabalhadores que estão no mercado formal ou naquelas condições que mencionei. Portanto, não estão considerados os empregados domésticos e os que estão na informalidade.

A grande vantagem de termos a Renda Básica de Cidadania, quando estiver plenamente instituída, é que ela significará para toda e qualquer pessoa no País o direito de receber uma renda, na medida do possível suficiente para a sua subsistência, que será um direito inalienável da pessoa humana, o que obviamente poderá significar um aumento importante da remuneração de todos os trabalhadores.

Suponhamos que pudéssemos hoje já instituir a Renda Básica de Cidadania, de forma modesta, a um nível de R$40 por mês por pessoa. Numa família com pai, mãe e quatro crianças, a remuneração significaria R$240. Para o trabalhador chefe de família que fosse o único empregado na família e que tivesse um rendimento da ordem de um salário mínimo pelo seu trabalho, a renda básica de cidadania a R$40 por mês para uma família de seis significaria praticamente o dobro de remuneração, portanto RS480 - R$240 mais R$240.

Todos viriam a receber, inclusive os mais ricos, sim, só que esses, obviamente, colaborariam proporcionalmente mais para que eles e todos os demais viessem a receber. Dessa maneira, teríamos as vantagens significativas de evitar grande burocracia na hora de se querer saber quanto cada um ganha para efeito de receber a Renda Básica de Cidadania, eliminar-se-ia o estigma e, do ponto de vista da dignidade, da liberdade do ser humano, seria muito melhor para cada um saber de antemão que todos passarão a ter o direito de receber o suficiente para suas necessidades vitais, como um direito de todos sermos brasileiros.

Chamo a atenção dos Ministros da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e da Previdência, do Presidente Lula e de todos os que estão pensando a respeito desse assunto, tendo em vista inclusive que a lei que institui a Renda Básica de Cidadania menciona que ela, estando já sancionada, será implementada gradualmente a partir de 2005. Assim, estaremos mais e mais levando em consideração que no Brasil haverá essa Renda Básica de Cidadania, um elemento importante a ser considerado na hora de analisarmos a definição do salário mínimo e dos direitos dos trabalhadores.

Sr. Presidente, eu gostaria hoje de transmitir uma boa nova às minhas amigas e amigos Senadores. Conheci José Celso Martinez Corrêa e o Teatro Oficina na minha adolescência. Quando estudante, fui diretor cultural e presidente do Centro Acadêmico da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e costumava organizar a compra de espetáculos de teatro, seja no Teatro Oficina, seja no Teatro de Arena, seja no TBC, seja no Nydia Licia, seja nos principais teatros de São Paulo. Convidava os professores, os alunos e os funcionários para debater, após os espetáculos, com os diretores, autores e artistas. Vi A Engrenagem, de Jean-Paul Sartre; Os Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki; Galileu Galilei, de Bertold Brecht; Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams e tantos outros espetáculos, como uma peça de Roberto Freire referente aos pegue-e-pague, aos supermercados que se estavam instituindo no Brasil à época. Também houve espetáculos sobre a histórias das favelas no Rio de Janeiro e dos sambas.

Tudo isso faz parte da minha formação. Tenho a convicção de que a abertura de janelas para a verdade da realidade brasileira e de que boa parte da minha formação deu-se freqüentando teatro. Naquela ocasião, tornei-me amigo de José Celso Martinez Corrêa, ator, diretor, autor, principal Diretor e fundador do Teatro Oficina. Hoje com 67 anos, José Celso vem mantendo há algumas décadas uma certa disputa com o Presidente do Sistema Brasileiro de Televisão - SBT, que adquiriu boa parte do grande quarteirão da Rua Jaceguai e adjacências, na Bela Vista e no Bexiga, São Paulo, onde está o Teatro Oficina.

Em 1958, o grupo de José Celso deu início a apresentações de peças num pequeno teatro de uma casa onde antes funcionava um centro espírita. Depois de adaptado pelo arquiteto Joaquim Guedes, o esse teatro viveu anos importantes. Foi nessa época que assisti a peças como A Engrenagem, Galileu Galilei, em especial esta que muito me chamou atenção pela vontade extraordinária de descobrir a verdade, uma tendência humana, que mexia com as pessoas do poder da época. Essas peças me tocaram muito e com elas fui aprendendo.

Em 1967, após um incêndio que destruiu o prédio, Flávio Império construiu um novo Teatro Oficina. Posteriormente, com a perseguição a Sr. José Celso e aos que ali trabalhavam, seguida de seu exílio, foi fechado o Teatro Oficina.

Já de volta, José Celso, Lina Bo Bardi e outros criaram um teatro especialmente belo, que dispõe de uma longa passagem, tendo ao fundo o Viaduto Jaceguai. De um lado, há uma bonita janela por onde entra o sol, seu teto se abre, do outro, estão as arquibancadas, onde o público pode interagir com os atores naquele espaço comprido, o terreiro, onde se desenrolam as peças, como Os Sertões, de Euclides da Cunha. Nesse espaço, centenas de estudantes assistiram a peças como essa, e isso se deve ao mérito extraordinário de José Celso.

Ainda ontem, conversei com Walnice Nogueira Galvão, grande conhecedora, prefaciadora e organizadora da bela obra de Euclides da Cunha, Os Sertões, a quem transmiti o que se passara. José Celso, sem dúvida, tem estimulado os jovens deste Brasil a ler essa extraordinária obra.

Já há algum tempo, vinha pensando em promover um diálogo entre José Celso e Sílvio Santos. Eis que, na quinta-feira, Contardo Calligaris, em carta aberta a Sílvio Santos, sugeriu o encontro do empresário com José Celso.

Há algum tempo, Martinez buscava - já tendo inclusive escrito uma peça sobre o tema - persuadir Sílvio Santos a transformar o Oficina em um teatro de arena, um estádio. Daquela janela, um palco se abriria e o teatro, que antes recebia 500 pessoas, como um teatro grego, abrigaria 15 mil pessoas.

Sexta-feira última, telefonei para Silvio Santos e sugeri o diálogo com José Celso. O empresário me disse que tinha muita vontade de conhecer o Teatro Oficina, que tinha lido um artigo bonito do Contardo Calligaris e aceitaria o encontro.

O encontro aconteceu ontem, às 17 horas. Silvio Santos foi ao teatro guiando o seu próprio carro; chegou às 17 horas em ponto. Lá foi recebido por cinqüenta membros do elenco de Os Sertões, que cantaram a bonita Ave Maria, uma das canções da peça. Por uma hora e meia, José Celso contou a Silvio Santos a história do Teatro Oficina; transmitiu o seu respeito por ter o empresário conseguido, ao longo dessas décadas, fazer com que a televisão também mexesse com as classes excluídas do Brasil. José Celso reconheceu a qualidade artística de Silvio Santos, homem de um poder de comunicação extraordinário.

Os arquitetos contratados por Silvio Santos haviam planejado, para aquele local, um centro de espetáculos, com supermercados, talvez inspirados nas grandes áreas de lazer de centros comerciais que existem em cidades norte-americanas, como Miami ou outras cidades da Europa. Todavia, José Celso, preocupado, declarou que o projeto poderia cercear a bela idéia de Lina Bo Bardi e de sua equipe. Há a preocupação de preservar o teatro, inclusive pelo Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico. Mas, quem sabe, desse encontro de José Celso e Sílvio Santos possa surgir uma boa nova, uma agradável e inesperada surpresa - aquilo que, em inglês, costuma ser dito em uma única palavra: serendipity, que é o dom de fazer descobertas felizes por acaso.

Torço por um diálogo bonito. Emocionado pela música que lhe dedicaram, Sílvio Santos disse aos jovens cantores, atores e atrizes, que “se nas suas próximas apresentações, vocês cantarem com tanto carinho, como estão fazendo, vocês terão o maior sucesso.” Percebi, naquele instante, sua sensibilidade especial. Os atores e atrizes do Teatro Oficina cantaram, especialmente para ele, o enredo da Escola de Samba de Vila Isabel, composto por Flávio Rangel nos anos 70, cuja letra diz: “Eu sou o teatro brasileiro / da vida, o espetáculo verdadeiro”. Silvio Santos, que estava em um dia feliz, se emocionou e, assim como José Celso, qualificou esse encontro como extraordinário, fantástico, maravilhoso, mágico. Silvio Santos brindou, tomou uma água de coco e tudo se deu de uma forma realmente mágica.

Espero que o Ministro Gilberto Gil, da Cultura, o Presidente Lula, a Prefeita Marta Suplicy, o Governador Geraldo Alckmin, o Secretário de Cultura Municipal, Celso Frateschi, a Secretária de Estado da Cultura, Claudia Costin, colaborem para que a audiência de quinhentas pessoas que, às vezes, se repetem, possa ser multiplicada por cem ou mil, assistindo Os Sertões.

Convidados, José Celso Martinez Corrêa e toda a sua equipe embarcarão, em maio, para Alemanha e Itália, onde apresentarão Os Sertões. José Celso ainda prepara a parte final do espetáculo, o Massacre de Canudos, quando 25 mil brasileiros acabaram, como que por um engano de informação, sendo massacrados pelo Exército brasileiro.

Fui condecorado hoje, Dia do Exército, com a Ordem do Mérito do Exército. Fiquei pensando como o Exército brasileiro tem uma vocação para a paz. Espero que o Brasil nunca mais repita episódios como o de Canudos e que a peça de Zé Celso signifique o massacre daquele massacre, para que possamos sempre realizar transformações por meios pacíficos no Brasil.

Então, saúdo esse encontro, que, quem sabe, seja o começo de uma revolução cultural no Brasil. O encontro foi como, Sr. Presidente, Senador Eduardo Siqueira Campos, uma chuva de sensibilidade nos olhos da razão, que poderá ser o início de uma formidável e bela revolução democrática, cultural e pacífica para o Brasil.

Eu gostaria de mostrar a todos as fotos publicadas hoje nos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, com José Celso Martinez, Sílvio Santos, eu próprio, Contardo Calligaris, meu filho Supla, que participou desse encontro e o testemunhou, com as meninas entregando a Sílvio Santos uma das mais belas obras da Literatura Brasileira, em uma edição especial de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

Viva o Teatro Oficina!, viva o teatro brasileiro! E longa vida para esse encontro entre José Celso Martinez Corrêa e Sílvio Santos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2004 - Página 10491