Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao "Dia do Índio". Conflito entre os índios cinta-larga e garimpeiros. (como Líder)

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Homenagem ao "Dia do Índio". Conflito entre os índios cinta-larga e garimpeiros. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10523
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, LEITURA, DOCUMENTO, REPRESENTANTE, TRIBO, DEFESA, HOMOLOGAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), APREENSÃO, AMEAÇA, DIREITOS, TRATAMENTO, ESTADO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • GRAVIDADE, CONFLITO, VIOLENCIA, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RONDONIA (RO), REPUDIO, HOMICIDIO, GARIMPEIRO, CRITICA, GOVERNADOR, INCENTIVO, OCUPAÇÃO, RESERVA INDIGENA, CONTRABANDO, DIAMANTE.
  • DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, ESTATUTO, INDIO, AUTORIZAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, EXPLORAÇÃO, MINERIO, CRITERIOS, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).
  • DENUNCIA, CORRUPÇÃO, SERVIDOR, ORGÃO PUBLICO, SUBORNO, LIDERANÇA, INDIO, CONTRABANDO, RECURSOS MINERAIS.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, confesso que farei um grande esforço para me manter dentro do meu tempo, até porque escolhi um tema que, com certeza, não é muito simples; é, sim, bastante discutido, apesar dos mais de 500 anos do Brasil.

Hoje, 19 de abril, é Dia do Índio. Nesta data, quero ler um documento dos índios:

Às autoridades públicas brasileiras,

Nós, povos indígenas Macuxi, Yanomami, Wapichana, Wai Wai, Guarani, Xucuru, Xucuru-Kariri, Yawanawá, Apurinã, Tupinambá, Xokleng, Kaingang, Xerente, Ingaricó, Terena, Karajá, Xavante, Saterê-Mawé, Tucano, Tapuia, Potiguara, Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Kadiweu, Guarani Kaiowá, Aticum, Kinikinawa, Guato, Kamba, Guana e Tikuna, unidos e presentes no acampamento Terra Livre, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, vimos manifestar às autoridades, ao povo brasileiro e às pessoas de todo o mundo os nossos pensamentos, projetos, sonhos e a nossa luta pela justiça e a defesa dos nossos direitos constitucionais garantidos aos povos indígenas do Brasil.

A terra é a nossa vida, fonte e garantia da sobrevivência física e cultural desta e das futuras gerações. Por isso, é urgente, necessário e legal o cumprimento constitucional da regularização fundiária de todas as terras indígenas no Brasil.

Queremos, nesta manifestação pacífica, afirmar que a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, conforme já demarcada pela Portaria nº 820, de 1998, do Ministério da Justiça, é a forma mais evidente de o Governo brasileiro demonstrar que reconhece seus compromissos com os povos indígenas.

Sabemos que os nossos direitos estão ameaçados por pressão de grupos econômicos e políticos que têm interesse em se apropriar de nossas terras, riquezas e destruir nossas culturas e sociedades e estão organizados de norte a sul do País, ameaçando e violentando nossas comunidades. Esses grupos, além da violência e da mentira, usam da chantagem da barganha política para patrocinar um movimento no Congresso Nacional com o objetivo de mudar os artigos da Constituição que amparam nossos direitos. Se isso vier a acontecer, veremos, no Governo Lula, a abertura de uma porta para o extermínio físico e cultural de todos os povos.

Continuamos sendo tratados com racismo, preconceito e discriminação pelo Estado brasileiro, 500 anos depois da chegada dos primeiros exterminadores. Para muitos, prevalece a máxima “índio bom é índio morto”. Infelizmente, ainda temos que conviver com essa situação, mas a nossa união é um exemplo para todo o povo brasileiro.

Não vou ler todas as reivindicações, mas gostaria de falar sobre isso hoje, até porque a sociedade brasileira tem sido informada - muitas vezes não tão bem informada - sobre pelo menos um dos conflitos no Município de Rondônia. Recentemente, foram encontrados 29 corpos de garimpeiros assassinados nas terras indígenas. Esse número pode chegar ao absurdo de mais de 40! Condeno o assassinato desses cidadãos e manifesto minha solidariedade às famílias deles.

Contudo, é preciso que entendamos o contexto em que o problema está ocorrendo. Há trinta anos, existiam 5.000 índios cintas-largas; hoje, são 1.300. Precisamos computar o número de mortes de ambos os lados. Queremos pacificar os ânimos. Não podemos condenar apenas os índios como selvagens e esquecer que eles estão sendo mortos aos milhares. Na verdade, eles reagiram. Devem ser presos todos os que praticam assassinatos. Apresento aqui a minha manifestação de repúdio aos assassinatos. Aos assassinatos de garimpeiros e de milhares e milhares de índios. Infelizmente, em nossas escolas, muitos se esquecem de dizer que, há 500 anos, quando se chegou à terra Brasil, os índios já a habitavam.

Alguns críticos dizem que se quer muita área para pouco índio - o que considero um desrespeito à cultura daquele povo, que é diferente da nossa. Entretanto, no meu Estado, há milhares e milhares de hectares para um único dono de terra, fazendeiro ou madeireiro; um único dono de terra para milhares de bois. Não é para seres humanos, é para um cidadão obter muito lucro com esses milhares de hectares de terra.

Neste dia, eu não poderia deixar de falar da situação dos cintas-largas. Não me espanta muito a declaração do Governador do Estado de Rondônia, pois ele é um dos incentivadores dessa ocupação ilegal dos garimpeiros, que exploram os diamantes há anos. É preciso que a sociedade saiba que esses diamantes não podem ser comercializados de forma legal, pois são contrabandeados, ou seja, muitos pobres garimpeiros, infelizmente, estão a serviço de grandes grupos econômicos - esses, sim, lucrando milhões com o contrabando dos diamantes.

É necessário regulamentar o Estatuto do Índio e autorizar a exploração da terra. Aliás, a riqueza que está embaixo da terra tem dono. Na nossa Constituição, está explícito que os donos são todos os brasileiros e brasileiras. Nossa riqueza mineral localizada embaixo da terra é da União, e precisa ser regulamentada. Particularmente, sou favorável à exploração dos diamantes, mas que os índios, como proprietários da terra, possam fazer essa exploração junto com o Governo, regulamentada pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Ministério da Justiça, com o apoio da Caixa Econômica Federal.

O que não pode acontecer é o absurdo de se tentar fazer uma verdadeira campanha. Precisamos fazer uma campanha contra a xenofobia que existe em relação aos índios em nosso País e lembrar que todos nós, brasileiras e brasileiros, somos filhos dos índios.

Em março, a Superintendência da Polícia Federal em Rondônia realizou a operação denominada Kimberley, capturando duas lideranças indígenas - reconhecemos, sim, que há lideranças indígenas que, infelizmente, passam para o outro lado, são corrompidas e merecem estar presas -, um advogado, um contrabandista, um agente da Polícia Federal lotado em São Paulo e o delegado de Cacoal, Iramar Gonçalves da Silva, que vendiam armas de fogo para os índios, os quais estão sob a proteção da Funai, aguardando julgamento. Os demais estão presos no presídio Urso Branco, em Porto Velho.

Os diamantes retirados ilegalmente das terras indígenas não podem ser comercializados, pois tal extração descumpre a lei do certificado de Kimberley, necessário à comercialização de pedras preciosas no exterior. O Brasil assinou um tratado internacional de combate ao contrabando de pedras preciosas. As pedras retiradas do chamado garimpo Roosevelt de forma ilegal são contrabandeadas e comercializadas no mercado negro na Bélgica, em países árabes e nos Estados Unidos.

Por toda essa situação, a exploração dos recursos minerais em terras indígenas, seja pelos índios, na realização dos seus direitos constitucionais de usufruto exclusivo dos recursos naturais, seja por terceiros, no entendimento da assessoria do Ministério da Justiça, precisa de regulamentação.

Eu teria muito mais a dizer ao público que nos assiste, ao público que nos ouve, mas vou concluir, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Hoje, dia 19 de abril, é preciso que o povo brasileiro condene qualquer tipo de assassinato.

Quero, mais uma vez, solidarizar-me com a família desses brasileiros e dizer que há trinta anos, por conta dessa invasão ilegal de garimpo na área indígena, mais de três mil índios foram mortos. Nada justifica o que acontece, mas gostaríamos de lembrar que as mortes dos garimpeiros foram contadas, até então, em dezenas; as dois índios, em milhares. Foram exterminados 3.700 índios por conta do garimpo ilegal. Nós conhecemos a realidade dos índios. Eu participei de um acordo feito com os índios, quando ocuparam a ferrovia da Vale do Rio Doce. Sabemos como agem os brancos. Eles dividem as lideranças indígenas, corrompem algumas. Aqueles que lutam pelos seus direitos não têm direito a nada; para a outra metade da tribo, a Companhia Vale do Rio Doce faz tudo. Infelizmente há corrupção nos órgãos públicos. Em 2001, lá em Porto Velho foram presos funcionários da Funai e do Ibama que vendiam licença por dez mil, por dezoito mil, para exploração ilegal desses diamantes, que são contrabandeados. Eles não deixam nada para o povo brasileiro. Nem mesmo são cobrados impostos sobre eles.

Vou concluir, atendendo o apelo do gentil Senador, dizendo que o nosso compromisso é no sentido de que não somente sejam homologadas as terras indígenas, mas que se abra um diálogo e se mantenha um projeto de desenvolvimento sustentável da região dos cinta-largas, a fim de que se dê valor àqueles que são os primeiros donos desta terra.

Não esqueçamos isso, porque essa lição tem de ser dada aos nossos filhos, para que absurdos como esses, para que massacres como esses, não continuem ocorrendo. No fundo, esses pobres garimpeiros e esses pobres milhares de índios morreram, infelizmente, por uma causa injusta. Os garimpeiros morreram a serviço de um grupo que contrabandeia e ganha milhões, porque eles acabam ganhando muito pouco nessa atividade.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é impossível, no Dia do Índio, não deixar o nosso compromisso de fazer uma campanha contra a xenofobia que existe contra os nossos índios, os primeiros e verdadeiros donos do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2004 - Página 10523