Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a participação da Juventude no aumento da violência no País. Homenagem pelo "Dia do Índio".

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre a participação da Juventude no aumento da violência no País. Homenagem pelo "Dia do Índio".
Aparteantes
Mão Santa, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10534
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. HOMENAGEM. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • GRAVIDADE, ATUAÇÃO, JUVENTUDE, TRAFICO, DROGA, ANALISE, CORRUPÇÃO, PODER, CRIME ORGANIZADO, FAVELA, ATRAÇÃO, MENOR, POPULAÇÃO CARENTE, NEGLIGENCIA, ESTADO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, ALTERNATIVA, CIDADANIA.
  • ANALISE, ESTRUTURAÇÃO, PODER, CRIME ORGANIZADO, ARMAMENTO, SUBORNO, AUTORIDADE, POLICIA, ATRAÇÃO, COMUNIDADE, ALTERNATIVA, PROMOÇÃO, JUVENTUDE, CRITICA, INEFICACIA, INSTITUIÇÃO PUBLICA, RECUPERAÇÃO, DELINQUENCIA JUVENIL.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, EXERCITO, ELOGIO, PROTEÇÃO, FRONTEIRA.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, INDIO, PROPOSTA, POLITICA INDIGENISTA, RESPEITO, CARACTERISTICA, TRIBO, REGISTRO, INTEGRAÇÃO, CIDADANIA, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), MAIORIA, OPOSIÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Eduardo Siqueira Campos, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para pronunciar-me sobre um relevantíssimo tema: a juventude e a violência.

Esse tema entrou nas palavras do Dr. Maurício Dalto Costa, em artigo publicado na Internet, uma das mais precisas articulações. Por isso, escoro-me em suas palavras para fazer esse pronunciamento.

Há alguns anos, a sociedade surpreendeu-se ao descobrir que o crime organizado do Rio de Janeiro, como “olheiros”, dando aviso da aproximação da polícia com rojões ou empinando pipas ou papagaios.

Mais tarde, sabendo que o Comando Vermelho havia constituído grupos de adolescentes na faixa entre os 12 e 17 anos, usando-os como “soldados” nos esquadrões de segurança do tráfego, encarregando-os de tarefas antes confiadas aos adultos, tais como a proteção das bocas de fumo, dos pontos de vendas de cocaína, barreiras em ruas e avenidas, patrulhamento das áreas das favelas e o “justiçamento” de delatores e de inimigos e até confrontos diretos com polícias, a surpresa tornou-se uma revolta.

Acirraram-se as discussões sobre a questão da violência juvenil e as possíveis soluções para a mesma, mas essas enveredaram pelo caminho da simplificação inócua: penas mais duras e redução da idade penal. Obviamente, este não é o caminho.

De fato, em uma sociedade em que meninos de oito anos empenham cargos de vigia ou “avião” dos esquemas de tráfico nas favelas e em morros dominados pelos criminosos, recebendo gratificações que chegam a superar os salários mensais de seus pais, o caminho natural dessas crianças é, ao tornarem-se adolescentes, subirem na escala hierárquica do crime, galgando cargos e encargos mais importantes na mesma.

As quadrilhas são, obviamente, parte integrante e preponderante da vida dessas comunidades pobres da periferia, esquecidas pelos poderes públicos, tendo como única presença efetiva dos mesmos naquelas áreas apenas a polícia, com toda carga negativa que esta muitas vezes historicamente representa para essas classes menos favorecidas.

O poder público, em tais regiões, parece isentar-se de seu dever como agente cooptador de recursos, de programas sociais, obras de infra-estrutura, dentre outras, deixando brechas sociais que são aproveitadas pelas organizações criminosas para atuarem nessas comunidades como benfeitores, suprimindo uma responsabilidade do Estado. Nestas, graças à astuta e calculada atitude adotada pelos dirigentes, o jovem favelado encontra dinheiro, fraternidade, respeito e ascensão social no ambiente onde vive, tornando-se “alguém” na sociedade local, embora para a sociedade em geral passe a ser um marginal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crença de que o controle do crime organizado sobre as comunidades onde se instala é baseada apenas na pressão e intimidação que exerce com o seu poder armado é fácil e cômoda, mas não é verdadeira.

Embora realmente conte com um grande “poder de fogo”, constituído por armamentos modernos e de alta qualidade, dificilmente superado ou até mesmo igualado pelas organizações policiais e de uma tropa paramilitar considerável - estima-se que no Rio de Janeiro, onde finalmente se admite a existência de um “governo paralelo”, que apenas o Comando Vermelho possua 12.500 homens com armas, defendendo seus mais de dois mil pontos de venda - o crime organizado arrima-se em outros dois elementos tão ou mais importantes que a força armada, para determinar a supremacia criminosa.

O primeiro, o poder corruptor, cuja força e atividades são conhecidas há séculos, agindo sempre como um “quinta coluna” dentre as hostes do combate ao crime, e que põe em xeque todo o aparato político-policial-judicial do Estado e a própria sociedade, agindo de maneira silenciosa e subterrânea, criando áreas de impunidade e invulnerabilidade.

Deve-se entender como corrupção não apenas o suborno em espécie, a propina que o traficante distribui a alguns políticos, policiais ou juízes para facilitar sua liberação ou dos seus comparsas, mas também o favor que é feito ao morador do bairro, a praça de esportes doada à associação do bairro, as festas e bailes, a ajuda para comprar o gás, a cesta básica ou o caixão. Esta corrupção social apresenta-se, realmente, como o pior tipo de corrupção, pois, enquanto na outra se compra e corrompe apenas o individuo, afasta-se o escrúpulo e a honestidade pessoal, nesta se corrompe e se compra a própria sociedade com a propina do benefício à comunidade, que assim é levada a compactuar com a organização criminosa e a aceitar seus chefes e membros como benfeitores e cidadãos exemplares. Torna-se praticamente cúmplice dos criminosos.

O segundo trata do componente social, esquecido quase sempre nas ruas, sobremaneira importante para a composição e de proteção da comunidade ao bandido. As quadrilhas nascem no seio dessas comunidades, e “soldado”, o “olheiro”, o “gerente da boca”, até o próprio chefe do tráfico na área, são filhos, irmãos,namorados, maridos ou tem qualquer outro grau de parentesco com alguém da favela e amigos também, geralmente têm sido criados na mesma, e sendo modelo de inspiração para os mais novos.

Ora, a ascensão social através do mundo do crime é o caminho, aparentemente fácil e certo que se apresenta para o jovem favelado, socialmente excluído para a sociedade de consumo, do chamado “mundo o asfalto” e os chefes das organizações, reconhecendo o valor deste sangue jovem procura incentivá-los e iludi-los, com a demonstração do status de que desfrutam na comunidade, o poder que exercem de maneira absoluta, determinando a vida e a morte e, principalmente, o usufruto das benesses do consumo capitalistas.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, eu gostaria de participar deste tema.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Ouço V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Augusto Botelho, traz V. Exª um tema da atualidade, mas quero dar uma colaboração. Entendo, Senador Arthur Virgílio, que isso tudo é falta de Governo. E não sou eu, não. O teórico hoje mais aceito no mundo soube entender política, é Norberto Bobbio, que faleceu recentemente. Foi reconhecido que ele era um dos Parlamentares vitalício do Senado italiano. Ele disse claramente, Senador Arthur Virgílio, no seu último livro, Teoria Geral de Política, que o mínimo que se tem de exigir de um governo é a segurança - segurança à vida, segurança à liberdade e segurança à propriedade. Este Governo não está garantindo nada, nem segurança à vida, à liberdade e à propriedade. Há poucos instantes, vimos o Senador Leonel Pavan denunciar o direito de propriedade de uns empresários idôneos, que deveriam ser homenageados, ser atingido em Santa Catarina. Trata-se dos irmãos Klabin. Nós os conhecemos no Piauí, onde eles têm investimentos, uma fábrica Vegetex, que extraía a pilocarpina do jaborandi e fazia o medicamento que dilata a pupila e trata do glaucoma. Eles também desbravaram a carcinocultura no litoral piauiense. São empresários desse porte que não têm também proteção. E o Presidente da República está nessa lista dos cem. Garanto que ele ganhou também entre os dez piores Presidentes da história do mundo.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Concedo o aparte ao Senador Tuma, quem mais entende de segurança no Senado.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Eu não entendo, não, e estou desaprendendo com o que vejo ocorrer, Senador. V. Exª traz um tema que é praticamente um Raio X médico, se assim posso dizer, diante do aparte do Senador Mão Santa, do que ocorre com a nossa juventude. É claro que o que está ocorrendo no Rio de Janeiro é um pólo irradiador para os outros Estados. Que os outros Governadores não se acomodem, porque a situação é grave. Com o crescimento do tráfico de drogas, com a fragmentação violenta do varejo e com a disputa dos pontos de venda de drogas, cresceu uma guerra. Como dizia o Prefeito Cesar Maia, os traficantes não estão utilizando armas pesadas para matar alguém na rua, mas para utilizar numa guerra civil, a fim de decidir quem vai tomar conta do ponto. Utilizaram crianças durante um grande período, pela inimputabilidade que têm. Hoje essas crianças crescem no meio do tráfico e aprendem. São pombos-correios, entregam drogas e avisam aos traficantes quando a polícia entra no morro. Futuramente, tranqüilamente substituirão os chefes, porque isso é automático. Quando houve repressão dos grupos subversivos, eles foram presos nas mesmas cadeias dos criminosos comuns, ensinaram a estratégia de trabalho de substituição de chefe e uma série de outras coisas. Em São Paulo, fizeram um presídio especial chamado Romão Gomes, mas, no Rio de Janeiro, houve esse trabalho. Ao longo dos anos, esse aprendizado trouxe uma estratégia muito forte ao crime organizado. Lidam com varejo, mas com grande quantidade. Muitos compram drogas no morro. Como V. Exª diz, a boca de fumo é disputada a tiro, porque o retorno econômico-financeiro é grande. É claro que o bandido não tem uma estrutura como a máfia ou um cartel, que se utilizam do lucro para aproveitar os prazeres da vida. O traficante sabe que não vai viver até 24 ou 25 anos e, então, gasta quase que imediatamente o lucro. Ele faz pelo prazer de ter aquele dinheiro, para conquistar uma menina do morro, para ter um carro de luxo, para qualquer coisa assim. Essa juventude tem de ser afastada desses grupos de traficantes. Houve uma tolerância exagerada. Vamos dizer que houve uma tolerância estratégica, como disse o Ministro, que me assustou, em alguns comportamentos de ferir a legislação. O Senador Líder do PSDB sabe do que falo. A tolerância exagerada em não se cumprir a lei traz a desobediência civil - V. Exª foi Governador e sabe disso. Tendo crescido o enfrentamento e tendo sumido a presença da autoridade, é muito difícil reverter o processo. Essa juventude começa a ver, nesses marginais, heróis, e não o policial ou o governante. O seu herói é o traficante que lhe garante, às vezes, uma assistência que o Estado lhe nega.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado.

Sr. Presidente, peço que o meu discurso seja transcrito na íntegra.

A prática tem demonstrado que a permanência do jovem nessas instituições de recuperação é tão inócua quanto a pretensão de que as mesmas sejam locais de “reeducação”. Tais instituições são ineficazes, face às costumeiras carências de infra-estrutura, próprias da administração pública, para o fim a que deveriam se destinar, tornando-se, de fato, meros “depósitos humanos”, que servem apenas para que os jovens sejam “educados” e “aperfeiçoados” no crime, enquanto aguardam sua volta às ruas.

Vou encerrar porque o tempo já se esgotou, para dar chance a outros de falarem.

Antes, lembro que hoje é o Dia do Exército Brasileiro, mas ninguém mencionou a data. No meu Estado, o Exército é muito importante, pois garante as nossas fronteiras. Quando falo em Exército, lembro o Marechal Rondon, brasileiro que mais fez pelos índios. E hoje também é Dia dos Índios.

Proponho que a nova política indígena a ser adotada neste País respeite as características de cada etnia, de cada grupo indígena, sem estabelecer uma medida geral para todos os índios. É fundamental analisar o que eles querem. No meu Estado, a maioria dos indígenas sabem o que querem; não precisam de um antropólogo, de um político ou de qualquer pessoa para dizer o que desejam.

Os meus irmãos índios de Roraima, os macuxis e wapixanas, estão num estado de aculturamento que não precisam de ninguém para falar por eles. Há 60 professores indígenas nas universidades, e 18 ingressaram na universidade por mérito próprio. Eles querem água encanada, luz elétrica, hospitais, asfalto e todas as benesses da sociedade.

A maioria dos indígenas do meu Estado não quer a demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol como pretende a Funai. Se a Funai assim o fizer, tenho certeza de que haverá conflitos étnicos e mortes no meu Estado, que serão de responsabilidade do Presidente da Funai, do Ministério da Justiça e do Presidente da República, pois todos sabem que não se pode agir conforme deseja a Funai. Devem ser ouvidas as pessoas que vivem no local e respeitados os direitos dos pequenos proprietários que também vivem na região. No meu Estado, nunca foi reassentado um produtor rural retirado de sua terra para transformá-la em área indígena. Mais de quatro mil famílias de Roraima passaram por essa situação que também ocorrerá em Santa Catarina e em Mato Grosso.

Muito obrigado.

 

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SEGUE NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SR. SENADOR AUGUSTO BOTELHO.

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2004 - Página 10534