Discurso durante a 39ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a terceira Conferência da Amazônia realizada entre os dias 2 e 4 de abril em Porto Velho-RO.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Considerações sobre a terceira Conferência da Amazônia realizada entre os dias 2 e 4 de abril em Porto Velho-RO.
Publicação
Publicação no DSF de 20/04/2004 - Página 10551
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), CONFERENCIA, REGIÃO AMAZONICA, PARTICIPAÇÃO, REPRESENTANTE, GOVERNO, SOCIEDADE CIVIL, BUSCA, PROJETO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • IMPORTANCIA, GARANTIA, SOBERANIA NACIONAL, UTILIZAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, APROVEITAMENTO, RECURSOS FLORESTAIS, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, INVESTIMENTO, INFRAESTRUTURA, BENEFICIO, COMUNIDADE, CONTROLE, IMPACTO AMBIENTAL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, CONFERENCIA, REGIÃO AMAZONICA, DEFINIÇÃO, PRIORIDADE.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, com participação de mais de 600 delegados, agentes públicos e ativistas dos movimentos sociais da Amazônia que atuam nos Estados de Rondônia, Pará, Amazonas, Roraima, Acre, Tocantins, Amapá, Maranhão e Mato Grosso foi realizada na cidade de Porto Velho a III Conferência da Amazônia, evento que diferente das edições anteriores apresenta importância redobrada.

Isso porque, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, somos agora militantes do mesmo projeto de transformação social. Governo Federal e representantes da sociedade civil organizada comungam do mesmo esforço para consolidar na Região Amazônica um modelo de desenvolvimento que privilegie a utilização racional da rica biodiversidade, o potencial e as experiências da população tradicional e povos indígenas, um modelo que consagre a exploração econômica descartando a política de terra arrasada que beneficia uma minoria em detrimento da maioria, um modelo que deixe de focalizar a Amazônia como um território exótico, intocável, passando a focalizar as necessidades do trabalhador da região, instrumentalizando-o a ter benefícios a longo prazo advindos da capacidade de usufruir os bens naturais com eficiência.

Não se trata de um sonho, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores.

Existem muitas experiências positivas, acalentadas e implementadas pela força dos movimentos sociais, com o apoio de agentes públicos sensíveis e antenados ao novo tempo, e que inclusive foram discutidas nesta III Conferência.

Muitas destas experiências são referências mundiais. E se não são cópias perfeitas para todas as regiões das diferentes Amazônias que conhecemos, consagram princípios em comum, princípios que passam por admitir uma vocação econômica orientada a partir dos recursos disponíveis em todas as Amazônias e centralizar sua produção mediante as organizações de trabalhadores antes excluídos de qualquer ciclo produtivo-econômico, entregues à própria sorte na floresta ou a intermediários e aventureiros representantes da cobiça internacional.

Entregues também, é preciso que se diga, a detentores de capital nacional que alimentam suas indústrias no Sul e Sudeste com os abundantes recursos extraídos da Amazônia.

O mundo reconhece na Amazônia brasileira a existência de um estoque natural capaz de gerar riquezas materiais incalculáveis. E parte deste mundo, refiro-me aqui aos países desenvolvidos, há anos, vem usando as matérias-primas da Amazônia para propiciar o consumo desenfreado que sua sociedade exige.

Se nossas matérias-primas são saqueadas e processadas lá fora, para riqueza de outros habitantes do Planeta, por que não podemos processá-las para o bem do povo da Amazônia, a bem do povo brasileiro?

Devemos continuar permitindo os saques e, mais grave, continuar permitindo que dirigentes políticos compartilhem disso, aclamando direta ou indiretamente políticas que insistem na manutenção de projetos imediatistas, claramente predatórios e excludentes ?

Para essas perguntas, a Amazônia responde:

Não, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores.

O sonho da Amazônia de ter lugar de destaque no projeto nacional de desenvolvimento está em acelerada discussão, e ele não está dissociado de um projeto nacional que busca a afirmação das identidades locais, sob pena de continuarmos subjugados cultural e economicamente.

Esse sonho precisa, entretanto, ganhar a dimensão merecida pelos que vivem na Amazônia, território que abriga um quinto da água doce do Planeta.

Precisa ganhar apoio da sociedade brasileira, que desconhece a vida de trabalho árduo dos ribeirinhos, pescadores, extrativistas, das mulheres e homens das nações indígenas, dos pequenos agricultores, dos seringueiros, dos que vivem nas cidades enfrentando as mesmas dificuldades dos grandes centros urbanos.

É inadmissível, nos dias de hoje, a extração do açaí como há cem anos. A Ciência e Tecnologia precisam amparar o homem amazônida, e não temos dúvida do compromisso do Governo Lula em direcionar investimentos para isso, em manter sua parceria com os movimentos sociais que enorme contribuição estão a oferecer para a construção do Programa Amazônia Sustentável, o PAS, cujo arcabouço conta com a participação ativa de diversos Ministérios.

A importância desta III Conferência da Amazônia em relação às anteriores reside justamente na inédita circunstância de que hoje o Estado brasileiro legitima os movimentos sociais como interlocutores, e, numa demonstração de espírito republicano compareceram à Capital de meu Estado quatro Ministros, dirigentes de empresas públicas e de instituições financeiras oficiais, convidados pela organização do evento.

Todos, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, além dos diversos Parlamentares Federais que lá estiveram, compreendem que as peculiaridades da Amazônia não são problema ou obstáculos para inseri-la no projeto de desenvolvimento nacional.

Todos reconhecem a importância dos grandes projetos de infra-estrutura, os que se desenham particularmente no campo da energia, como as hidrelétricas do rio Madeira, mas sem abrir mão de discutir com as comunidades afetadas, e executá-las com responsabilidade social e ambiental.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, embora com papéis estratégicos diferentes, quero reafirmar que o Governo Federal e movimentos sociais da Amazônia estão conscientes de que a soma, a união de esforços, possibilitará a transformação social que precisa ser feita na região.

Quero deixar registrado, nos Anais do Senado, a Carta de Porto Velho, documento produzido pela III Conferência da Amazônia, e que traduz o espírito da vontade de se construir o novo, de se firmar a idéia de que a diversidade é bem-vinda, a desigualdade, não.

Esse documento, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, enumera as prioridades das ações na Região Amazônica, desafios que devem merecer nossa energia a cada dia do ano. Essas prioridades são:

- Os investimentos em infra-estrutura precisam ser precedidos de Ordenamento Territorial e Plano de uso econômico diversificado, que distribua oportunidades e internalize riqueza no âmbito das comunidades locais;

- Combate prévio aos impactos negativos: coibindo a grilagem, a violência no campo, principalmente com a regularização fundiária, o desmatamento, as monoculturas e a concentração de terra e renda;

- Articular estratégias de Desenvolvimento Local, através de Arranjos Produtivos econômico-sociais que organizem a sociedade local tanto para a melhoria do abastecimento, da eletrificação, do Zoneamento Ecológico-Econômico, com ênfase no ordenamento e regularização das Unidades de Conservação, quanto do saneamento, da educação, da saúde e da segurança pública.

- Estabelecer um peso regional que compense a demografia como critério dos investimentos públicos, principalmente os de saúde, educação e proteção ambiental - inclusive na distribuição do FPE - Fundo de Participação dos Estados, como incentivo às iniciativas que somem para a sustentabilidade do desenvolvimento.

A questão urbana merece prioridade. Como traduzir o avanço dos conceitos da sustentabilidade a partir do rural para as cidades, sem separar campo e cidade? Como criar estratégias de integração entre a Produção Familiar Rural e a Economia Popular e Solidária que pulsa vigorosamente nos centros urbanos da Amazônia?

O resgate do Planejamento Estratégico Regional como mecanismo participativo, técnico e político que estabeleça critérios concretos para a convergência de políticas públicas e dos investimentos privados é fundamental. A criação da Nova Sudam, consolida esta perspectiva.

O novo papel da Suframa e do Basa, em complementaridade com o BNDES, o BB e a CEF, deve estabelecer um perfil de financiamento do desenvolvimento na Amazônia que oportunize investimentos em infra-estrutura pública e esteja acessível a todos os segmentos econômicos, inclusive à Produção Familiar Rural e a Economia Popular Urbana, antes excluídas.

A reforma agrária “amazônica”, por meio de assentamentos florestais, flonas e demais Unidades de Conservação, apoio à exploração agroflorestal de assentamentos tradicionais - para recuperação de áreas já devastadas - com o apoio de instrumentos como o Proambiente, precisa se estabelecer como referência unitária para o conjunto das iniciativas do governo federal na região.

O incentivo à Ciência e Tecnologia é incontornável para fazer da biodiversidade riqueza efetiva e viva que flua nos processos de estruturação econômica e sócio-cultural sustentável desde as comunidades até às plantas industriais de envergadura.

            Quanto às grandes intervenções que se colocam no curto e médio prazos, destacamos a necessidade histórica e urgente da homologação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Da mesma forma, o projeto de desenvolvimento sustentável em torno da BR-163 deve garantir o equilíbrio entre os investimentos específicos de infra-estrutura e os investimentos sócio-ambientais. Quanto às Hidrelétricas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau -Complexo do Madeira, Gasoduto de Urucu e às Hidrovias, é preciso acelerar o processo de diálogo envolvendo o conjunto de setores interessados para que em torno de dados e proposições concretas se tomem decisões fundamentadas e adequadas aos anseios das comunidades amazônicas.

Por fim, destacamos que, tão importante quanto, e compondo as políticas estruturantes do novo modelo de desenvolvimento econômico e sócio-ambiental, está o Fome Zero, o Primeiro Emprego, a Bolsa Família, Moradia, Saneamento, Educação, Saúde, Crédito Popular e Assistência Técnica. Sem essas iniciativas em estratégica articulação com as comunidades e municípios, tanto pela participação quanto pelo controle social, necessários para evitar desvios, o desenvolvimento não se completa como dimensão concreta da melhoria da qualidade de vida da maioria do povo.

Quero parabenizar a todos que se envolveram na realização desta III Conferência, e agradecer especialmente à Fundação Perseu Abramo e seu presidente, Hamilton Pereira.

Desejo ainda agradecer aos governadores que prestigiaram e deram sua contribuição ao evento, à Eletronorte, Furnas, Basa, prefeituras de Porto Velho, Macapá e Belém e ao Instituto Luterano de Ensino Superior de Porto Velho, Ulbra, pelo imprescindível apoio.

Com receio de pecar pelo esquecimento, deixarei de nominar todas as organizações e entidades que atuam nos Estados da Amazônia e que abrilhantaram com sua vivacidade e maturidade o transcorrer dos dias da Conferencia. Minha especial deferência a todas elas, protagonistas de uma nova atitude, de um novo fazer na Amazônia, com inclusão social e responsabilidade ambiental.

Muito obrigada.

            Era o que eu tinha a dizer.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª. SENADORA FÁTIMA CLEIDE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento

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Matérias referidas:

Requerimento para que seja dado como lido o discurso Conferência da Amazônia

III Conferência da Amazônia - Carta de Porto Velho.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/04/2004 - Página 10551