Discurso durante a 42ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da fixação do número de vereadores em cada município.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da fixação do número de vereadores em cada município.
Aparteantes
Alberto Silva, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2004 - Página 10877
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • COMENTARIO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE), REGULAMENTAÇÃO, CRITERIOS, NUMERO, VEREADOR, MUNICIPIOS, CRITICA, PRAZO, PROVIDENCIA, PROXIMIDADE, ELEIÇÃO MUNICIPAL, SOLICITAÇÃO, JUSTIÇA, ANTECIPAÇÃO, NORMAS.
  • DEFESA, DEBATE, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, REDUÇÃO, NUMERO, VEREADOR, EXPECTATIVA, AGILIZAÇÃO, TRAMITAÇÃO, MATERIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, RESPEITO, PRAZO, ORGANIZAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, VALORIZAÇÃO, MUNICIPIOS.
  • CRITICA, CONCENTRAÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, GOVERNO FEDERAL, SUSPENSÃO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, EMENDA, ORÇAMENTO, ATENDIMENTO, MUNICIPIOS, DEFESA, DESCENTRALIZAÇÃO, REFORÇO, FEDERAÇÃO, NECESSIDADE, COMBATE, MIGRAÇÃO, REGIÃO METROPOLITANA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje analisarei uma questão que vem sendo veiculada na imprensa desde que o Supremo Tribunal Federal decidiu estabelecer critérios para o número de vereadores em cada Município.

Sr. Presidente, deveria haver uma regulamentação entre o mínimo de nove vereadores e o máximo de vereadores por Município, porque, realmente, entre o mínimo e o máximo havia uma variedade de interpretações locais que permitia, por exemplo, que um Município, num Estado “A”, tivesse 11 vereadores, e um Município com igual número de habitantes, no Estado “B”, tivesse nove vereadores, o mínimo atualmente estabelecido pela Constituição.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, veio no momento em que os partidos já estão preparados para as convenções, que serão realizadas em junho. Portanto, todo o planejamento para as eleições já foi feito: o recrutamento, a mobilização de candidatos, a lista com o número de candidatos por partido, de acordo com o que é permitido em cada Município. Embora salutar, essa decisão veio em um momento errado, porque a própria legislação eleitoral diz que qualquer alteração deve ser feita um ano antes da eleição. Realmente, isso causou tumulto na vida partidária nos diversos Municípios do País.

Não estou advogando que o número de vereadores deva permanecer o mesmo. Acredito que deva haver critério por faixa de número de habitantes. A proposta da Câmara dos Deputados é importante, mas discordo em um ponto: a redução de nove para sete no número mínimo de vereadores por Município. Está-se mexendo numa situação que estava cristalizada, até porque nove é um número que impede que haja domínio de grupos políticos ou de arranjos em determinados Municípios.

No entanto, a Câmara dos Deputados propõe um critério mais justo, pois embora reduza o número geral de Vereadores, estabelece faixas mais compatíveis do que aquela estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal e, repito, adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Essa matéria não deveria ser alterada em um ano eleitoral, a poucos meses das eleições, a menos de dois meses das convenções partidárias. Entendo que isso causou, realmente, um trauma na vida político-partidária e mexeu na vida dos Municípios.

Fico preocupado, Sr. Presidente, com o fato de que se leva pouco em conta a vida dos Municípios, a sua população, os vereadores e os prefeitos, como se o Município fosse o lugar onde se fazem as piores bandidagens do País. Na verdade, as maiores falcatruas neste País ocorrem em nível federal. Sempre foi assim, muitas vezes, inclusive, envolvendo prefeitos de pequenos ou grandes Municípios, como recentemente ocorreu em São Paulo.

É preciso que tenhamos tranqüilidade. A Câmara está fazendo essa votação. Espero que a matéria venha rapidamente ao Senado, para que possamos dar o mínimo de tranqüilidade aos Municípios brasileiros, aos vereadores que são candidatos à reeleição, aos novos postulantes a vagas de vereador, de forma que haja a valorização dos Municípios.

Somos uma Federação ao inverso. O Município é pouco valorizado no País. A polêmica começa quando, ao exercermos aqui o nosso direito legal e legítimo de apresentar emendas parlamentares, a imprensa diz que isso é fisiologismo, como se o Deputado ou o Senador, que conhecem a realidade do Município e sabem qual a obra importante ou qual o investimento deverá ser feito, fosse mais suspeito do que, por exemplo, um técnico de um Ministério que não conhece a realidade do Município, que nunca foi a um Município das Regiões Norte e Nordeste e que estabelece os critérios para a aplicação de recursos. Somos nós, Parlamentares, que mantemos o contato diário com a população dos Municípios, com os vereadores e com os prefeitos, que temos a legitimidade para indicar os recursos a serem aplicados.

E a quanto corresponde isso no montante do Orçamento da União? Não chega sequer a 12%. No entanto, todos os anos, a história é a mesma: suspende-se a liberação das emendas. Isso já virou tradição. Enquanto isso, continuamos a falar em orçamento impositivo, que, uma vez aprovado, deve ser cumprido e que, para haver qualquer alteração, deve ser submetido novamente à apreciação do Congresso Nacional. No entanto, isso não é feito.

Podemos dizer que a nossa Federação não existe no que tange à definição e à execução do Orçamento, pois os recursos estão concentrados em Brasília, de forma que um prefeito de uma cidadezinha tem que se articular, muitas vezes até refém de escritórios de lobistas, para poder conseguir empreender um projeto, encaminhar uma proposta e obter a liberação dos recursos.

Agora, vem esse transtorno às vésperas das eleições. Deixo meu apelo para que a Câmara dos Deputados vote essa matéria rapidamente, assim como o Senado, para que possamos restabelecer um mínimo de tranqüilidade para as eleições e para que não causemos um prejuízo muito grande aos partidos políticos. Entendo que, com essa alteração, ninguém sai ganhando.

Fico triste quando leio na imprensa que a medida de reduzir o número de vereadores é moralizadora. Por quê? Em tese, todos os vereadores são corruptos? Diminuir o número de vereadores significa moralizar? Diminuir o número de vereadores ajuda o Brasil a resolver os seus problemas?

Entendo que deve haver critérios, que se deve estabelecer o número de vereadores proporcional ao número de habitantes. Mas temos que apoiar os Municípios, principalmente os pequenos, porque sabemos - isso é bastante dito e repetido - que o cidadão mora no Município, na rua tal, número tal, e que os problemas e as soluções começam nos Municípios, não estão na União, esse ente jurídico abstrato que, na verdade, hoje, é tido como um ente sacrossanto, enquanto os Municípios aparecem como os grandes vilões da Federação.

Concedo, com muito prazer, um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo Cavalcanti, estamos ouvindo atentamente o discurso de V. Exª, que nos surpreende ao trazer temas como esse de grande importância. Admiro muito Abraham Lincoln e já li dezenas de livros a seu respeito. Ao analisar a vida desse grande Presidente americano, observamos todas as eleições de que ele participou - e foram várias, muitas das quais ele perdeu. Hoje, nos Estados Unidos, as eleições são idênticas. As eleições de Bush, de Bill Clinton e de Kennedy são idênticas. Daí por que o povo norte-americano aprendeu a votar. A repetição é que ensina. Lá não há essas mudanças. Quero crer que mudanças no sistema eleitoral deveriam valer à semelhança do que ocorre com os impostos: só entram em vigor no ano subseqüente à aprovação. Entendo que deveriam ser impedidas mudanças em ano eleitoral. Os times - os partidos políticos - já estão se equipando para entrar em campo. Faltam, como V. Exª diz, apenas dois meses para as convenções. Então, espero que o País reflita e evite essas mudanças neste momento eleitoral, que representarão um desserviço à democracia. Com a nossa experiência de Prefeito, quero contestar alguns pontos. Proporções fixas são transferidas ao Poder Legislativo municipal, como ocorre nas assembléias e no Parlamento federal, e isso não vai trazer nenhuma economia. Quando eu era Prefeito de Parnaíba, eram 5%. O uso e a administração competem ao Poder Legislativo. Então, com a diminuição do número de vereadores, aumentarão os ganhos dos que permanecem, e o gabinete administrativo continuará o mesmo. Creio que está havendo muita sede de querer aparecer na mídia, porque essas mudanças, em ano eleitoral, são indevidas. Está aí o exemplo dos Estados Unidos que, há mais de 200 anos, tem o mesmo sistema eleitoral.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço a V. Exª o aparte. Realmente, preocupa-me muito a falta de uma visão mais municipalista no País. Não entendo como um Estado pode ser importante se não tiver Municípios política e economicamente fortes. À alegação de que a maioria dos Municípios não sobrevive senão com as transferências federais, fica a pergunta: para que existe a República? Não é justamente para incentivar a eliminação das desigualdades regionais, para incentivar o desenvolvimento regional das regiões mais carentes? Para que se arrecada imposto? Não é justamente para melhorar a vida do cidadão, principalmente a daqueles que vivem nos Municípios mais pobres?

Se não fizermos isso, continuará a ocorrer o que já virou tradição no Brasil: a migração das pessoas que vivem nos Municípios mais pobres - os grotões deste País, como gosta de chamar a imprensa - para os grandes centros. São Paulo e Rio de Janeiro são vítimas desse processo. E são, na verdade, vítimas conscientes, porque, na medida em que se concentram os recursos e a estrutura de educação, saúde e produção nesses grandes Estados, é lógico que quem vive no Município pobre tende a se deslocar para essas cidades. Temos o exemplo do nosso próprio Presidente da República, que migrou de um Município pobre do Nordeste para São Paulo, em busca de sobreviver e vencer na vida.

Concedo, com muito prazer, um aparte ao Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Senador Mozarildo Cavalcanti, estamos acompanhando, com muito interesse, o discurso de V. Exª. Como o meu companheiro Senador Mão Santa, que foi um grande Prefeito de Parnaíba, fui Prefeito daquela cidade por duas vezes e sei, assim como V. Exª sabe, que o Município é a célula da Nação, que cresce quando todo o seu corpo está bem. Entrando na seara do médico, quero dizer que, se as células não são saudáveis, há doenças quase incuráveis. Não podemos deixar a célula da Nação, que é o Município, sofrer como agora, em véspera de eleição. V. Exª aborda o problema com absoluta precisão, no momento exato. Esses vereadores foram eleitos, foram diplomados pela Justiça Eleitoral. De repente, interpreta-se que a lei não estava sendo cumprida legal ou regularmente - suponho que foi uma interpretação. E aquele direito era adquirido, porque eles foram eleitos. Se estava errada a lei, eu diria: “Deixe-o terminar o mandato, porque ele foi diplomado pela Justiça Eleitoral”. Não houve nenhuma contestação. O vereador foi eleito e está exercendo o seu mandato. No mínimo, creio que ele teria de terminar o seu mandato, e a nova legislação entraria em vigor para as novas eleições. Porém, acabo de ser informado pelo nobre Senador Edison Lobão que está tramitando uma lei na Câmara e no Senado para pôr os pingos nos is, para não deixar dúvida em relação à interpretação da lei, tendendo a comprovar que a legislação segundo a qual foram eleitos esses vereadores é que está correta. As dúvidas eram relativas a uma questão de interpretação. Penso que devemos lutar para defender os Municípios, porque - repito - o Município é a célula da Nação. V. Exª traz no seu discurso uma oportuna observação. Vamos lutar para que não haja violência às vésperas de uma eleição, com vereadores que foram eleitos pela legislação, que foram diplomados pelo Tribunal Regional Eleitoral e que, logo, cumpriram a lei. Se a lei não estava bem interpretada, essa é outra história. V. Exª tem toda razão de trazer esse assunto à consideração da Casa. Meus parabéns!

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Alberto Silva.

Realmente, há uma emenda constitucional que está sendo discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que pretende manter, para estas eleições, a mesma composição existente na Câmara dos Vereadores. E, para as próximas eleições, pretende-se fazer esse ajuste, de acordo com a faixa por número de habitantes. Creio que, aí, sim, seria justo, seria adequado, porque não se estaria mudando a regra do jogo às vésperas da eleição. Portanto, estaria sendo aplicado o princípio da justiça, como V. Exª disse, àqueles que foram eleitos. Eles teriam o direito de se candidatar à reeleição, e o número de vereadores não estaria sendo reduzido de uma hora para outra.

Porém, se mantivermos o número para essa eleição e se estabelecermos as regras para as próximas eleições, reduzindo até, se for o caso, o número mínimo de nove para sete e estabelecendo por faixa a composição de cada Câmara de Vereadores, creio que isso estará correto. Mas o que não se pode fazer realmente - seria uma injustiça cometida pelo Tribunal Superior Eleitoral - é mudar essa regra às vésperas da eleição.

Portanto, deixo aqui a minha solicitação de ponderação ao Tribunal Superior Eleitoral e, ao mesmo tempo, a cobrança para que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal resolvam rapidamente essa questão, porque os membros do TSE já disseram que, enquanto não se resolver o problema relacionado à aprovação da emenda constitucional, prevalecerá essa interpretação, que é fruto de uma decisão do Supremo.

É bom salientar que essa emenda constitucional, que está no Senado, é de 1992. Portanto, é preciso que façamos a nossa parte, para que haja justiça com os nossos vereadores, a fim de que as eleições nos Municípios transcorram em paz, sem nenhum tumulto, sem prejuízo para os diversos Partidos. Não devemos repetir o que ocorreu da outra vez: às vésperas da eleição, foram verticalizadas as coligações partidárias. As regras do jogo devem ser estabelecidas com antecedência, de maneira que todos, candidatos e Partidos, possam preparar-se adequadamente.

Encerro, conclamando todos e principalmente nós, no Senado, que representamos os Estados e, conseqüentemente, os Municípios - os Estados são o resultado dos diversos Municípios -, a nos debruçarmos sobre a questão Federação do Brasil. Que Federação queremos? Que pacto federativo temos? Devemos nos aprofundar tanto no campo político quanto no campo da aplicação financeira e das políticas de desenvolvimento, para que o nosso País seja claramente federativo, para que façamos jus ao seu nome: República Federativa do Brasil. No entanto, o nosso Brasil, há muito tempo, vem sendo tratado como um Estado unitário, em que tudo se decide em Brasília; os Estados têm simplesmente que cumprir essas decisões. Realmente, temos que discutir um novo pacto federativo, que leve em conta e valorize os Municípios, em primeiro lugar; os Estados, em segundo lugar; e, só em terceiro lugar, a União, o Governo Federal.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2004 - Página 10877