Discurso durante a 40ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Problemas dos sem-teto e da ocupação desordenada do solo urbano. Necessidade de demarcação das terras indígenas. Os problemas prisionais do Brasil. Defesa do Estado de Direito e a necessidade de buscar resposta aos conflitos sociais.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL. POLITICA INDIGENISTA. SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.:
  • Problemas dos sem-teto e da ocupação desordenada do solo urbano. Necessidade de demarcação das terras indígenas. Os problemas prisionais do Brasil. Defesa do Estado de Direito e a necessidade de buscar resposta aos conflitos sociais.
Aparteantes
Tasso Jereissati, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2004 - Página 11029
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO MUNICIPAL. POLITICA INDIGENISTA. SEGURANÇA PUBLICA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, CLASSE SOCIAL, BRASIL, AUTORITARISMO, REPRESSÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, POPULAÇÃO CARENTE, SEMELHANÇA, ATUALIDADE, TENTATIVA, CLASSE, RIQUEZAS, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • GRAVIDADE, PROBLEMA, FAVELA, OCUPAÇÃO, ZONA URBANA, MUNICIPIO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, POLITICA, URBANIZAÇÃO, GOVERNO MUNICIPAL, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, CULTURA, ESPORTE, LAZER, PERIFERIA URBANA, ELOGIO, PROGRAMA, RENDA MINIMA.
  • QUESTIONAMENTO, TRATAMENTO, PROBLEMA, VIOLENCIA, TERRAS INDIGENAS, CONFLITO, HOMICIDIO, GARIMPEIRO, CONTRABANDO, RECURSOS MINERAIS, DIAMANTE, CORRUPÇÃO, POLICIAL, POLICIA FEDERAL, NECESSIDADE, ATENÇÃO, SENADO, INVESTIGAÇÃO, CRIME.
  • REGISTRO, DEMORA, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROJETO DE LEI, ESTATUTO, COMUNIDADE INDIGENA, AUTORIA, ORADOR, EX-DEPUTADO, DEFINIÇÃO, DIREITOS, DEVERES, NORMAS, AREA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS.
  • GRAVIDADE, CRISE, MOTIM, PENITENCIARIA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), GOVERNO ESTADUAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), SEMELHANÇA, TOTAL, TERRITORIO NACIONAL, DEFESA, CONSTRUÇÃO, PRESIDIO, REFORÇO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.
  • DEFESA, RESPEITO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, RESPOSTA, COMBATE, CONFLITO, CAMPO.

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SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR ALOIZIO MERCADANTE NA SESSÃO DO DIA 20 DE ABRIL DE 2004, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

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O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, vejo que há um setor da elite brasileira que, ao longo de toda a história e não apenas nesse momento, sempre se expressa de forma extremamente agressiva, quando nunca intransigente, frente a qualquer tipo de conflito social.

Todas as vezes que os de baixo se movimentam, reivindicando seus direitos e buscando expressar as suas dificuldades, a elite pede autoritarismo, repressão e, como única resposta da sociedade a uma parcela tão grande do nosso povo que vive uma situação de exclusão social, num quadro de profundas desigualdades. Talvez as únicas coisas monótonas nessa história do pós-guerra são que a distribuição de renda neste País não mudou e que a elite sempre se comporta exatamente dessa forma diante de todo e qualquer conflito social.

Nesse final de semana, na Bienal do Livro, tive a oportunidade de prefaciar um livro lançado pela biblioteca do Senado e recomendo a leitura dos três livros que tratam da história da capitania de São Paulo. Uma passagem extremamente interessante refere-se a 1524, à então Câmara de Vereadores de São Paulo de Piratininga, quando só havia dois vereadores naquela ocasião. O debate entre eles era justamente sobre a indignação com o fato de que os muros que protegiam a cidade estavam sendo ocupados com a construção de palafitas pelos índios que viviam em aldeia. O problema da ocupação de terra na cidade de São Paulo, o problema dos sem-teto, tem nada menos que 500 anos de história. Já em 1524, o debate na Câmara de Vereadores versava sobre o problema dos sem-teto e da ocupação do solo urbano.

Por sinal, um mínimo de cultura do que é a história do povo deste País seria o suficiente para demonstrar que essas favelas todas que vemos ao longo das grandes cidades brasileiras não vêm de outro movimento senão da ocupação desordenada do solo urbano, produto da luta dos despossuídos, dos desempregados, dos famintos. A única maneira de sobreviver nos grandes centros urbanos foi a ocupação da terra.

Em São Paulo, não temos apenas favelas com cem mil pessoas, como Heliópolis, uma verdadeira cidade dentro da cidade e que sequer nos mapas da cidade está presente. Não consta no mapa da cidade como sobrevivem cem mil pessoas numa favela como Heliópolis. Ela foi apagada dos mapas, simplesmente porque é uma cidade proibida, uma cidade dos excluídos, uma cidade que não tem nenhum tipo de identidade legal, uma cidade que não respeitou as normas de propriedade e que, portanto, não tem reconhecimento. Entretanto, na cidade de São Paulo, boa parte da Zona Leste e da Zona Sul é resultado exatamente de uma busca de superar essa visão preconceituosa e equivocada, tratando, portanto, de construir um caminho de reconhecimento dessas famílias e um processo de urbanização das favelas.

Essa dialética entre ocupação, movimento dos sem-teto, política urbana e reforma urbana tem sido uma marca fundamental, especialmente num governo como o nosso, na cidade de São Paulo, sensível às demandas sociais, o que se demonstra, por exemplo, na construção dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) na periferia. Pela primeira vez, uma escola tem campo de futebol, quadra de esportes, teatro, cinema. A periferia de São Paulo sequer tem acesso a cinemas. Há áreas inteiras, como Guaianazes e São Miguel, que têm um milhão e meio, setecentas mil ou dois milhões de pessoas, que não têm um cinema. Elas passaram a ter cinema, teatro, quadra de futebol e um sistema educacional integrado. Programas, como o Bolsa-família e o Bolsa-escola, permitiram que boa parte dessa população pudesse manter e preservar seus filhos na escola. A matrícula cresceu mais de 30% e o índice de evasão caiu mais de 30% por políticas públicas exatamente voltadas para esses setores.

Áreas de favelas, como Heliópolis, estão sendo reurbanizadas, inclusive por talentos como Rui Ohtake e outros, que se dedicam a pensar na recuperação desses espaços com o reconhecimento do solo e com a doação de terrenos de favelas com mais de quarenta anos.

Portanto, por favor, não tratem um movimento que tem, pelo menos, 500 anos de história de conflito, próprio da natureza e da formação das nossas cidades, com esse tipo de preconceito e ligeireza próprios de uma elite que nunca soube incorporar essas parcelas mais amplas da sociedade e fazer, sobretudo, a reforma urbana, o único caminho para resolver esse problema do acesso ao direito à moradia.

Sr. Presidente, a questão indígena agride ainda mais a consciência nacional. A estimativa da destruição e do desaparecimento da nossa história de povos inteiros, de culturas e de línguas e a estimativa do genocídio ocorrido no processo de colonização registram que quatro a seis milhões de índios foram dizimados ao longo da história, desde o processo de escravização forçada até a simples dizimação de nações inteiras - algumas inclusive foram mencionadas aqui. Os Cinta-Larga perderam 3.700 pessoas, que foram assassinadas, chacinadas, massacradas, destruídas, tiveram suas terras desapropriadas, sem que as vozes neste plenário, ao longo da história, se levantassem, por entender que a única resposta a essas populações não é respeitar sua identidade, suas tradições, seus valores e seus direitos originários, mas é a aculturação forçada, como a feita no processo de colonização, desde a chegada do primeiro intelectual, Pero Vaz de Caminha, que precisou optar, dizer de que lado estava. Em sua carta, fica clara a opção por Portugal, pelos colonizadores e pela lógica que vai dominar boa parte da elite intelectual e dos interesses econômicos deste País.

Não podemos tratar esse tema dessa forma. É gravíssimo o problema da mineração. E penso que o Senado deve se debruçar sobre esses episódios, bem como as demais autoridades, e investigar com rigor, sem encontrar apressadamente a condenação, porque ali existia uma quadrilha operando, comprando, contrabandeando e vendendo, por sinal, com o envolvimento de forças policiais. Há policiais envolvidos, inclusive da Polícia Federal, identificados nesse processo. O problema é um pouco mais amplo e devemos ser mais cuidadosos, porque, dentre os corpos descobertos, alguns foram mortos há mais de dois anos. Essa história é mais antiga. Trata-se de um crime continuado, de um processo que precisa ser muito bem investigado e identificado, e cuja tradição é mais ampla. Então, vamos investigar com cuidado, sem qualquer tipo de preconceito, muito menos permitindo que esse episódio reforce a tese da criminalização dos povos indígenas e de não-reconhecimento dos seus direitos históricos, o que é próprio da nossa tradição política e histórica. Tenho certeza de que os senadores que propõem esse debate querem tratar o problema com essa magnitude.

Tenho um projeto de lei, apresentado na Câmara dos Deputados há nada menos do que 14 anos, propondo um Estatuto dos Povos Indígenas: direitos e deveres, reconhecimento de direitos e obrigações, para que essas áreas demarcadas disponham de políticas, regras e procedimentos quanto a sua realização. Nunca consegui fazer com que ele prosperasse. Havia o compromisso do Governo anterior de votá-lo, e não foi possível. É sempre um tema complexo e difícil. Foi criada uma comissão especial; houve um relatório aprovado na comissão, mas não conseguimos evoluir na perspectiva. Talvez essa crise e a demarcação da área de Roraima permitam um debate mais qualificado.

Mas o lado positivo dessa história é que os povos indígenas estão se colocando como sujeitos políticos desta Nação, não só no ocorrido na Praça dos Três Poderes, mas em todos os episódios a que estamos assistindo pelo dia 19 de abril. Essa não é a primeira vez. Lembro-me deles entrando com lança, quando da negociação com o Relator, na Câmara dos Deputados.

Portanto, esse tema tem que ser tratado por meio de diálogo, de negociação, do reconhecimento dos direitos e dos deveres. Contudo, crime, seja ele de qualquer natureza, de quem for, por que razão, não será permitido, muito menos quando há interesses econômicos tão perversos quanto na nossa história - a mineração também faz parte da história do nosso País.

Ouço o senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Aloizio Mercadante, confesso-me um tanto perplexo diante de algumas observações e tenho a impressão de que a sociedade brasileira também. Se uma mulher comete um crime atroz, cruel, espanca - e tem acontecido tantos -, deve ser julgada, o que não implica julgamento de todas as mulheres. Se o nordestino comete um crime, ele deve ser julgado. Todavia, um homem de governo não tem condições, não pode, pela responsabilidade que tem, a priori, estimular um massacre que, em nenhuma religião, sob nenhuma ética da cultura ocidental, em hipótese alguma, é válido e aceitável que seja cometido por quem quer que seja. Não acredito que V. Exª pense que, ao exigirmos uma reparação do Diretor da Funai, ao nos mostrarmos chocados com um massacre dessa proporção, existe alguma intenção de criminalizar ou culpar os índios. A história retrata muito bem - V. Exª fez referência a ela - que os nossos índios, aqui e em outras partes do mundo, foram dizimados, tiveram sua cultura aniquilada. Contudo, essa história não permite uma resposta, que não posso dizer que seja dos índios, 500 anos depois; mas nada justifica uma carnificina. Nossa formação não nos permite saber de fatos dessa natureza sem indignação. Contudo, em função dessa indignação, não podemos ser responsabilizados pelos massacres cometidos durante a história da humanidade. Eu não perdoaria um judeu que massacrasse sequer um alemão porque seis bilhões de judeus foram massacrados durante a II Guerra. Mas, pelo amor de Deus, o Governo e a sociedade não podem assistir a esse espetáculo de violência que está acontecendo no País; que o Governo não dê uma demonstração de complacência com a violência, venha de onde vier e seja por que motivo for. Espero ter de V. Exª a compreensão pela minha indignação, que, tenho certeza, não é apenas minha, mas da sociedade brasileira.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Senador Tasso Jereissati, V. Exª se reportou a um episódio histórico muito apropriado para esta reflexão, que é a história do povo judeu. O anti-semitismo e os massacres dos judeus não ocorreram apenas na Segunda Guerra Mundial, ocorreram antes, nos progroms da Rússia, e ao longo de vários momentos da História. O anti-semitismo, o preconceito, levava à culpa apressada - "a responsabilidade é dos judeus" - e a uma resposta da sociedade, cujo momento mais dramático, mais trágico e mais indigno foi exatamente o da Segunda Guerra Mundial.

Em relação aos povos indígenas, não foi diferente. O que chama a atenção é o fato de os crimes terem ocorrido dentro de uma área indígena. A princípio, também não pode ser descartada a responsabilidade dos povos indígenas. Vamos investigar, apurar. Há claramente uma quadrilha com conexões muito mais amplas do que os indígenas que lá moram, porque diamantes saíam de lá e eram comercializados por interesses bem mais poderosos do que os dessas comunidades. É fundamental que possamos identificar, e não nos precipitar, condenando antes de apurar e investigar com todo o rigor da lei. A vida tem que ser preservada em qualquer situação, em qualquer cultura. Esse é um compromisso e um princípio constitucional que vale para todos os que habitam este Território, esta Nação, mesmo aqueles que possuem uma identidade e uma cultura próprias. Não vamos tolerar qualquer tipo de violência ou assassinato. Mas não vamos nos apressar e não vamos reforçar um tipo de preconceito em relação às nações indígenas, aos povos indígenas; preconceito que, ao longo da história, justificou massacres e massacres, porque os perdedores não foram os colonizadores, mas os índios; não foram os que predominaram, ocuparam e tomaram conta do território, foram os índios. Quem foi dizimado, massacrado, destruído, prostituído perdeu sua cultura, sua identidade, sua língua, foram os povos indígenas.

Então, peço apenas que tenhamos equilíbrio e moderação para não reforçarmos um preconceito histórico, que, tenho certeza, V. Exª não está patrocinando. V. Exª é sincero e sua indignação, procedente. Não podemos aceitar que trabalhadores que estavam de alguma forma tentando sustentar suas famílias sejam assassinados. E esses homicídios vêm ocorrendo há anos, por todos os indícios que estão surgindo. Há anos isso vinha acontecendo: massacre, assassinato coletivo e sistemático daqueles que estavam envolvidos nessa atividade ilegal. Vamos apurar com rigor e punir todos os responsáveis que estiverem à frente desse episódio.

Quero ir um pouco mais além, mas antes passo a palavra ao senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Aloizio Mercadante, estou acompanhando o seu pronunciamento, que mostra grande lucidez e responsabilidade não só política, mas social, ética, com uma visão de civilização que está sendo posta aqui à altura do que imaginamos como oportuna e viva, para quem acredita num sentimento de justiça como o grande marco regulatório das nossas ações. Penso que V. Exª deixa claro o ordenamento jurídico como rota de um processo, de um conflito envolvendo índios e não índios e mortes no Estado de Rondônia. V. Exª deixa claro ainda que não nos furtaremos a ver a presença do Estado, a intervenção do Estado pronta e ágil numa situação dessa natureza, porque não queremos um conflito estimulado e que alguém faça juízo de valor sobre culpados e vítimas neste momento. Temos que ter muita tranqüilidade, muita serenidade e pronta intervenção. Penso que o pronunciamento que faz o Líder do Governo deixa claro o caminho que estamos adotando. Não poderíamos imaginar que fosse alguém mais além e quisesse fazer um julgamento precipitado de mortes, que não estão esclarecidas definitivamente quanto à autoria. Não sabemos quantos índios estão mortos ali. É preciso investigar a fundo aquele processo. Quantas crianças podem estar mortas? Quantas crianças índias podem estar sendo estupradas, violentadas e mortas naquela região? Então, é preciso cautela, é preciso prudência. Qual foi a intervenção e a presença do Governador do Estado de Rondônia junto à União diante desse processo? Quantos alertas foram feitos? Quantos pedidos de atenção para a questão foram feitos? Conversei, há mais de dois anos venho conversando com os Procuradores da República, Drª Raquel, Dr. Humberto, Drª Ela, e eles têm ido lá e têm-se expostos a vários riscos. Inclusive, alertaram em relatórios para o iminente risco de violência a uma raça, risco movido por ambição, por uma movimentação de mais de 2 bilhões de dólares com o tráfico de diamantes. Qual foi o papel do Estado, nesses anos anteriores? Será que o papel do Estado é apenas julgar e analisar as conseqüências de uma tragédia? Ou seria de intervir, prevenir? Lembro-me que na Suécia, Senador Mercadante, nos anos 70, uma criança foi vítima de tétano e morreu. O país não aceitou como lógica aquela morte, e o ministro da saúde renunciou à função. Em nosso País, parece que ninguém tem responsabilidade anterior às tragédias que ocorrem. Só se julga e se condena de imediato. Então, minha concordância é absoluta. E a minha solidariedade às famílias de garimpeiros e aos irmãos índios que estão sendo vítimas. Qualquer um que tenha cometido um assassinato deve ser devidamente punido, de qualquer lado, no Estado de Rondônia.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - AP) - Senador Tião Viana, agradeço o oportuno aparte de V. Exª, que só ajudou a reforçar a interpretação que estamos dando. Não vou apressar-me, como alguns tentam neste momento, para condenar o Governo do Estado anterior ou o atual, o Governo Federal anterior ou o atual nem os índios. Vamos apurar quem se omitiu, quem estimulou e, sobretudo, quem se beneficiava desse crime, do tráfico de diamantes. É essa a quadrilha que temos que identificar. Seguramente, manipulava e utilizava inocentes para fins perversos. Por sinal, muito próprio de toda a história da colonização. Foi assim, também, o interesse pela mineração no processo de formação da identidade nacional.

Quero falar de um outro episódio, antes de passar a palavra aos outros inscritos para cumprir o prazo que me foi destinado. Falarei sobre a questão dos presídios. Espanta-me a reflexão aqui apresentada. Tivemos um crime hediondo em um dos presídios de Rondônia, por sinal da responsabilidade do Governo do Estado. Era do PSDB a gestão do presídio. A responsabilidade é do Governo do PSDB. O crime foi tão hediondo quanto os levantes a que assisti e os massacres em alguns presídios do Estado de São Paulo coordenados pelo PCC - Primeiro Comando da Capital - e outras agremiações criminosas. Chegaram a promover levantes em dezenas de presídios no mesmo mês, também no Governo do PSDB em São Paulo. Vi, na Febem, um rapaz, menor de idade, cortar a cabeça de outro e jogá-la sobre o muro em um dos levantes coordenados pelo PCC.

Senador, não vim dizer que havia um caos no Estado. Vim defender o Governador naquela ocasião. Levantei-me aqui, recentemente, quando algumas quadrilhas andaram baleando e matando policiais militares no Estado de São Paulo. Algumas quadrilhas agiram assim recentemente. Subi na tribuna para defender o Estado, a sociedade organizada e combater o crime organizado. O que muitas vezes o Governo do Estado não teve condições, inclusive na gestão dos presídios.

Acredito que a resposta à crise dos presídios não é a repressão fácil, como foi com o Carandiru, com 111 mortes. Não é assim. A resposta é construir presídios. É tirar do presídio aqueles que não têm penas que justifiquem reclusão. É buscar o novo regime prisional, em que os chefes de quadrilhas ficarão isolados. É isso que vai desbaratar o crime organizado que tomou conta de alguns presídios no Brasil.

Lembro-me de que na Pampulha, há dois anos, tínhamos uma roleta russa para saber quem ia morrer; no Espírito Santo a mesma coisa, e lá pessoas sendo jogadas, era possível ver pela tela da televisão, de cima do telhado do presídio. Não vamos simplificar a crise prisional. Não tem nenhuma especificidade. Não é Rondônia que está em crise. Isso vem se tornando recorrente em vários Estados da Federação. Existe uma política nova, firme, responsável. Ontem, penso que fizemos um bom debate de medidas que poderiam caminhar nessa direção.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - Pediria licença a V. Exª para prorrogar a sessão por mais 30 minutos, e adverti-lo de que, por analogia, V. Exª dispõe ainda de um minuto e meio.

Concluo dizendo que também em relação ao MST, ao problema da reforma agrária, eu me lembro de marchas monumentais entrando em Brasília, eu, na oposição, protestando contra as ocupações de prédios, inclusive em Brasília e em outros Estados da Federação. Eu dizia que não era a forma correta de reivindicação da luta pela terra.

Penso que o respeito à propriedade produtiva e o avanço da reforma agrária são o melhor caminho para resolvermos isso, respeitando a lei e o Estado de Direito, impedindo qualquer tipo de violência. O respeito à propriedade produtiva é fundamental para que o País possa produzir, gerar empregos, manter nosso recorde de safra agrícola, o crescimento exuberante da nossa agricultura, mas temos que buscar respostas concretas a algumas demandas sociais em vez de criminalizarmos e buscarmos a resposta da repressão.

Para concluir, senador José Agripino, não consigo entender a alusão ao regime de 1964. Sei que V. Exª apoiou aquele regime, foi Governador do regime, mas a história de V. Exª... V. Exª foi Governador pelo PDS, não foi?

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Fui Governador eleito, Senador Aloizio Mercadante, pelo voto direto.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE - Sim, pelo partido do regime militar. V. Exª, ao longo da história recente e toda atitude de convivência, é um homem da mais profunda convicção democrática: as atitudes, os pronunciamentos, a defesa. O que ocorreu em 1964 não serve de experiência para coisa alguma, muito menos como resposta. A repressão e a ditadura não são respostas aos conflitos sociais; mas sim a democracia, a negociação, as políticas públicas. É isso que vai permitir que possamos incorporar essa multidão de excluídos no projeto de desenvolvimento e crescimento da economia. Por isso, queria deixar muito claro que não entendi a alusão de V. Exª. E se V. Exª a fez, ela foi infeliz, porque aquele episódio serve para o que não se deve repetir na sociedade brasileira. Um grande teórico pouco citado diz que a história só se repete em farsa ou tragédia. Mencionar esse tipo de questão em momento de consolidação da democracia brasileira como o atual serve mais para menção à farsa do que propriamente para a tragédia; esta fica para 1964.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2004 - Página 11029