Discurso durante a 45ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Comentários sobre o encontro de governadores, realizado no dia 26 de abril, em Brasília.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIVIDA PUBLICA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Comentários sobre o encontro de governadores, realizado no dia 26 de abril, em Brasília.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/2004 - Página 11490
Assunto
Outros > DIVIDA PUBLICA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • REGISTRO, ENCONTRO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), GOVERNADOR, ESTADOS, PRIORIDADE, DEBATE, DIVIDA PUBLICA, TENTATIVA, ALTERAÇÃO, PACTO, GOVERNO FEDERAL, FEDERAÇÃO, LEITURA, DOCUMENTO, REIVINDICAÇÃO, EXPECTATIVA, ATENDIMENTO.
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), UNIÃO, GOVERNO ESTADUAL, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, JUSTIÇA ESTADUAL, BANCADA, CONGRESSISTA, REIVINDICAÇÃO, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, APERFEIÇOAMENTO, REFORMA TRIBUTARIA, COMPENSAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), RESSARCIMENTO, INVESTIMENTO, RODOVIA, CREDITO PREVIDENCIARIO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS).
  • NECESSIDADE, MELHORIA, JUSTIÇA, DISTRIBUIÇÃO, ARRECADAÇÃO, NATUREZA TRIBUTARIA, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dia 26 de abril passado se realizou, em Brasília, um Encontro de Governadores, em que o assunto principal foi a dívida de R$ 271bilhões que asfixia os Estados e impede investimentos sociais e em infra-estrutura.

Não se trata de uma reedição da chamada “Política dos Governadores” - com a diferença de que, desta vez, o Governo Federal ficou de fora.

O que se conheceu na história do país como “Política dos Governadores”, surgiu no governo do presidente Campos Sales, no início do século passado, e marcou a história do país. Consistia num sistema de alianças entre as oligarquias estaduais, coronéis que chefiavam facções e o Governo Federal. Era fundada na troca de interesses e favores econômicos e políticos. Anulava os partidos e a cidadania.

Agora, no Brasil de 2004, os governadores se unem em torno de uma causa comum: uma nova relação com o governo federal, um novo pacto federativo com base no interesse maior do país e na governabilidade. A cidadania sai fortalecida.

A dívida dos Estados, de fato, é insustentável.

O exemplo do Rio Grande do Sul é dramático. Tanto, que todos os Poderes constituídos do Estado, Assembléia Legislativa, Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas manifestaram, publicamente, solidariedade com o Governo Estadual e com as Bancadas gaúchas na Câmara dos Deputados e Senado, nas questões junto ao Governo Federal. Documento dos Poderes Estaduais relaciona as seguintes reivindicações:

- revisão dos índices da renegociação da dívida do Estado, considerando, inclusive os valores acrescidos com o Proes do Banco do Estado;

- reforma tributária que fortaleça o Pacto Federativo;

- compensação do ICMS diante do significativo aumento das exportações - Lei Kandir;

- ressarcimento dos valores investidos pelo Estado em estradas federais;

- compensação dos créditos previdenciários recolhidos ao INSS;

Essa manifestação demonstra que o Rio Grande do Sul está unido em torno dessa questão.

De fato, em dez anos, a dívida do Rio Grande do Sul cresceu seis vezes, enquanto a arrecadação aumentou apenas quatro vezes. Em 1994, era de R$4,3 bilhões; em dezembro de 2003, estava em R$26,4 bilhões; e, no final deste ano de 2004 chegará à R$29,1 bilhões. Essa evolução acontecerá de forma inexorável, independente do estado consumir até 18% de sua arrecadação com o serviço da dívida. Até dezembro, pagaremos em juros à União R$1,647 bilhão.

O mesmo acontece com os demais entes federados. A dívida total dos estados passou de R$185 bilhões no ano de 2000, para R$293 bilhões no final de 2003. Isso que, só no ano passado, os estados transferiram R$20 bilhões para os cofres da União, em juros.

Trata-se de uma situação que exige, além de renegociação da dívida, uma discussão mais ampla sobre um novo pacto federativo entre União, Estados e Municípios. A União centraliza recursos da carga tributária em Brasília de uma forma nunca vista na história.

Conforme números da Receita Federal, cerca de 72% de tudo o que se arrecada no País está concentrado na União. Sobram menos de 30% para dividir entre estados e municípios que ainda arcam com os custos de responsabilidades e serviços, como manutenção de estradas federais que antes eram da alçada federal.

A escassez de recursos acaba por estimular a guerra fiscal entre os estados como instrumento de atração de investimentos. Nosso pacto federativo atual está baseado na competição entre as unidades da federação, quando deveria sentar suas bases na cooperação. Atualmente, Estados e Municípios estão reduzidos à condição de dependentes do Governo Federal e brigam entre si pelos escassos investimentos disponíveis.

A dívida dos Estados é histórica. Conforme estudo que solicitei à Consultoria Técnica do Senado, os problemas fiscais dos Estados e Distrito Federal agravaram-se especialmente após a implementação do Plano Real, com a política monetária restritiva adotada pelo governo federal e o fim da receita originária do chamado ‘imposto inflacionário’.

Os Estados passaram a enfrentar, então, uma séria crise de financiamento, já que o mercado passou a exigir taxas de juros cada vez mais elevadas para aceitar os títulos estaduais, obrigando o Banco Central a intervir, realizando operações de troca dos referidos títulos por Letras do Banco Central - Especial. O objetivo da autoridade monetária era diminuir o custo de rolagem das dívidas estaduais e evitar a provável “quebra” de alguns Estados.

A partir de 1997, a União assinou protocolos ou contratos de refinanciamento com quase todas as unidades da Federação, entre elas o Rio Grande do Sul. Por meio da Medida Provisória número 1.560, depois convertida na Lei nº 9.496, o Governo Federal autorizou a consolidação, assunção e refinanciamento, pela União, da dívida pública de responsabilidade dos Estados e Distrito Federal.

Na época, essa reestruturação foi considerada razoável e satisfatória para os Estados, que trocaram uma dívida financeira impagável - de curto prazo e taxas de juros de mercado - por uma dívida contratual de 30 anos e taxa de juros fixa. Os contratos assinados com 25 Estados - apenas Tocantins e Amapá não o fizeram - estabeleceram percentuais de 11,5% a 13% da receita Líquida Real dos Estados, definida como a receita realizada nos doze meses anteriores, excluídas as receitas de operações de crédito, de alienação de bens, de transferências voluntárias ou de doações recebidas, bem como as transferências legais e constitucionais a Municípios.

Para o refinanciamento da dívida, a União exigiu dos Estados o estabelecimento de Programas de Reestruturação e Ajuste Fiscal, em que se propõem a alcançar metas ou compromissos relativos a:

- relação dívida financeira / receita líquida real;

- resultado primário;

- despesas com funcionalismo público;

- receitas de arrecadação própria;

- reforma do Estado e/ou alienação de ativos;

- despesas com investimento.

Embora o refinanciamento da dívida fosse considerado, à época, favorável para os Estados, a situação evoluiu de forma imprevista até que chegamos ao cenário atual.

A paralisação da economia e a conseqüente queda na arrecadação não permitem a geração de recursos para que os compromissos continuem sendo honrados.

Além disso, a realidade de crise social em que está mergulhado o País, exige mais investimentos sociais e em infra-estrutura por parte dos governos estaduais.

Nesse quadro, surge a necessidade de flexibilização das condições do refinanciamento, de forma a viabilizar a disponibilidade de mais recursos para possibilitar o atendimento de uma demanda social crescente e preocupante. Tanto, que não seria exagero dizer que o Brasil se encontra à beira de uma ruptura no tecido social.

Essa é a situação a que chegamos e está a merecer uma urgente renegociação.

Esse foi um dos pontos principais do Documento dos Governadores que manifestaram posição favorável à revisão do conceito adotado pela União para definir receita líquida real dos Estados. Um dos meios de alterar essa interpretação rígida da União seria excluir os investimentos recursos da educação, saúde e fundo de combate à pobreza. Pretendo apresentar, no Senado, projeto de lei nesse sentido.

Srs. e Srªs, da reunião dos governadores saiu o seguinte documento que passo a ler para conhecimento desta Casa.

Reivindicações:

1. A dimensão e características do Brasil exigem que o desenvolvimento tenha uma forte visão regional e local, com a insubstituível participação dos Estados e Municípios. Os governadores opõem-se firmemente à continuada supressão de receitas dos entes federados.

2. Adoção de medidas urgentes que envolvam os Estados e Municípios na retomada do desenvolvimento econômico, o investimento em habitação, saúde, saneamento básico e infra-estrutura, fundamentais à geração de emprego e de renda.

3. Recomposição das receitas estaduais e municipais que ao longo dos últimos governos se deterioraram, a saber: as receitas compartilhadas com os Estados - IPI, IR - caíram de 80% para 40% da arrecadação total da União, enquanto as receitas não compartilhadas subiram de 20% para 60%, levando à maior concentração de receitas da História republicana, agravada pela interpretação vigente no que diz respeito ao conceito da receita líquida real. Este assunto será aprofundado em futura reunião com o Presidente.

4. Fundo de compensação das exportações: cumprimento do acordo assumido pelo Governo Federal com os Governadores, quando das discussões das reformas previdenciária e tributária, no sentido de elevar para R$ 8,5 bilhões em 2004 o montante disponível nos fundos de compensação das exportações que deveria ter sido pago mensalmente a partir de janeiro deste ano.

5. Fundo de desenvolvimento regional: viabilização integral e efetiva do fundo de desenvolvimento regional no semi-árido, Norte, Nordeste conforme redação aprovada no Senado.

6. Segurança pública e sistema penitenciário: os Governadores consideram que os recursos dos fundos de segurança pública e penitenciário não devem ser objeto de contingenciamento, face à gravidade da matéria, sendo transferidos automaticamente aos Estados por critérios a ser estabelecidos pelo Governo Federal.

7. Fundef: busca de solução para o passivo acumulado com os Estados e estabelecimento de novas regras para o financiamento da educação básica.

8. Pasep: defesa do conceito de imunidade recíproca entre União, Estados e Municípios, instrumento estimulador da retomada da capacidade de investimento.

Esse é o Documento dos Governadores, que foi encaminhado ao Governo Federal. Esperamos que o profundo sentido desse encontro seja compreendido em sua real dimensão, e que o Governo se disponha a renegociar a dívida dos Estados que, repito, vivem uma situação aflitiva que se agrava a cada dia, comprometendo o futuro da própria Federação.

Afinal, se até mesmo o FMI, cuja rigidez nos controles que exerce sobre as economias de países em desenvolvimento é bem conhecido, está aceitando flexibilizar as condições impostas em seus contratos, o mesmo comportamento realista pode ser adotado com referência à dívida dos Estados com a União.

Era o que tinha a dizer, destacando, mais uma vez, que a Reunião dos Governadores foi, na verdade, um encontro a favor do Brasil e do povo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/2004 - Página 11490