Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à excessiva edição de medidas provisórias, ressaltando proposta de emenda à Constituição que pretende normatizar essas matérias. (como Líder)

Autor
Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Hélio Calixto da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Críticas à excessiva edição de medidas provisórias, ressaltando proposta de emenda à Constituição que pretende normatizar essas matérias. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2004 - Página 11707
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO, USURPAÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
  • COMENTARIO, AUSENCIA, EXTINÇÃO, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, POSTERIORIDADE, RESTABELECIMENTO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • CRITICA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO, USURPAÇÃO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, CONGRESSO NACIONAL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, NORMAS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), RESGATE, RESPONSABILIDADE, CONGRESSO NACIONAL, EXAME, REQUISITOS, URGENCIA, RELEVANCIA, MATERIA, AVALIAÇÃO, LEGITIMIDADE, PRETENSÃO, EXECUTIVO, EFICACIA, INSTRUMENTO.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Pela Liderança do PMDB. Sem revisão do orador) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Srªs e Srs. Senadores.

A base sobre a qual se assentam os modernos regimes democráticos foi estabelecida pelo pensador francês Montesquieu, no século XVIII, quando propôs a separação entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

A sabedoria deste princípio, Sr. Presidente, tem pairado acima dos questionamentos formulados no transcurso de nossa vida política. Em outros termos, a separação em três poderes, encarregados um de legislar, outro de executar as leis, outro ainda de zelar pelo seu cumprimento, não tem sido frontalmente questionada por qualquer corrente expressiva da opinião pública. Em outros termos, a separação de três poderes, encarregados um de legislar, outro de executar as leis, outro ainda de zelar pelo seu cumprimento, não tem sido frontalmente questionada por qualquer corrente expressiva da opinião pública.

A prática de minar a independência e a separação entre os Poderes da União não vem sendo, no entanto, de modo algum, infreqüente. É típico dos regimes autoritários o fortalecimento exorbitante do Poder Executivo, em detrimento, via de regra, do Poder Legislativo. Foi ao que assistimos, não há muitos anos, durante o regime militar.

Srªs e Srs. Senadores, a ingerência do Executivo sobre as atribuições do Legislativo, embora consideravelmente atenuada, não se extinguiu após o restabelecimento da democracia em nosso País. E sua forma, ao mesmo tempo mais comum e mais acintosa, tem se manifestado por meio do instituto da medida provisória, representando, na prática, verdadeira usurpação, pelo Presidente da República, da faculdade de legislar.

É certo que a adoção de medidas urgentes pelo Legislativo - e Executivo, principalmente - em questões particularmente relevantes para a Nação se justifica em momentos específicos, requerendo, para tanto, um dispositivo constitucional que as insira na ordem jurídica e estabeleça condições precisas para o controle de seu uso.

Se a motivação é justa, sua aplicação prática em nossa História política tem dado ensejo a distorções que afetam o bom funcionamento do sistema democrático. Durante o Governo militar, era ao menos coerente - já que se tratava mesmo de uma ditadura - que se procurasse impingir ao Legislativo a vontade do Chefe de Estado. Os famigerados decretos-leis, expedidos pelo Presidente da República com vigência imediata, deviam ser aprovados sem emendas ou rejeitados pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, depois do qual, caso não houvesse deliberação, seriam tido como aprovados.

Com a redemocratização, a solução buscada para os casos de urgência e relevância que demandem pronta ação do Executivo foi instituir a medida provisória que teria efeitos imediatos até que o Congresso Nacional deliberasse sobre a mesma. Findo o prazo de 30 dias sem deliberação do Legislativo, perdia a medida provisória sua eficácia. Para contornar tão serio inconveniente - ou seja, a perda da eficácia por decurso de prazo - nada mais simples do que o Governo Federal passar a editar a mesma medida provisória por sucessivas vezes, sempre que findo o seu prazo mensal de vigência. Surgiu daí a aberração de termos uma mesma medida provisória reeditada por anos seguidos, sem perder, durante esse período, seu caráter jurídico precário.

O Governo passado mostrou-se particularmente pródigo em reeditar medidas provisórias, ultrapassando, no penúltimo ano de seu segundo mandato, o patamar de 5 mil reedições, algumas delas foram reeditadas em até 50 vezes.

Esses problemas eram por demais conhecidos, Sr. Presidente, quando o Congresso Nacional buscou solucioná-los com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, em setembro de 2001, instituindo as regras atualmente vigentes.

Além de ter sido restringido o âmbito das medidas provisórias, com a especificação de uma série de matérias insuscetíveis de serem por elas reguladas, vedou-se, com a Emenda 32/2001, a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou perdido a sua eficácia. A perda de eficácia da medida provisória ocorre se não for a mesma convertida em lei, no prazo de sessenta dias, prorrogável uma única vez, por igual período.

Com o intuito de tornar mais impositiva a deliberação pelo Legislativo, ficou estabelecido, no § 6º do art. 62 da Constituição Federal, que, após quarenta e cinco dias sem sua apreciação, a medida provisória entra em regime de urgência em cada uma das Casas do Congresso Nacional, “ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando”.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 32 eliminaram o problema das sucessivas reedições de medidas provisórias, mas não foram capazes de reduzir o ímpeto do Poder Executivo em fazer uso da faculdade de legislar, que deveria ser um procedimento excepcional. Podemos afirmar, com segurança, que a prática de editar medidas provisórias banalizou-se, passando a abranger proposições que não são nem urgentes e nem particularmente relevantes, quando tais condições deveriam ser atendidas cumulativamente.

A média de edições de medidas provisórias, originárias no Governo Fernando Henrique, dobrou depois da promulgação da emenda, em setembro de 2001, passando de pouco mais de 3 para 6,73% ao mês.

O Governo Lula editou cinqüenta e seis delas no primeiro ano de mandato. Esse número implica uma média bem superior à do Governo Fernando Henrique no período anterior à promulgação da Emenda nº 32, de 2001, excluídas as reedições.

Esses dados sugerem, Sr. Presidente, que o problema da exorbitância no recurso às medidas provisórias não depende do perfil ideológico do Chefe do Poder Executivo. Para quem quer que o detenha, a tentação de legislar por meio de medidas provisórias torna-se muito grande. É evidente que tal acúmulo de poder pelo Executivo, em detrimento do exercício pelo Legislativo de sua atribuição essencial, só poderá ser resolvido com uma mudança substantiva nas normas constitucionais que balizam a utilização das medidas provisórias.

Mas ainda não abordei, Sr. Presidente, um grave e relevante efeito das regras instituídas pela Emenda Constitucional nº 32. Necessariamente conhecido por todos os nobres Senadores, é preciso ainda ressaltar o engessamento a que está submetido o Poder Legislativo, sob permanente ameaça de trancamento de pauta caso não sejam apreciadas, nos breves prazos estabelecidos, as medidas provisórias pendentes. Na prática, o Executivo está impondo sua pauta ao Congresso Nacional, em um ritmo que mal deixa fôlego a este para iniciativas próprias.

Essa prática resulta, conforme a justa caracterização de nossa imprensa e de outros setores da sociedade civil que se fazem atentos, em um sério impasse constitucional e institucional.

Por ter a convicção de que o Congresso Nacional não deve e não pode abrir mão da sua prerrogativa de legislar, Sr. Presidente, decidi apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que altera as regras relativas às medidas provisórias.

Seu objetivo essencial é resgatar para o Legislativo o pleno poder de legislar - sem deixar, contudo, de garantir ao Poder Executivo os instrumentos jurídicos necessários a sua atuação em casos de relevância e de urgência.

De acordo com a redação que propomos para o § 1º do art. 62, a Mesa do Congresso Nacional deverá decidir, em até cinco dias úteis da data de sua edição, sobre a eficácia e força de lei da medida provisória durante a tramitação. Para tanto, será examinada a validade dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência.

Pelas regras introduzidas pela Emenda nº 32, caberia a uma comissão mista de Deputados e Senadores o exame inicial das medidas provisórias, sobre as quais deveria ser emitido parecer, antes de serem apreciadas, separadamente, por cada uma das Casas do Congresso Nacional.

Essa comissão, Sr. Presidente, embora tenha sido constituída, jamais chegou a se instalar e a exercer o papel que lhe é atribuído pela Constituição. Esse fato não tem impedido a deliberação da Câmara e do Senado sobre as medidas provisórias; mas a falta de um exame prévio, que verifique o atendimento dos pressupostos constitucionais, tem funcionado como estímulo à utilização excessiva das medidas provisórias.

Intenta a nossa proposta, Srªs e Srs. Senadores, não apenas atribuir à Mesa do Congresso Nacional a responsabilidade pelo exame das condições de urgência e relevância, como também fazer depender de sua decisão a eficácia, com força de lei, da medida provisória.

Desse modo, o Congresso Nacional não poderá eximir-se de tomar uma posição, no prazo de cinco dias úteis, por meio de sua Mesa Diretora, sobre a legitimidade da pretensão do Poder Executivo em tratar daquela matéria específica por meio de medida provisória.

A excepcionalidade desse instrumento legislativo será, assim, restabelecida por dois filtros. O primeiro consiste em que, antes de adquirir eficácia e força de lei, a medida provisória terá seus pressupostos constitucionais avaliados pela Mesa do Congresso Nacional. O segundo filtro, ainda que cronologicamente anterior no processo legislativo lato sensu, será exercido pela própria Presidência da República ao passar a examinar com maior rigor a sua pretensão em apresentar determinada proposição na forma de medida provisória.

Uma vez concedida, pela Mesa do Congresso, a vigência a uma medida provisória deverá a mesma, de acordo com a PEC - Proposta de Emenda à Constituição - que apresentamos, seguir a tramitação aplicável aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República em regime de urgência. Seria garantido, nesses termos, o prazo de quarenta e cinco dias para cada Casa do Congresso Nacional.

Aqui está a grande diferença dessa proposição, porque, na realidade, quando as medidas provisórias chegam aqui no Senado, já não temos tempo de fazer a reunião das comissões mistas, não temos tempo de analisar o que dizem, o que pedem as medidas provisórias e, no entanto, a lei já está em vigor.

O que estamos propondo é que seria garantido, nos termos dessa proposta, o prazo de quarenta e cinco dias para cada uma das Casas do Congresso: quarenta e cinco dias na Câmara dos Deputados e quarenta e cinco dias aqui no Senado da República. Porque quando sai de lá no quadragésimo dia, temos cinco dias para analisar a proposta ou estamos com a pauta do Senado trancada, como está acontecendo há várias semanas, até que ontem pudemos começar novamente a deliberar.

Cabe enfatizar que a Câmara dos Deputados terá quarenta e cinco dias para apreciação da medida provisória e o Senado também terá outros quarenta e cinco dias. Na sistemática atual, esses quarenta e cinco dias são comuns às duas Casas, conforme eu disse.

A medida provisória cuja eficácia e força de lei tenham sido negadas pela Mesa do Congresso Nacional será considerada como um projeto de lei de iniciativa do Presidente da República e terá tramitação equivalente nas duas Casas do Congresso Nacional. Ou seja, aquilo que em cinco dias depois da apresentação da Medida Provisória a Mesa do Congresso entender que não tem a urgência que se impõe à medida provisória apresentada terá um procedimento nesta Casa exatamente como um projeto de lei de iniciativa do Presidente da República, com todas as suas garantias de urgência.

Com a aprovação dessa Proposta de Emenda à Constituição, Srªs e Srs. Senadores, a eficácia imediata da medida provisória deixaria de depender, unicamente, da simples vontade do Executivo. Ao tempo que se garante ao Poder Executivo um instrumento jurídico para atuar com celeridade e eficácia, em casos de relevância e urgência, a aplicabilidade do mesmo ficará submetida ao crivo do Poder que detém a missão constitucional de legislar. Ou seja, ao Congresso Nacional.

A regra tem de ser que o Legislativo faça as leis. Com a PEC que submetemos à apreciação dos Srs. Senadores, pretendemos que a exceção volte a ser exceção e o Congresso Nacional reassuma suas mais que legítimas prerrogativas, que é fazer as leis.

Solicito, pois, aos nobres Colegas a apreciação atenta e responsável de todo o teor da Proposta de Emenda à Constituição que ora apresentamos, consciente de que buscamos, com ela, uma solução para resgatar, em sua plenitude, a missão institucional do Poder Legislativo, que constitui sua prerrogativa e dever para com a Nação.

A nossa proposta, Srªs e Srs. Senadores, tem todas as assinaturas necessárias na Câmara dos Deputados e no Senado da República, foi encaminhada ao Presidente do Congresso Nacional e está aguardando que seja designado um Relator para que possa eventualmente ser apreciada, tanto aqui quanto na Câmara dos Deputados.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2004 - Página 11707