Discurso durante a 48ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de documento exarado na quadragésima segunda Assembléia Geral dos Bispos do Brasil sobre o aumento do salário mínimo. Defesa da política de quotas no ensino público.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro de documento exarado na quadragésima segunda Assembléia Geral dos Bispos do Brasil sobre o aumento do salário mínimo. Defesa da política de quotas no ensino público.
Aparteantes
Alvaro Dias, Geraldo Mesquita Júnior, Mão Santa, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2004 - Página 11885
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), CRITICA, SALARIO MINIMO, DEBATE, REFORMA AGRARIA.
  • REGISTRO, APOIO, AGILIZAÇÃO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, ESTUDO, ORÇAMENTO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.
  • APRESENTAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA (SECOM), ASSUNTO, VIABILIDADE, AUMENTO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.
  • APRESENTAÇÃO, ESTUDO, PREFEITURA, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, AUMENTO, SALARIO MINIMO, VINCULAÇÃO, QUANTIDADE, CIRCULAÇÃO, DINHEIRO, MERCADO INTERNO.
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO, NEGRO, BRASIL, DEFESA, COTA, UNIVERSIDADE FEDERAL.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senadores Papaléo Paes, Senador Mão Santa, Senadoras Serys Slhessarenko e Heloisa Helena, quero, de pronto, deixar aqui um documento da 42ª Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizada de 21 a 30 de abril de 2004. Não lerei todo o documento, mas registro que os bispos foram muito felizes ao demonstrar muito claramente a sua indignação com o valor do salário mínimo e solicitam à sociedade que pensem seriamente nos dados do IBGE, que demonstram que um terço da população brasileira vive com R$79,00 mensais.

A Conferência dos Bispos, além de tratar da questão do salário e da renda e de mostrar disposição em auxiliar esta Casa na melhora do valor do salário mínimo, é muito feliz quando fortalece o debate sobre a reforma agrária, dispondo sobre a demarcação não só das terras dos índios, mas também dos afro-brasileiros e dos quilombolas. Enfim, o documento trata exclusivamente dos excluídos. Demonstram os bispos, com argumentos muito sólidos, que é possível, sim, termos um salário mínimo maior no Brasil.

Passo esse documento à Casa, como deixarei também as cartas que tenho recebido de associações de Prefeitos, de Governadores e de empresários, pedindo que o salário mínimo atinja um patamar maior.

Sr. Presidente, havia saído do plenário na sexta-feira, mas assisti ao debate sobre o salário mínimo. Senador Geraldo Mesquita Júnior, V. Exª estava presente e entrou na discussão dos pãezinhos. Ouvi V. Exªs falarem sobre a quantidade de pãezinhos que se compra com o aumento. Quero dizer que não se trata apenas de quatro ou cinco pãezinhos. Com o aumento de R$240,00 para R$300,00 ou R$330,00, como propõe a Senadora Heloísa Helena, dá para comprar algumas centenas de pãezinhos e algumas dezenas e dezenas de saquinhos de leite por mês.

Ora, vamos dizer que o salário passasse de R$240,00 para R$300,00. Não estou aqui sequer advogando essa tese, pois a discussão não envolve meia dúzia de pãezinhos. Quem talvez nunca ganhou o salário mínimo não sabe quão importante é ter oito pães e dois saquinhos de leite a mais todos os dias. A discussão não envolve um, dois, três ou quatro, mas centenas e centenas de pãezinhos - se querem levar o debate para esse aspecto - e dezenas e dezenas de saquinhos de leite.

Ora, talvez muitos não saibam o que seja juntar moedinhas para comprar o pão ou o leite. Essa é uma discussão que não pode ser tão simplificada assim. Quero dizer, com todo o respeito aos Senadores e àqueles que têm o entendimento de que, primeiro, temos que investir na infra-estrutura, que o discurso da infra-estrutura ouço há 100 anos. Devo ter passado já pela segunda geração, pois estou com 54 anos. Só que o investimento da infra-estrutura não vem e, como diz o documento da CNBB, dois terços da população continua passando fome.

Senador Geraldo Mesquita Júnior, V. Exª é Relator de um projeto e construiu algumas alterações que mostram o caminho que esta Casa tem a obrigação de alterar. Vou passar a palavra a V. Exª, dizendo que hoje de manhã tive a oportunidade - e não vou aprofundar esse debate agora, vou ficar no salário mínimo - de conversar com o Deputado José Pimentel, com o Senador Tião Viana, com o Presidente José Sarney e o Presidente João Paulo. A discussão era, de novo, a PEC paralela. Avançamos, mas como isso vai passar ainda pelo Colégio de Líderes da Câmara e do Senado, não vou me adiantar, porque os Líderes é que darão sua opinião final sobre esse assunto. Todavia, quero registrar que, pelo menos, foi vista com bons olhos a idéia de formar uma comissão de Deputados e Senadores para apontar fontes de recursos. E V. Exª, como Relator da matéria para que fique claro que temos condições, sim, de mostrar que existe fonte de recursos para elevar o salário mínimo acima de cem dólares.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (Bloco/PSB - AC) - Existe, sim, Senador Paulo Paim. Agradeço o aparte que V. Exª me concede. Considero oportuno que V. Exª tenha trazido a questão dos pães...

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muitas pessoas me ligaram, discordando daquele debate.

O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (Bloco/PSB - AC) - Precisamos afastar, definitivamente, a imagem de que estamos nessa discussão de forma demagógica, defendendo algo insustentável. Não se trata disso. Insisto na tese que V. Exª, eu e tantas companheiras e tantos companheiros do Senado estamos defendendo: precisamos valorizar o trabalho e o trabalhador neste País. Falamos tanto em injustiça social. Injustiça social decorre também da supervalorização do capital em detrimento da valorização do trabalho. Para quem tem muito, R$40,00 ou R$60,00 talvez não façam falta realmente, Senador Paulo Paim, mas, para quem vive na linha da sobrevivência, uma quantia dessa faz falta, sim. Quem dera que pudessem comprar mais cinco, seis pães e dois sacos de leite por dia! Em relação à fonte de recursos, os Procuradores da Fazenda Nacional, por exemplo, estão em greve, propondo, entre outras coisas, a reestruturação do próprio órgão, que foi sendo sucateado ao longo do tempo. Os Procuradores não têm condição mais de operar, de atuar, de cobrar a dívida ativa da União. E se tivessem, Senador Paulo Paim, num exercício só - pelo que sei e pelo que conheço -, os Procuradores teriam capacidade de arrecadar o suficiente para que elevássemos o valor do salário mínimo muito além do que está aí. É preciso ter visão dinâmica das coisas. Precisamos resolver alguns impasses que estão incomodando e importunando. A greve é justa: eles estão no limite da sua capacidade de trabalho sem a menor condição de trabalhar. Pretendem salário? Vão discutir salário também. É claro que têm que discutir! São profissionais dignos, competentes, que dão o suor diariamente para arrecadar para o Tesouro Nacional. Merecem um salário digno. A luta é por isso e pela reestruturação do órgão, pela criação de um corpo funcional que possa atendê-los, coisa que a Procuradoria não tem - ela só tem os Procuradores. Para isso, basta vontade política e boa vontade, para que as pessoas se sentem para discutir, conversar e acertar os parâmetros, que devem ser definidos para que tenham condições de aprofundar a arrecadação que está a seu encargo. Tenho certeza absoluta de que, em pouco tempo, arrecadariam o suficiente, e muito mais do que o suficiente, para que pudéssemos, neste País, estabelecer um valor decente para milhões de trabalhadores que vivem desse salário minguado. Um acréscimo maior seria de boa chegada e de bom tom. Muito obrigado, Senador!

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Li os jornais desse fim de semana. E a primeira página de vários deles estampou: “Brasil: campeão mundial da desigualdade social”, referindo-se a um depoimento dado por um representante da ONU. Um representante da OIT afirmou que o salário mínimo deveria ser, para o brasileiro não passar fome, de R$356,00 (trezentos e cinqüenta e seis reais). E um representante do Banco Mundial argumentou que o Brasil não se deveria preocupar tanto com o superávit primário e investir mais no social. Ou seja, não sou eu que estou dizendo!

Há um documento no próprio site do Palácio cujo título é: “Estudos mostram que reajuste do mínimo pode ser maior”, conforme informações da agência da Secom. E diz o site do Palácio: “Enquanto os Ministros da área econômica e Lideranças do Governo...” - e reafirmo que sou da base do Governo - “...argumentam que as restrições fiscais impedem um reajuste maior do salário mínimo, estudos mostram o contrário”. E, dentre os estudos, a reportagem cita o que foi publicado pela Prefeitura de São Paulo intitulado “Uma contribuição ao debate do salário mínimo”, de Márcio Pochmann, que prova, por A mais B, que é possível um salário mínimo maior que R$300,00 (trezentos reais). E diz que, com isso, ganham as prefeituras, ganha o Estado, ganha a própria economia.

E pode-se recorrer, Sr. Presidente, ao PPA, que diz a mesma coisa. Se o que está escrito no PPA fosse respeitado, teríamos um salário maior, o que criaria, conforme o PPA, um ciclo virtuoso positivo na economia brasileira.

Faço questão de conceder um aparte ao Senador Papaléo Paes.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador Paulo Paim, uso um pouco do seu tempo para dar meu testemunho sobre seu trabalho, sua determinação, sua responsabilidade para com o trabalhador brasileiro. Não vou falar sobre o salário mínimo, porque V. Exª está expondo muito bem sobre o assunto e já fiz um pronunciamento na quarta-feira a respeito. Quero louvar sua presença nesta Casa. É a voz, que não se cala, em prol do trabalhador brasileiro. Eu só desejava fazer este registro. Muito obrigado.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Papaléo Paes.

Quero trazer à memória de todos o fato de que, quando criado, em 1940 - e V. Exª já falou sobre isso -, o salário mínimo valia R$661,00. Estamos lutando por um valor que não atinge nem a metade disso: apenas lutamos pelo valor de R$300,00, algo em torno de US$100.00. E desejo também lembrar, em homenagem ao Deputado Haroldo Sabóia, que em 1995 foi o Relator do projeto que deu o reajuste de R$46,00, de uma proposta que apresentei. Eu presidia a Comissão, portanto, não podia ser autor nem Relator, mas, naturalmente, o Deputado Haroldo Sabóia construiu um substitutivo, o qual aprovamos, propondo e comprovando a viabilidade de um salário mínimo que ultrapassava o valor dos US$100.00. Isso é possível.

Hoje de manhã o próprio Presidente, no café com o Presidente, disse entender que o salário mínimo deva ser pelo menos R$300,00. Esperamos, então, que os Ministros não criem obstáculos para chegarmos a este patamar. Quem está nos ouvindo, neste momento, deve estar se perguntando: por que só R$ 300,00? Tenho dito: vamos assegurar pelo menos esse mínimo do mínimo, que é em torno de R$ 300,00.

E é possível, Senador Mão Santa. Faço questão de garantir um aparte a V. Exª, que tem com muita firmeza defendido aqui posições como essa da elevação do salário mínimo, sem discriminar aposentados e pensionistas, que, pela medida provisória editada, receberiam somente a metade desse tão pouco que foi dado ao salário mínimo.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, V. Exª tem muito compromisso. O Rio Grande do Sul, sem dúvida alguma, é um legado. Se não me falha a memória, o primeiro homem a pagar dinheiro para operário foi um gaúcho, Mauá. E daí, as lutas se sucederam: Getúlio Vargas, João Goulart, que pagava US$125.00 e desejava que fosse US$250.00, e V. Exª. E acredito nesse seu sangue gaúcho, na História gaúcha, com a Farroupilha e tantas outras lutas. Um Parlamentar, que estava em uma situação como a de V. Exª, Voltaire, disse: “À Majestade, tudo, menos a honra”. V. Exª tem que mandar esse recado para Majestade Lula, porque estão atingindo a honra de V. Exª. V. Exª já foi muito tolerante, e a tolerância tem seus limites. E essa foi uma bandeira que lhe trouxe aqui. Votei em Lula e não foi só por ele, foi pelas companhias e, entre as companhias, a que mais se destacava era a de V. Exª. Para mim, assim como Cristo foi o maior líder da nossa religião, o que mais se aproximou de Cristo foi São Francisco. Acredito que V. Exª, pela vida e a Lula, era o que tinha mais proximidade com o Presidente Lula. Então, que faça uma prece, como São Francisco: “onde houver desespero que leve a esperança”, que leve a esperança de melhorar a qualidade de vida do trabalhador brasileiro.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. O seu depoimento segue a mesma direção da sensibilização do Governo, para que consigamos mudar essa Medida Provisória.

Vi, nos jornais de hoje, inúmeras afirmações que o Governo fará de tudo para não mudar a Medida. Lembro-me de que, sobre a Previdência, também foi dito isso. E a Reforma da Previdência foi mudada na Câmara. Aqui fizemos aquele embate e, pelo menos, houve quem não quisesse aceitar mudanças na PEC paralela, que quero ver concretizada ainda com a votação no mês de maio por todos os indicativos. E tenho entendimento, Senador Alvaro Dias, de que essa PEC da Previdência, nos moldes que foi apresentada, não passa.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Paulo Paim, também gostaria de cumprimentá-lo pela luta que vem travando há tantos anos em favor de uma melhor qualidade de vida para o trabalhador brasileiro. E, sem dúvida, o salário mínimo é fundamental. É o ponto de partida para a elaboração de uma política que diga respeito ao interesse direto do trabalhador, a política salarial. O Presidente Lula disse, hoje pela manhã, que ele, o Ministro Palocci e o Ministro José Dirceu, gostariam de elevar o mínimo para R$300,00. Fica a impressão de que os demais não gostariam, pois citou apenas os dois. Acrescentou que seria impossível, tendo em vista o impacto nas contas da Previdência. Mais uma vez, a Previdência é pretexto para amesquinhar o salário mínimo. Imaginávamos que, com a reforma da Previdência, não teríamos que ouvir mais esse argumento. Lamentavelmente, a reforma foi feita atendendo aos interesses do arrocho fiscal. O objetivo da reforma foi reduzir despesa e aumentar a receita, portanto tapar o buraco que dizem existir nas contas da Previdência, mas de nada adiantou, pois, quando chegou o momento, o benefício foi negado. Se houve um enorme prejuízo para o trabalhador, imaginávamos que alguma vantagem poderia advir, mas não ocorreu. É lamentável que isso ocorra. Imaginamos, assim como V. Exª, que há uma visão imediatista. É preciso que o Governo tenha uma visão estratégica de futuro e veja, a médio e longo prazos, que a recuperação do poder de compra do salário embala, estimula a economia, fazendo com que roda da economia gire com mais força, certamente. Se o trabalhador readquirir seu poder de compra, o mínimo que seja, consumirá mais. Um venderá mais, o outro produzirá mais, pagará mais impostos, o Governo arrecadará mais. Enfim, creio que a recuperação do poder de compra do salário mínimo deve ocorrer paulatina mas firmemente, o que será muito importante também para o reaquecimento da nossa economia.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço ao Senador Alvaro Dias, que também faz um pronunciamento na mesma linha de todos os outros Senadores, que é possível, sim, elevarmos o valor do salário mínimo. Vou torcer para que essa comissão, composta por senadores e deputados, com a participação - e por que não? - de um representante do Executivo, seja instalada rapidamente. Então podemos mostrar o dinheiro do Cofins, que são R$10 bilhões; a arrecadação da Receita no último ano em relação ao ano anterior, em torno de 15,5% a mais; podemos também lembrar os grandes devedores, de quem podíamos cobrar essas dívidas e usar o dinheiro para pagar o salário mínimo; o superávit da Seguridade Social; o próprio PPA; o orçamento que já previa um salário mínimo acima de R$270,00. Fontes, temos inúmeras.

O bom debate nessa comissão vai proporcionar ao Governo a abertura do seu livro de contas para nos dizer onde está o dinheiro da Seguridade. É necessário pagar outras áreas? Sim, mas e o que restou para a Previdência? Vamos fazer um debate tranqüilo, de alto nível, entre Câmara Senado e Executivo, para conseguirmos um benefício decente para os aposentados e pensionistas e também para esses milhões e milhões de brasileiros que recebem nessa faixa de zero a um salário mínimo.

Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko, ao encerrar meu pronunciamento, quero deixar na mesa - e peço que seja inserido, na íntegra no meu discurso - a defesa que faço mais uma vez à política de cotas. Por que insisto tanto na política de cotas? E isso tem a ver com o salário mínimo, porque os que dizem que a questão do salário mínimo é apenas de infra-estrutura para atender os mais pobres são os mesmos que dizem isso em relação às cotas, há mais de 50, 100 anos, para não dizer há mais de 400 anos. Dizem: não se preocupem, vamos investir no ensino público e não haverá necessidade da política de cotas, mas passaram-se 500 anos e os negros são 1,5% dos que estão nas universidades. Se não insistirmos na política de cotas, daqui a 100 anos, vão dizer: o investimento é no ensino público. Não é preciso cota para ninguém. Dizem o mesmo em relação ao salário mínimo: o investimento é na infra-estrutura. Não é preciso aumentar o valor do salário mínimo. Se isso fosse verdadeiro, não seria realidade que 99% dos países do mundo estão valorizando o salário mínimo, menos o Brasil. O País é o soldadinho do passo certo porque não nos preocupamos em valorizar o salário mínimo. Todos os países estão a fazer isso.

O Rio Grande do Sul, por exemplo - e eu dizia que o salário mínimo tem impacto nos Estados - já aumentou o piso para R$360,00, e ninguém berrou, chiou, reclamou, empresário nem prefeitura alguma. Será que é só o Rio Grande do Sul? Não é porque sou gaúcho. Todos os Estados têm condição de ter um salário mínimo, pelo menos, próximo aos US$100.

Srª Presidente, torço para que esta Comissão seja instalada rapidamente e possamos debater, com clareza, essa questão durante os próximos 60 dias. São 60 dias. Sei que alguns pensam que uma questão do salário mínimo termina no dia 1º de maio. Não é verdade. Teremos de discutir a medida provisória, e isso leva de 45 a 60 dias em debates sobre o substitutivo que vamos construir.

Então, quanto mais rápido construir-se o acordo, melhor para todos.

Vou repetir uma frase que ouvi. Disseram: Não se preocupem. É só atender as emendas e cargos para Deputados e Senadores que eles votam qualquer salário mínimo.

Não concordo com essa afirmação. Ela não é verdadeira e tenho certeza de que os Deputados e Senadores vão discutir com profundidade e vão exigir mudanças nesse salário mínimo, que, como disse V. Exª ao Ministro do Trabalho, é inaceitável.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Paulo Paim, sua solicitação de registro será atendida de conformidade com o Regimento.

 

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SEGUE NA ÍNTEGRA PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR PAULO PAIM

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O SR. PAULO PAIM - (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: na semana passada, ao tomar conhecimento do novo valor do salário mínimo que passou a vigorar no último sábado, manifestei desta tribuna minha frustração, pois eu estava certo de que o Governo não perderia a oportunidade de elevar o salário para R$300,00, atingindo a paridade com os US$100.00 que venho defendendo ao longo dos últimos 18 anos.

Como das vezes anteriores, em que os governos decretaram valores do salário mínimo muito abaixo das necessidades dos trabalhadores e da real capacidade do governo de arcar com um reajuste maior, anunciei minha disposição de propor a criação de uma comissão mista de Senadores e Deputados para que se encontre, no Orçamento da União, os recursos necessários para que possamos atingir o valor de R$300,00.

Sempre vislumbrei essa possibilidade e, durante seminário que promovemos aqui no Senado sobre “Desemprego e Renda”, pude confirmar, por meio dos depoimentos de diversos especialistas no assunto, que um salário mínimo de R$300,00 além de ser viável, não representa ameaça aos cofres públicos seja no nível municipal, estadual ou federal.

Para surpresa minha, pude verificar nesse final de semana que o próprio Palácio do Planalto reconhece que o valor do salário mínimo poderia ser maior, o que foi feito por meio de reportagem distribuída pela Agência Brasil, veículo de informação oficial do governo, vinculado à Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica - Secom, da Presidência da República.

Sob o título “Estudos mostram que reajuste do mínimo poderia ser maior”, a notícia distribuída pela Agência da Secom informa que “enquanto os ministros da área econômica e lideranças governistas argumentam que as restrições fiscais impedem um reajuste maior do salário mínimo, estudos mostram o contrário”.

Entre esses estudos, a reportagem cita o que foi realizado em abril pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura do Município de São Paulo, intitulado “Uma contribuição ao debate do salário mínimo”, e que desmonta, como já demonstramos com depoimentos de Associações de Prefeitos, a falácia de que um maior reajuste do salário mínimo pode quebrar os municípios, os estados ou a Previdência Social.

Esse estudo da Prefeitura de São Paulo, apresentado no seminário que realizamos por seu autor, o Secretário Márcio Pochmann, mostra que na União e nos Estados o aumento de despesas seria “desprezível” caso o Governo federal fixasse o valor do mínimo em R$ 300,00.

Para a União, esse impacto seria de 0,01% e para os Estados, de 0,14%. Para as prefeituras seria lucro só, conforme demonstrei na semana passada ao ler desta tribuna uma moção que recebi da Federação das Associações dos Prefeitos do Rio Grande do Sul.

Segundo os prefeitos, o aumento do salário aumenta a quantidade de dinheiro em circulação nos municípios, provocando aumento no consumo e gerando mais produção e empregos.

A reportagem da Agência Brasil lembra que o próprio Plano Plurianual - PPA, elaborado pelo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “estabelece que o aumento do poder de compra do salário mínimo é um dos instrumentos necessários para se criar um ‘círculo virtuoso’ na economia brasileira.”

A reportagem acrescenta que o PPA cita ainda a reforma agrária, o fomento à agricultura familiar, o próprio Bolsa-Escola, a universalização da assistência aos idosos e o microcrédito como outros indutores da ampliação da base de consumo do País.

A Agência Brasil também se refere em sua reportagem a um estudo do Dieese, feito em maio de 2002, mas que considera “ainda atual” no que se refere às restrições que impedem a recuperação mais rápida do poder de compra do salário mínimo.

“As restrições impostas pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as contas públicas do Estado brasileiro têm marcado decisivamente o debate sobre a recuperação do valor do salário mínimo”, afirma o estudo.

Acrescenta que “o déficit previdenciário e os efeitos sobre as contas públicas municipais - aspectos particulares de uma crise fiscal mais ampla que tem sua raiz no desequilíbrio das contas externas agravadas pelas taxas de juros - são sempre apontados como impeditivos da melhoria do salário mínimo”.

Como podemos ver, as razões para o não reajuste que leve à recuperação, ainda que gradual, do salário mínimo são outras, não têm que ver com as justificativas apresentadas pelas autoridades.

Quando foi criado em 1940, o salário mínimo equivalia, em valores de hoje, a R$661,00. E nós estamos lutando para que chegue a menos da metade desse valor, a R$300,00, algo em torno de US$100.00.

Essa equivalência já alcançamos em 1995, quando dividi com o então Deputado Haroldo Sabóia (PT-MA) a autoria da emenda que elevou o salário mínimo para US$100.00.

Mas além da matéria divulgada pela Agência Brasil, a Secom divulgou na manhã de hoje o programa de rádio “Café com o Presidente”, com a primeira manifestação do Presidente Lula sobre o reajuste do salário mínimo.

Para felicidade minha, o Presidente afirmou que gostaria de ter dado um salário mínimo de R$300,00, e que não o fez por causa do alegado impacto nas contas da Previdência.

No nosso entendimento, a manifestação do Presidente é a abertura de uma porta para o trabalho que vamos fazer aqui, de buscar no Orçamento os recursos necessários para elevar o reajuste dado.

Como já conseguimos em outras oportunidades, de Orçamentos mais apertados e sem a possibilidade, como existe agora, de excesso de arrecadação, estou certo de teremos êxito na garimpagem que nos propomos a fazer e encontraremos os recursos que faltam para elevar o salário mínimo a um patamar que permita a quase dois terços da população brasileira que dele dependem viver com mais dignidade.

Sr. Presidente, o segundo assunto que trago à atenção de V. Exªs, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que temos mais de vinte anos de pesquisa sistemática sobre desigualdades raciais. Uma base sólida de dados estatísticos que têm apontado a enorme distância entre negros e brancos no Brasil.

Duas décadas de pesquisas oficiais, realizadas por institutos de prestígio vinculados ao Governo federal, dão números a uma realidade que é do conhecimento de todos os brasileiros: os negros são os mais pobres, os menos escolarizados, recebem os menores salários quando empregados e constituem a maioria esmagadora dos trabalhadores lançados na informalidade e no desemprego.

Já não podemos explicar esse quadro dramático de exclusão como fruto da escravidão. Do mesmo modo, não podemos ficar apenas no plano das denúncias.

Depois da Lei Áurea, há 116 anos, as políticas que garantem o acesso ao curso superior são as primeiras políticas públicas voltadas para a população negra conhecidas no Brasil.

E o que estamos assistindo, em alguns meios de comunicação, é uma distorção que não informa, que torce pelo fracasso, acusando até de “racismo às avessas” as primeiras tentativas de superação das desigualdades raciais no campo da educação.

Estamos convencidos de que os brasileiros podem ter dúvidas sobre qualquer assunto, exceto este: quem é ou não é negro.

Os negros são imediatamente identificados quando se trata de excluir ou apenas diagnosticar a exclusão. Mas quando surge, pela primeira vez, a possibilidade da inclusão, estamos cheios de dúvidas.

O que aconteceu na UnB, durante a matrícula do primeiro vestibular com reserva de vagas para negros em uma universidade federal, não foi gerado pela autodeclaração, mas pela fraude, pela intenção deliberada de fraudar um programa que beneficia negros numa sociedade que “naturalizou” a agressão aos direitos humanos dos afro-brasileiros.

Não podemos crer que as incertezas sobre a identidade só se manifestem em circunstâncias nas quais se pretende beneficiar o negro, porque, quando se trata de excluir e discriminar ou organizar estatísticas, por exemplo, sobre as crianças que não são adotadas, sobre as crianças rejeitadas na adoção, pode-se afirmar, com segurança, que são negras em sua esmagadora maioria.

No entanto, se quisermos estabelecer uma preferência no sistema de adoção, beneficiando essas mesmas crianças negras, logo ouviremos vozes de protesto, que se erguerão para afirmar da dificuldade de sabermos, afinal, quem é ou não é negro.

As fotos utilizadas na UnB para impedir a fraude ainda são rotina em processos de seleção no mercado de trabalho, e sempre serviram para excluir o negro. Agora que utilizamos as fotografias para garantir que o programa de cotas atinja seus objetivos, os editoriais indignados falam de “tribunal racial”.

O País que se acostumou a descumprir todas as convenções internacionais sobre políticas de combate ao racismo, que se satisfaz com a hipócrita igualdade jurídica e se mobiliza contra a igualdade social, real e concreta, surpreende-se diante da implementação de políticas em benefício do negro.

Boa parte da incompreensão sobre a importância das medidas especiais, como as que foram assumidas pela Universidade de Brasília, decorre do desconhecimento de que todos - e não apenas os negros - podem usufruir de uma sociedade democrática, pluralista e fraterna.

E mais, Sr. Presidente, muitos brasileiros foram educados acreditando que viviam em uma “democracia racial”. Essa era uma visão distorcida da realidade, mas era confortável e conveniente. Era quase um “orgulho nacional” afirmar a grande tolerância dos brasileiros diante da diversidade.

O espelho se quebrou. O espelho em que projetávamos uma imagem idealizada de nossas relações raciais se partiu. Dá para imaginar o choque de quem, educado no engano e no embuste, depara com a urgência de implementação de medidas para a superação das desigualdades raciais criadas pelo racismo e a discriminação racial.

O Estado nunca assumiu entre nós o compromisso de educar contra o racismo. Esta omissão sistemática realimenta uma visão preconceituosa que vem do período colonial.

Precisamos reagir a esse estado de coisas. Bastou um conjunto de pequenas conquistas no campo da educação para atiçarmos toda a ira daqueles que se acomodaram em seus privilégios.

Mas nem todos reagem negativamente. Temos testemunhado uma mudança de mentalidade. Parte significativa da sociedade brasileira avançou de fato na compreensão de que a consolidação de nosso processo democrático está associada à superação das desigualdades raciais.

Estivemos na semana passada na UnB, participando de mais um debate sobre cotas. Vi muitos estudantes, brancos e negros, juntos, engajados em uma mobilização que é um exemplo para todo o país. Os jornais não falam dessas coisas positivas.

Vejo em muitos lugares manifestações concretas dessa mudança de mentalidade que estimula a tolerância e valoriza a diversidade racial e cultural, rejeitando os preconceitos e o racismo.

As possibilidades são reais, estamos finalmente dando passos concretos para construirmos uma sociedade onde caibam todos - sem exceção.

Era o que eu tinha a dizer.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAULO PAIM EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, incisoI e § 2º do Regimento Interno.)

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Matérias referidas: “Tribunal Racial”, da Folha de S.Paulo

“Mensagem para o Dia do Trabalhador”, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2004 - Página 11885