Discurso durante a 48ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registra matéria publicada na revista Carta Capital sobre pesquisa realizada pela Universidade Rural do Rio de Janeiro, a respeito dos resultados da reforma agrária, referente aos assentamentos já realizados.

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Registra matéria publicada na revista Carta Capital sobre pesquisa realizada pela Universidade Rural do Rio de Janeiro, a respeito dos resultados da reforma agrária, referente aos assentamentos já realizados.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2004 - Página 11901
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, PESQUISA, UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ), ESTUDO, ASSENTAMENTO RURAL, BRASIL, VIABILIDADE, REFORMA AGRARIA, MELHORIA, AUMENTO, RENDA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO RURAL.
  • IMPORTANCIA, ORGANIZAÇÃO, TRABALHADOR, SEM-TERRA, REIVINDICAÇÃO, OCUPAÇÃO, TERRAS.
  • REITERAÇÃO, COMPROMISSO, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, POPULAÇÃO RURAL.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ilustre Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, meus agradecimentos à minha Líder, Senadora Ideli Salvatti, pela cessão do tempo, para que eu possa, desta tribuna, referir-me a uma matéria importante publicada no último número da CartaCapital, revista que deve ser lida e respeitada pelo conteúdo sempre bem elaborado, honesto e positivo. Trata-se de matéria sobre uma pesquisa realizada pela Universidade Rural Federal do Rio de Janeiro, que tem história, que tem tradição, que tem qualidade, que tem respeitabilidade, sobre os resultados da reforma agrária, dos assentamentos já feitos neste País. Os pesquisadores percorreram trinta e nove Municípios em nove Estados brasileiros, ouviu mais de quinze mil famílias assentadas, ouviu os habitantes das pequenas cidades próximas aos assentamentos, discutiu com a equipe técnica todos os depoimentos tomados e chegou à conclusão, resumida numa frase, de que a reforma agrária é viável, a reforma agrária é necessária, a reforma agrária traz resultados importantíssimos, especialmente para um país com o quadro de desigualdades econômicas e sociais como o que o Brasil apresenta. A pesquisa mostrou, ainda o quadro de concentração de propriedade da terra, também teratológico, que poucos países apresentarão com proximidade aos índices revelados pela distribuição de terras no Brasil, ao contrário de alguns comentários apresentados, obviamente interessados e, por conseguinte, distorcidos a respeito dos resultados da reforma agrária, o que revelaria assentamentos completamente deformados em seu projeto original. Muitos dos assentados abandonaram a região e há resultados muito pobres em termos de aumento de produção e de melhoria da qualidade de vida dessa população.

O estudo revela que não se trata de milagre, porém clara e nitidamente, os assentamentos elevam substancialmente o nível de renda das populações assentadas. O nível de renda em todos os Municípios, em todos os assentamentos pesquisados, elevou-se. É claro que se eleva muito mais em alguns do que em outros, dependendo das condições locais, dos investimentos feitos e da própria qualidade empresarial das populações. Falo em qualidade de liderança das populações assentadas. O fato melhora inequivocamente o rendimento médio dos assentados, o nível de alimentação, de nutrição dos assentados, especialmente nesse ponto, propiciando suas conseqüências na saúde; melhora também as condições de educação, de informação dos assentados e de seus filhos; melhora as condições de habitação e de saneamento e sobretudo, Sr. Presidente - isso é importante -, aumenta substancialmente o grau de cidadania dessas pessoas, o grau de informação, de auto-estima, de percepção, enfim, da condição de cidadão brasileiro, não só fazendo-o conhecer seus direitos, mas também seus deveres, porque os assentados ficam sempre orientados e submetidos a constante revitalização dos seus conceitos de cidadania e de brasilidade.

A população assentada se liberta da opressão das necessidades vitais e também da ignorância, da alienação que caracteriza, em muitos casos, a grande massa de população marginalizada de nosso País. A reforma agrária é viável e traz, inequivocamente, resultados da maior importância, embora não milagrosos. Não se trata de algo que tenha dobrado o nível de renda, tornado as populações portadoras de um nível de riqueza, nada disso, mas melhora significativamente o nível de renda, a qualidade da alimentação, moradia, saúde, educação e eleva o grau de cidadania desses brasileiros que outrora estavam à margem da vida, do mercado, das estradas do País.

Sr. Presidente, o segundo ponto a ser considerado e que se ressalta nesse estudo importante é que 96%, quase a totalidade dos casos dos assentamentos visitados, tiveram origem em movimentos de reivindicação e de ocupação de terras. Temos que refletir, seja por razões de natureza financeira, orçamentária, fiscal, falta de recurso, seja por motivos ligados à burocracia, que até mesmo um governo ideológico e profundamente comprometido com a reforma agrária, que reafirma os seus compromissos em relação à reforma a cada momento, até mesmo governos dessa qualidade têm dificuldade em avançar, em dinamizar a reforma agrária. Os assentamentos, 96% dos casos daqueles visitados, fizeram-se à custa de reivindicação, de organização dos trabalhadores sem terra e de ocupação de terras.

Então, temos de ter espírito de compreensão dessa realidade. Se os trabalhadores não pressionarem minimamente a realidade que existe no campo, essa reforma agrária jamais será feita. É claro que nessa pressão ocorrem aqui e ali, com razões absolutamente compreensíveis e inevitáveis, excessos, abusos, casos que se lamentam.

Entretanto, a organização e essa política de pressionar por meio da ocupação de terras não cultivadas são necessárias como força impulsionadora desse processo. E esse processo encontra resistências organizadas politicamente no conservadorismo brasileiro, que tem séculos, mas também resistências que decorrem de fatores como escassez de recursos e atuação pesada da própria burocracia, que dificultam a implementação das decisões tomadas.

Então, é preciso respeitar o movimento dos sem-terra com os seus líderes; é preciso compreender certos excessos, que são inevitáveis e freqüentes. Compreender que, sem a existência deles, a reforma agrária não teria avançado praticamente nada, como nada avançou em séculos, no Brasil, desde a independência, quando o patriarca José Bonifácio já a preconizava e, naturalmente, as forças conservadoras do campo a impediram, durante séculos.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me um aparte, Senador Roberto Saturnino?

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Com todo prazer.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Senador Roberto Saturnino, estou ouvindo o pronunciamento de V. Exª, que expressa sobretudo o nível de maturidade política do nosso Partido e a capacidade de compreensão do processo histórico, numa interpretação lúcida, compatível com a nossa coerência histórica, do que seja o movimento reivindicatório para a reforma agrária no Brasil, a luta pela terra, que nós tantas vezes partilhamos com o MST e com todos os segmentos da sociedade, Contag e outros, que têm dedicado a sua vida à luta por um Brasil justo do ponto de vista agrário. Há uma diferença fundamental que V. Exª apresenta no seu pronunciamento: o arroubo que têm os setores conservadores de direita, que apontam o inimigo do Estado no movimento reivindicatório. Nós não agimos e não pensamos assim, não queremos esse tipo de relação entre o Estado e a sociedade - essa é a grande virtude do Partido dos Trabalhadores. Penso que é um privilégio termos o PT como um Partido que influencia diretamente as políticas públicas, porque está na nossa raiz a tolerância democrática e a capacidade de convivência na pluralidade. Apenas assinalaria um ponto, a fim de tentar contribuir mais com este seu pronunciamento tão lúcido, que é a questão da ideologização da luta pela terra no Brasil, onde existe disputa de poder nacional dentro do movimento rural reivindicatório, ou seja, do MST. Esse me parece ser um ponto em que não há entendimento uniforme entre nós. Disso me afasto definitivamente, pois creio que a virtude está na reivindicação do espaço de trabalho, da terra que dá vida, da terra que dá oportunidade, que tira a criança da fome, da miséria, da falta de escola, que lhe possibilita acesso à saúde e uma vida saudável. A luta pelo espaço de poder parece-me um ponto de confronto saudável e democraticamente salutar, para que possamos conviver divergindo e, de fato, demarcando, que é o interesse do Estado, a responsabilidade do Governo e da sociedade reivindicatória nesse campo. Parabéns pelo pronunciamento!

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Tião Viana. Ressalto a percuciência do aparte de V. Exª, ao distinguir a necessidade vital da posse da terra para os despossuídos do aspecto ideológico de disputa de poder, a qual, de certa forma, é natural, porque é um dado da realidade e se manifesta aqui e ali. Entretanto, temos de saber distinguir as coisas, embora compreendendo e aceitando essa posição, essa ideologização como algo decorrente do próprio sistema democrático que defendemos e que fazemos questão de cultuar e reforçar. Temos de fazer uma distinção e saber colocar a nossa posição muito mais ao lado da reivindicação vital da terra para o trabalhador e saber colocar, de certa forma, fora do nosso núcleo principal de posição política a ideologização nítida que vem acompanhando esse processo. Agradeço o aparte de V. Exª, pois foi muito esclarecedor.

Sr. Presidente, continuo ressaltando os pontos que a pesquisa aponta. De um lado, a reforma agrária exige recursos, que não são poucos, pois não é com pouca dotação que se realizarão assentamentos, porque eles exigem assistência sob a forma de assistência técnica, especialmente o crédito para o plantio, para a produção, para a construção da moradia e para a construção de estradas, a ligação com os transportes para o bom escoamento da produção. Isso exige recursos que, neste primeiro momento do nosso Governo, foram extremamente escassos pelo rigor da política fiscal desenvolvida obrigatoriamente, em face das circunstâncias encontradas.

Por outro lado, se a reforma agrária exige recursos, ela também se mostra como a forma mais barata, menos custosa de se gerarem empregos no Brasil. O custo por família assentada está em torno de R$24 mil, e, como cada família assentada gera em média três empregos diretos, isso corresponde a cerca de R$8 mil por emprego gerado, o que é incomparavelmente reduzido em relação à geração de empregos na indústria ou mesmo em serviços na nossa economia.

Ressaltados esses pontos, Sr. Presidente, é preciso fazer uma apreciação do desempenho do nosso Governo e reconhecer que o Governo Lula está efetivamente atrasado. Não vamos mentir à população, ao povo brasileiro, nem aos trabalhadores que estão buscando a sua terra: o Governo está atrasado em razão desse arrocho fiscal ao qual teve que se submeter para não correr o risco de uma desestabilização. Entretanto, as decisões já foram tomadas e têm que passar, rapidamente, por cima da democracia, para que os recursos liberados cheguem ao ponto final do processo, que é desapropriação e assentamento, com a concessão dos créditos necessários.

Quer dizer que o Governo Lula mantém integralmente seu compromisso de assentar mais de 400 mil famílias. As decisões para liberar os recursos necessários foram tomadas recentemente e vamos cumprir essa promessa. Tenho absoluta confiança no seu cumprimento, porque constitui um dos pilares fundamentais do Governo Lula.

Claro que outros compromissos importantes serão cumpridos, como a eliminação do analfabetismo, a eliminação da fome - não da pobreza, mas da fome aguda -, soluções para a seca do Nordeste, a transposição das águas, que vai resolver um problema secular, a auto-suficiência de petróleo, a interligação dos sistemas elétricos. Esses compromissos fundamentais, que estão proclamados no Plano Plurianual, serão cumpridos.

Quanto à reforma agrária, o compromisso de assentamento de 400 a 500 mil famílias será cumprido, o que será um passo gigantesco para melhorar o quadro social de distribuição de renda e riqueza no País. Esses assentamentos vão reduzir muito a exclusão de enormes populações trabalhadoras do nosso País, hoje sem perspectivas, mas que encontrarão nesses assentamentos condição de vida digna, conforme revelou a pesquisa da Universidade Rural.

Dessa forma, Sr. Presidente, a matéria da CartaCapital tem mais de 600 páginas, pela minúcia com que abordou todos esses pontos fundamentais. E, ao revelar ao Senado os resultados da pesquisa, quero reafirmar os compromissos firmes do Governo Lula em relação ao cumprimento das metas referentes à reforma agrária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2004 - Página 11901