Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Refutações às críticas do ex-Ministro das Relações Exteriores, Luis Felipe Lampreia, à política externa do atual governo. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Refutações às críticas do ex-Ministro das Relações Exteriores, Luis Felipe Lampreia, à política externa do atual governo. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 04/05/2004 - Página 11977
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. COMERCIO EXTERIOR. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • RESPOSTA, CRITICA, LUIZ FELIPE LAMPREIA, EX MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO FEDERAL.
  • REGISTRO, AUMENTO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, GARANTIA, SOBERANIA, ECONOMIA, VIABILIDADE, PARCERIA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, RUSSIA, AFRICA DO SUL, DEFESA, REFORMA TRIBUTARIA, COMERCIO EXTERIOR, BENEFICIO, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), INTEGRAÇÃO, TERRITORIO, APOIO, COMERCIO EXTERIOR, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA.
  • CONTESTAÇÃO, MOTIVO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AÇÃO MILITAR, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, ELOGIO, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO FEDERAL.
  • REIVINDICAÇÃO, PRESENÇA, BRASIL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PARTICIPAÇÃO, PRESERVAÇÃO, PAZ, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, POLITICA EXTERNA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REFERENCIA, COMPROMISSO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), PAIS ESTRANGEIRO, REDUÇÃO, SUBSIDIOS, AGRICULTURA, BENEFICIO, EXPORTAÇÃO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, CRITICA, FALTA, MERCADO AGRICOLA, BRASIL.
  • COMENTARIO, UNIÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INDIA, CHINA, AFRICA DO SUL, MEXICO, OPOSIÇÃO, SUBORDINAÇÃO, ECONOMIA.
  • PROPOSIÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ABERTURA, DISCUSSÃO, SUPERAVIT, IMPORTANCIA, CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO, COMENTARIO, INTERESSE, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), REVISÃO, CONCEITO, BENEFICIO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO.
  • DEFESA, RECONHECIMENTO, POLITICA EXTERNA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, POSIÇÃO, LIDERANÇA, ECONOMIA, AMERICA LATINA.
  • ANALISE, POSIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DIFICULDADE, NEGOCIAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), ACORDO, AREA DE LIVRE COMERCIO DAS AMERICAS (ALCA), SUBSIDIOS, PRODUTO AGRICOLA, LEGISLAÇÃO, COMBATE, DUMPING, BUSCA, PARCERIA, COMERCIO, AMBITO INTERNACIONAL.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, AUTORIA, ORADOR, CONGRATULAÇÕES, CELSO AMORIM, MINISTRO DE ESTADO, ITAMARATI (MRE), VITORIA, BRASIL, DECISÃO, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMERCIO (OMC), REDUÇÃO, SUBSIDIOS, ALGODÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 03/05/2004


************************************************************************************************

DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR ALOIZIO MERCADANTE NA SESSÃO DO DIA 29 DE ABRIL DE 2004, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

************************************************************************************************

SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, Srªs e Sr. Senadores: em primeiro lugar, quero discutir um pouco a questão da política externa do Brasil, porque acabo de ler o pronunciamento do ex-Ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia criticando a política externa do atual Governo.

Entre as afirmações que fez, em uma palestra na Câmara de Comércio Brasil-Alemanha e Ítalo-Brasileira, S. Sª afirma: "O atual Governo tem dado excessivo peso a questões políticas e ideológicas e pouco para as questões econômicas e comerciais".

Eu diria que essa afirmação não tem qualquer procedência. E o argumento mais sólido para combater esse tipo de reflexão são os resultados da política de comércio exterior do Brasil. No ano passado tivemos recorde histórico de exportações no Brasil, mês a mês, e neste ano estamos novamente batendo esse recorde. Isso é um resultado também da política externa, que de fato modificou a forma de ver o mundo, a inserção do Brasil, reivindicando uma inserção soberana do País na economia mundial.

Foi exatamente esse tipo de possibilidade que viabilizou parcerias, como, por exemplo, a que construímos com a China - para onde as exportações brasileiras cresceram 60% neste ano -, com a Rússia e com a África do Sul, países que estão dando um espaço muito decisivo para o crescimento das exportações brasileiras, em decorrência de uma inversão de prioridades da nossa política externa. Não queremos mais aquele Brasil passivo, submisso, em que política externa é ir dormir na casa da Rainha da Inglaterra, visitar Camp David com o Presidente norte-americano ou imaginar que, porque se está comprando cada vez mais produtos no exterior e vendendo o patrimônio do Brasil, essa é a política externa de resultados. Não! Nós precisamos de superávit comercial, precisamos exportar mais.

E isso exige, evidentemente, a reforma tributária. Ontem, inclusive, votamos uma medida muito importante nessa direção: a Medida Provisória da Cofins. Passamos a tributar os produtos importados e criamos isonomia com a indústria nacional, o que aumentará a competitividade relativa de quem produz aqui e gera emprego. Precisamos gerar emprego, salário, renda, desenvolvimento, e o comércio exterior é muito importante.

Portanto, estamos dando muita importância às questões econômicas e comercias, e os resultados estão aí, como no recorde histórico do saldo comercial. O Brasil tem o segundo maior saldo comercial, entre todos os paises em desenvolvimento, perdendo apenas para a China. E as exportações estão crescendo novamente, neste ano, em mais de 18%, mostrando o resultado dessa política diplomática.

Além disso, em relação às negociações multilaterais, S. Sª faz uma crítica dura sobre a questão da estratégia de negociação do Brasil com a Alca e diz que "o Brasil liderar a América Latina é uma ilusão, um sonho de uma noite de verão que não deveria durar dois minutos". Imagino realmente que visão tinha a antiga diplomacia do País.

O Brasil tem mais da metade do PIB, do território e da população da América do Sul. Temos responsabilidades imensas com a região, como buscar a integração regional, reconstituir o Mercosul, como foi reconstituído e fortalecido neste governo. Buscar ampliar o Mercosul, como está sendo feito. E podemos chegar ao final do ano com todos os países da região participando do Mercosul. Isso confere estabilidade institucional, econômica e comercial, cria novos horizontes para a diplomacia brasileira e coloca o Brasil em outro patamar.

E não tratamos apenas da política regional, mas também da integração física. A saída do Brasil para o Pacífico passa por essa parceria estratégica com os países da região.

A nossa primeira prioridade são os nossos vizinhos. Como somos um país de longa tradição pacífica, que tem uma imensa importância demográfica, econômica e territorial na região, adotamos uma atitude de solidariedade e apoio. E o novo Governo iniciou a sua diplomacia exatamente apoiando a Argentina, ajudando em sua reconstrução, defendendo aquele país nos fóruns multilaterais do Banco Mundial e FMI. Fizemos isso também em Washington. Assisti à conversa do Presidente Lula com o Presidente George Bush sobre a questão da Argentina.

A Argentina está se recuperando e o comércio bilateral Brasil-Argentina cresceu 45% este ano, como mostram as exportações brasileiras para a Argentina. Essa estratégia estava correta. Errado estava o governo anterior, que assistia à degradação, à desarticulação, à inviabilização do Mercosul e apoiava uma política de submissão e de atrelamento às grandes potências hegemônicas, sendo que evidentemente os resultados não seriam econômica e comercialmente positivos.

Por sinal, o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso destruiu o saldo comercial de US$14 bilhões, que tínhamos em 1994, e atingiu um déficit de US$8,5 bilhões quatro anos depois. Essa não era uma diplomacia que resolvesse as questões econômicas e comerciais do Brasil. Ao contrário, prejudicou decisivamente nossas relações comerciais e econômicas.

E não se trata apenas de questões diplomáticas. Imagino que o ex-ministro considera que questões políticas e ideológicas digam respeito, por exemplo, ao posicionamento do Brasil durante a Guerra do Iraque. De fato, tomamos uma posição firme, contrariamente à guerra, defendendo uma política de paz, afirmando - e eu estava com o presidente Lula na audiência com o presidente Bush - que as decisões da ONU deveriam ser respeitadas. Delegávamos à ONU, como instituição multilateral, a responsabilidade pela segurança e pela paz internacional, e dissemos que aquelas decisões o Brasil acompanharia. Entendíamos que o Iraque tinha que cumprir todas as resoluções da ONU, porque era absolutamente indispensável o fortalecimento, o reconhecimento e a valorização da ONU como uma instituição multilateral democrática, que tem que ser reformada, mas que tem um papel decisivo para buscar um mundo mais equilibrado, mais democrático, mais pacífico.

Por isso, não apoiamos o ataque militar e nem reconhecemos os pretextos que levaram ao ataque ao Iraque, que era a questão das armas de destruição em massa, que a ONU disse que não estavam comprovadas e que hoje o mundo sabe que não estão comprovadas. E quem está tendo que explicar essa questão são os governos que patrocinaram essa operação com informações que não se confirmaram e que hoje vivem inclusive uma reação da opinião pública em seus países e da opinião pública mundial. Esta é uma questão muito importante.

O Senador Hélio Costa, que foi Presidente da Comissão de Relações Exteriores e conhece tão bem esse tema que é a política externa - a que sempre se dedicou, trazendo uma importante experiência internacional -, sabe que há uma questão básica na diplomacia: temos grandes interesses econômicos e comerciais, mas princípios não se vendem, não se concedem, não se negociam. Então, a posição de princípio contra a guerra e de defesa das instituições multilaterais não pode ser colocada como oposição aos interesses comerciais e econômicos. E, de fato, não prejudicaram, porque nos posicionamos de forma madura, serena, equilibrada, sem abdicar dos nossos princípios.

Atualmente temos o reconhecimento de que tomamos a atitude mais correta. Por isso mesmo, cresce o apoio internacional a uma reivindicação histórica do Brasil de ter a presença no Conselho Permanente de Segurança da ONU. Hoje temos apoio de vários Governos europeus, inclusive da China, Índia, Rússia e de praticamente toda a América do Sul.

E essa possibilidade vai se concretizando a tal ponto que os países da região pedem e a ONU solicita que o Brasil comande uma força para preservar a paz no Haiti, ou seja, que lidere uma força-tarefa da ONU com essa responsabilidade. Esse é o reconhecimento da liderança que o Brasil exerce.

Não sei se o ex-Ministro Lampreia - que foi um grande arquiteto, juntamente com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, de uma política externa que, do meu ponto de vista, foi desastrosa nas relações comerciais e econômicas, tendo abdicado de uma liderança, de uma inserção soberana do Brasil, no período anterior -, quando diz que o atual Governo tem dado excessivo peso às questões político-ideológicas e pouco às questões econômico-comerciais, está tratando, por exemplo, da reunião da OMC.

Havia um compromisso dos países, na Rodada do Uruguai, quando se constituiu a Organização Mundial do Comércio, em 1994, que, dez anos depois, em 2004, os países ricos retirariam os subsídios da agricultura, revogariam parte das barreiras não-tarifárias que impediam os países em desenvolvimento, mais pobres, de produzir alimentos e exportar. Portanto, o centro da negociação seria a agricultura, em que os países em desenvolvimento, particularmente o Brasil, teriam uma grande competitividade.

A nossa safra agrícola vem batendo recorde nesses últimos anos - no ano passado e no atual -, com um crescimento espetacular. Entretanto, precisamos de mercado, e a Europa e os Estados Unidos subsidiam em US$365 bilhões a agricultura de suas economias, prejudicando as nossas exportações.

A Organização Mundial de Comércio proíbe esse subsídio para os outros setores como regra de um comércio internacional equilibrado e justo. No entanto, os países ricos foram para a reunião de Doha com uma outra atitude, ou seja, querendo que os países em desenvolvimento abrissem ainda mais a indústria e os serviços, não estando dispostos a negociar a agricultura. E a posição da diplomacia brasileira foi muito firme. Lideramos um grupo de 22 países, o G-22, que disse "não".

Pela primeira vez na história, Índia, China, África do Sul, México, os países com peso entre os países em desenvolvimento, mesmo os importadores de alimentos, como Índia e China, estiveram juntos com o Brasil, liderados pelo Brasil, para dizer que não aceitavam aquela política. Essa posição soberana, firme, equilibrada, madura e de defesa dos nossos interesses comerciais e econômicos não pode ser tratada como questão política e ideológica.

Por isso, a nova diplomacia brasileira é um êxito comercial, econômico, político e ideológico em todas as frentes. Na reunião do Bid, no Peru, o Brasil propôs uma carta, discutindo e reivindicando que o Fundo Monetário Internacional abrisse uma discussão sobre o conceito de superávit primário para os países em desenvolvimento. Esse conceito é fundamental para as contas públicas do Brasil, é indispensável para que possamos equilibrar e reverter o crescimento da dívida do período anterior, criando, portanto, condições de investimento e crescimento sustentável com estabilidade.

Na Europa, por exemplo, contabiliza-se no ano somente a depreciação do financiamento do investimento. No Brasil, não, deve-se trazer a valor presente toda a possibilidade de financiamento, o que inviabiliza os investimentos.

Dando um exemplo concreto, se o Brasil quiser lançar um título da dívida agrária de vinte anos, como está na Constituição, para estimular a reforma agrária - portanto, uma dívida que vai ser paga em vinte anos -, pelo conceito de superávit primário do FMI, deve-se trazer a valor presente os vinte anos e contabilizar no ano, o que inviabiliza a emissão de títulos e o avanço da reforma agrária.

É necessária a discussão sobre as estatais rentáveis e produtivas, sobre o financiamento e sobre a qualidade do conceito superávit primário - não se trata de mascarar a responsabilidade com o superávit que temos que ter, pois temos consciência de que ele é indispensável para a estabilidade econômica do Brasil.

Todos os países da região assinaram a carta. O Presidente Lula encaminhou aos principais Chefes de Estado solicitação ao FMI que rediscutisse a questão. E o FMI quer fazer um projeto piloto com o Brasil, exatamente buscando rediscutir a contabilidade, o conceito, as categorias que se possam estender aos outros países em desenvolvimento.

Estes são resultados: o superávit comercial, o crescimento exponencial recorde e histórico das exportações brasileiras, o respeito internacional. Agora mesmo, uma importante revista internacional coloca o Presidente Lula como uma das cem maiores lideranças do mundo. Esse reconhecimento político, essa credibilidade, não vieram pela submissão, não vieram pela passividade, não vieram porque estamos entregando e vendendo patrimônio deste País. Não. Vieram porque tivemos uma posição equilibrada, madura, respeitosa, mas firme na defesa da soberania e dos nossos interesses.

Por essa razões, basicamente, quero me contrapor às declarações do ex-Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, criticando a política externa, que é um absoluto êxito amplamente reconhecido em todas as frentes. Tenho certeza de que o Brasil não vai mais recuar dessa posição. Temos, sim, que assumir lideranças regionais, respeitar os nossos vizinhos.

O Ministro diz, por exemplo, assim: "o Brasil liderar a América Latina é uma ilusão, um sonho de uma noite de verão que não deveria durar dois minutos. Têm dez a doze paises no Caribe cuja população não chega a de Copacabana". Não é assim que se trata parceiros. Não é porque um país é menor que ele é menos importante. O reconhecimento, o respeito à diversidade cultural, à história, à identidade nacional são dimensões fundamentais da diplomacia. Temos que respeitar os nossos parceiros e os nossos vizinhos, sem abdicar da nossa liderança, porque temos mais da metade da população e do PIB da região. Os países esperam essa liderança, reivindicam essa liderança, aguardam essa liderança.

Já estou concluindo, sr. Presidente. Depois do expediente, tenho vinte minutos e estou bem aquém do meu tempo, mas já vou concluir. Os outros Líderes da Oposição, inclusive, falaram além do tempo devido. Por isso, estou reivindicando a atenção para um tema que é absolutamente indispensável que seja esclarecido e debatido.

A política externa do Brasil tem que se voltar para os interesses econômicos e comerciais. Avançamos muito na reconstrução do Mercosul e na negociação do Mercosul com a União Européia de um acordo bilateral. Quanto à Alca, que o ex-Ministro critica, a dificuldade maior de construção da Alca veio da própria diplomacia americana, primeiro, com relação à oferta que os Estados Unidos apresentaram. Eles ofereceram uma oferta para o Caricom - para o Caribe - e uma segunda oferta para a região andina - Pacto Andino - e uma terceira proposta para o Mercosul. Eles não ofereceram um programa de integração regional. Eles partilharam a sua oferta. Na realidade, são três acordos bilaterais em negociação. E impuseram, como tema prioritário da discussão, patentes, investimentos, compras governamentais e serviços, que são exatamente os temas que o Brasil não tem interesse de negociar nesse fórum. Queremos negociá-los na Organização Mundial do Comércio. Eles propuseram que o antidumping e os subsídios à agricultura - temas que queríamos negociar na mesa de comércio bilateral - fossem negociados na OMC. Por isso, houve uma dificuldade.

Defendemos que a agricultura, que os subsídios à agricultura e que as barreiras antidumping sejam prioridades na mesa de negociação. E eles não aceitaram. É legítimo que o governo americano tenha tomado essa decisão. E o Congresso americano colocou trezentos produtos na lista de exceção, não dando autoridade ao governo americano de negociação nos acordos bilaterais com o Brasil.

Os produtos são: suco de laranja, que é sobretaxado; álcool, em que somos o maior produtor do mundo e sobre o qual temos uma cota ridícula de exportação para os Estados Unidos - somos sobretaxados em 300% fora da cota -; o açúcar brasileiro, em que somos o maior produtor do mundo, custa a metade do custo do açúcar de milho que eles fazem e um terço do açúcar de beterraba - e não conseguimos exportar açúcar porque temos cota; há ainda o minério de ferro e o aço. Os produtos de maior interesse para o Brasil foram protegidos pelo Congresso e não estavam na mesa de negociação. Por isso, as negociações foram difíceis.

O Brasil tem todo o interesse em aprofundar a relação comercial bilateral com os Estados Unidos. Temos um comércio bilateral de US$35 bilhões e deveríamos chegar a US$100 bilhões em oito anos. Seguramente poderíamos fazê-lo.

O Canadá, que tem uma economia menor que a do Brasil, tem US$500 bilhões de comércio bilateral. Mas a construção de um comércio bilateral não se faz com uma economia onze vezes maior que a do Brasil, que tem mais produtividade, cujos juros são bem menores, cuja competitividade média da economia é superior, que impõe restrições tão severas para se sentar à mesa. Foi isto o que dificultou, porque, na verdade, o governo americano não tinha interesse em construir esse processo da forma como entendemos que deveria ser construído.

As negociações continuam, o diálogo continua, a nossa expectativa é buscar realmente uma parceria estratégica com uma grande economia como a americana, que compra duas vezes mais que a Europa e quatro vezes mais que o Japão. Por isso mesmo, é um parceiro estratégico, é ainda o maior parceiro brasileiro - sendo o segundo, hoje, a Argentina e o terceiro, a China, produto da nova diplomacia brasileira. Por isso, estamos batendo recorde de exportações. No entanto, queremos avançar, resguardando o nosso emprego, o nosso pacto produtivo, os investimentos, o desenvolvimento do Brasil.

Por tudo isso, concluo propondo um requerimento que estou apresentando ao plenário, parabenizando o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, pela vitória brasileira na OMC referente aos subsídios norte-americanos ao algodão. Tivemos mais uma importante vitória diplomática, a primeira dos países em desenvolvimento referente à agricultura, que abre um promissor caminho para o futuro.

Faço a leitura do requerimento:

Requeiro, nos termos do art. 222 do Regimento Interno, sejam apresentadas congratulações ao Exmº Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, pela vitória brasileira na OMC referente aos subsídios norte-americanos ao algodão. O término da cláusula da paz, dispositivo que proibia a apresentação de queixas contra subsídios agrícolas na OMC(...)

É importante o término da cláusula, porque países ricos deram dez anos, dizendo que iam negociar; e, durante dez anos, não podíamos questionar os subsídios à agricultura. Éramos questionados sobre os subsídios relacionados a outros setores em que somos mais fracos, mas no que se refere à agricultura não podíamos. Como acabou a cláusula da paz, agora já podemos questionar.

Prossigo a leitura:

(...)permitiu que o Brasil formulasse reclamação formal naquela organização contra os escandalosos subsídios que o governo dos Estados Unidos conferem a cerca de 25 mil plantadores de algodão.

Com efeito, entre 1999 e 2003, os produtores norte-americanos de algodão receberam do governo algo em torno de US$12,4 bilhões em subsídios.

São quase R$50 bilhões que eles receberam de subsídios para produzir algodão, destruindo a competitividade dos países em desenvolvimento, em que a agricultura às vezes é a única fonte de combate à fome e de geração de algum tipo de emprego, sendo que o valor total da produção algodoeira dos Estados Unidos mal chegou no período a US$13,9 bilhões. Então, o subsídio do algodão americano é 89,5%. Para cada quilo de algodão que eles colhem, eles dão um quilo em subsídio ao Estado, o que rebaixa o preço do algodão, prejudica o produtor do campo, a nossa indústria têxtil prejudica o produtor do campo, a nossa indústria têxtil, encarece esse produto, porque somos mais competitivos e essa não é uma regra de comércio justa.

Tais subsídios distorcem inteiramente o mercado internacional do algodão, prejudicando países como o Brasil e muito especialmente as nações paupérrimas da África subsaariana, várias das quais dependem da exportação dessa fibra para obter suas parcas divisas.

De fato, no interregno acima mencionado, o preço mundial do algodão caiu de US$0.72 para US$0.29 por libra/peso. Esse subsídio derrubou de US$0.72 para US$0.29 o preço do algodão durante esse período, destruindo culturas. Inclusive nós passamos por uma situação muito difícil.

A decisão inicial do painel do OMC, que poderá ser revista pelo órgão de apelação favorável à posição brasileira, representa a primeira grande vitória de um país em desenvolvimento contra as políticas de subsídios agrícolas praticadas pelos países desenvolvidos. É a primeira vez que um país consegue derrotar um país rico na diplomacia comercial pelas regras da OMC.

Eis um marco histórico. A partir de agora, caso tal decisão se confirme, as políticas agrícolas da União Européia, Estados Unidos e Japão poderão ser contestadas na OMC, o que poderá abrir espaço para que os países em desenvolvimento aproveitam a sua produtividade na agricultura com a finalidade de ampliar a participação no comércio internacional.

Trata-se, portanto, de vitória de grande envergadura e repercussão, que merece o aplauso de todos, particularmente do Senado Federal. Assim sendo, pedimos aos nobres Pares que dêem apoio a esse significativo requerimento.

Num dia como este um ex-Ministro deveria estar saudando a diplomacia brasileira pela firmeza, pela soberania dessa conquista e pelo espaço aberto a outros países em desenvolvimento (??). No mundo, mais de um bilhão de pessoas vivem com menos de dólar, por isso, os países ricos não têm o direito de subsidiar, com um dólar por dia, a produção. Subsidiam US$365 bilhões. Esse valor daria para dobrar anualmente a renda de um bilhão de pessoas que vivem com até um dólar por dia. Com o subsídio dado à agricultura, dobrar-se-ia a renda de um bilhão de pessoas que, neste planeta, vive com até um dólar por dia. E mais, daria oportunidade para aqueles que vivem da terra produzir, plantar e colher.

Por isso, a nossa posição deve ser firme, soberana. Tenho certeza de que o Plenário saberá reconhecê-la.


             U:\SUPER\20040503ND.doc 3:43



Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/05/2004 - Página 11977