Discurso durante a 49ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso, ontem, do Dia do Parlamento.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Transcurso, ontem, do Dia do Parlamento.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/2004 - Página 12107
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, LEGISLATIVO, ANALISE, IMPORTANCIA, REPRESENTAÇÃO POLITICA, NECESSIDADE, MELHORIA, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, AMBITO, VOTAÇÃO, ORÇAMENTO, ACOMPANHAMENTO, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, FISCALIZAÇÃO, EXECUTIVO, PROCESSO LEGISLATIVO.
  • ANALISE, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREJUIZO, LEGISLAÇÃO, DIREITO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho à tribuna, na tarde de hoje, para registrar o transcurso, nesta segunda-feira, 3 de Maio, de mais um Dia do Parlamento e, por extensão, também Dia do Parlamenta. No momento político por que passa o País e quando observamos a atuação das diversas casas de representantes populares - da mais modesta Câmara de Vereadores às duas Casas do Congresso Nacional, Câmara e Senado -, haverá sem dúvida um número significativo de cidadãos brasileiros, contribuintes, quando têm a felicidade de deter um emprego, que se perguntarão qual o sentido da representação hoje.

Haverá mesmo inúmeros contribuintes, em especial nas camadas mais esclarecidas, que tentarão estabelecer uma relação custo-benefício para saber se todos os recursos arrecadados, cotidianamente, sob a forma de impostos, taxas e contribuições, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, estão sendo adequada, racional e licitamente utilizados para corrigir os gritantes desequilíbrios sociais brasileiros. Em um primeiro momento, esses contribuintes vão constatar a inquietante omissão do Estado em questões tão antigas quanto urgentes, como segurança pública, infra-estrutura, transportes, educação e por aí vai. Assim, aqueles que com seriedade se detiverem nesse tipo de análise, na frieza dos números, seguramente entenderão que há um verdadeiro descalabro, um inexplicável descompasso, uma odiosa assimetria entre o que se paga ao Estado e aquilo que ele devolve em obras, realizações e serviços, como é seu dever constitucional.

Pois bem, mesmo os escolares sabem que somos nós, Parlamentares, atuando em escala nacional, estadual ou municipal, que analisamos, discutimos e votamos os orçamentos. Somos nós, Parlamentares, que, pela ação política, em nossas intervenções nos inúmeros plenários, acompanhamos a execução orçamentária, pressionamos, cobramos e forçamos o Poder Executivo a agir de forma responsável e conseqüente, devolvendo à sociedade aquilo que ela, normalmente com muito sacrifício, recolhe na forma de tributos. E o que vimos fazendo de efetivo nesse sentido?

Que respeito, que admiração será possível dedicar aos parlamentos e a seus integrantes, nos distintos níveis, quando parece que nós, políticos, homens e mulheres no exercício de atividades voltadas para o que seria o interesse público, não conseguimos, em muitas ocasiões, nem mesmo equacionar, muito menos resolver agudos problemas que afligem nossa população? Que tipo de consideração é lícito esperar por parte da sociedade, quando todos sabemos que as diversas administrações deixam de cumprir com suas obrigações mais comezinhas, ficando tudo no âmbito das promessas eleitorais, que logo se vão mostrar meramente eleitoreiras?

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se isso tudo fosse pouco, o que dizer do continuado abastardamento do processo legislativo brasileiro? Neste País, tudo evidencia que o Poder Legislativo perdeu, há muito, a capacidade de legislar, pois abundam, desde a sua instituição, pela Carta Política de 1988, as medidas provisórias. Neste quesito - legislar -, que é nossa mais alta prerrogativa, passamos a andar a um passo atrás de um Executivo sempre hipertrofiado, não raro bonapartista, que deixa o Congresso verdadeiramente zonzo, tal a profusão de medidas provisórias, em edições e reedições incessantes.

E isso porque a Constituição Federal insculpe, no caput de seu artigo 62, já para não deixar dúvidas, que a emissão de medida provisória obedecerá aos critérios de relevância e urgência. Nenhum cidadão sensato deixará de reconhecer e admitir ao Poder Executivo instrumento, com força de lei, para regular situações que, por sua relevância e urgência, não podem aguardar o rito ordinário do processo legislativo, que, aliás, permita-me o Sr. Presidente, merece uma radical revisão, considerando-se o ritmo e as exigências da vida contemporânea. Enfim, uma sociedade como a brasileira, tão repleta de peculiaridades e complexidades, pode e deve conceder ao Presidente da República mecanismo capaz de suprir adequadamente às demandas reguladoras emergentes. Daí que o Constituinte brasileiro de 1988, buscando inspiração no Direito italiano, fez introduzir em nosso ordenamento jurídico a chamada medida provisória. Veio, como sabemos, na condição de sucedânea do famigerado decreto-lei, tão ao gosto da ditadura militar que regeu o País entre 1964 e 1985. Recorde-se que muitos juristas não cansavam de classificar o decreto-lei como “uma criação esdrúxula”, pois dava a um ato do Executivo plena força de lei.

Concordou-se, durante o engenhoso e longo processo constituinte do final da década de 80, com nova dinâmica e sob nova denominação, em deixar ao auxílio do Chefe da Nação um instrumento dessa mesma natureza, para que fizesse frente, desse respostas às questões a reclamar regulação, mas desde que, repita-se, urgentes e relevantes. Porém, não é isso o que se vê nesta experiência que já se estende por quase 16 anos. É impensável vivermos sob o permanente abuso, eu diria a permanente usurpação do poder de legislar, conferido, constitucionalmente, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, na esteira da clássica tripartição de Montesquieu.

A fúria legiferante do Executivo, manifesta pela incontida emissão de medidas provisórias, compromete e desmoraliza Parlamento e Parlamentar perante toda a sociedade brasileira. O constrangimento, que não é novo, no Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu um quadro tão embaraçoso, que o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado João Paulo Cunha, e do Senado Federal, Senador José Sarney, ambos aliados incondicionais do Presidente da República, não hesitaram em publicamente censurar as práticas legislativas do Palácio do Planalto.

O Deputado João Paulo declarou à imprensa que o excesso de medidas provisórias está atrapalhando o andamento dos trabalhos da Casa. E disse mais, valendo-se da espontaneidade do coloquialismo; pediu para o Governo “maneirar”, ou seja, agir com moderação. Vejam, Srªs e Srs. Senadores, falamos de um Parlamentar, o Deputado João Paulo, que, além de presidir a Câmara baixa, é membro do Partido, o PT, que detém o poder no País. S. Exª declarou-se em uma situação difícil, pois, com tantas medidas provisórias aguardando apreciação, inviabiliza-se a pauta regular dos trabalhos da Câmara.

Por seu turno, também o Presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, embora se preservando do coloquialismo que nem sempre é recomendável aos intelectuais, manifestou-se contrário à enxurrada patrocinada pelo Planalto. “O problema das medidas provisórias é que elas estão inflacionando a legislação brasileira. Precisamos de uma solução para isso”, declarou ao jornal Folha de S. Paulo, na última semana. Já em fevereiro, por ocasião da abertura dos trabalhos legislativos, o Presidente desta Casa havia asseverado que “nada mais subdesenvolvido que o pandemônio da legislação brasileira”.

João Paulo e Sarney, na condição de primeiros entre iguais, nada mais fizeram do que verbalizar inquietações que alcançam a quase totalidade dos Parlamentares brasileiros, independentemente de filiação partidária. Mais do que isso, deram, também, voz a uma convicção crescente dentro da sociedade brasileira: a inutilidade, ou mesmo o caráter contraproducente, do excesso de normas. Aliás, uma constatação que já haviam feito os romanos, os inspiradores de nosso modelo jurídico, na voz de um de seus maiores, Tácito, que afirmava corruptissima republica plurimae leges, isto é, o excesso de normas favorece a corrupção; e todos nós sabemos o quanto isto é, ainda hoje, verdadeiro!

Um outro tema que quero também registrar, nesta alocução pela passagem do Dia do Parlamento, diz respeito a algo que precisamos enfrentar e revisar com extrema urgência. Refiro-me à insuficiência da lei para a realização do Direito, uma constatação que une quase indistintamente todos os operadores do Direito em nosso País, porque, sobretudo, vai punir de forma implacável o cidadão que recorre à prestação jurisdicional do Estado, para o esclarecimento de suas pretensões.

O Direito só se justifica como mecanismo legítimo e socialmente aceito de dominação e controle, na medida em que consegue ser a expressão do conjunto de idéias e crenças, tradução dos valores mais elevados de dada sociedade. Neste sentido, creio que, na ânsia de tudo regular, os legisladores pátrios, ao longo do tempo, perderam o pulso da sociedade brasileira e acabaram por enxertar, no ordenamento jurídico nacional, normas que são meros enfeites. E se existe algo que fragiliza o Direito, é a norma ineficaz, ora porque efetivamente contradiz os pressupostos de implementação, ora porque não é observada.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/2004 - Página 12107