Discurso durante a 51ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a rejeição do Projeto de Lei de Conversão 22, de 2004, que proíbe a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas. (como Líder)

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JOGO DE AZAR. HOMENAGEM.:
  • Reflexão sobre a rejeição do Projeto de Lei de Conversão 22, de 2004, que proíbe a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas. (como Líder)
Aparteantes
Heráclito Fortes, Sibá Machado, Tasso Jereissati, Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/2004 - Página 12710
Assunto
Outros > JOGO DE AZAR. HOMENAGEM.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, NOTICIARIO, TELEJORNAL, CRITICA, ATUAÇÃO, ORADOR, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), VOTAÇÃO, SENADO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), BINGO, EFEITO, REABERTURA, JOGO DE AZAR, APREENSÃO, VINCULAÇÃO, CRIME ORGANIZADO.
  • ANALISE, POLEMICA, JOGO DE AZAR, SUPERIORIDADE, MOVIMENTO FINANCEIRO, ATIVIDADE ECONOMICA, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, FALTA, UNANIMIDADE, BANCADA, CONFLITO, POLITICA PARTIDARIA, ESPECIFICAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO LIBERAL (PL), PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO (PMDB), NOTICIARIO, IMPRENSA, TENTATIVA, DESVALORIZAÇÃO, REGISTRO, EXISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO, LIDERANÇA, MULHER.
  • HOMENAGEM, DIA, MÃE, ELOGIO, MULHER, VULTO HISTORICO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srª Senadora aqui presente, essa ocorrência a que nós terminamos de assistir no plenário é a medida exata dos inúmeros conflitos que nós precisamos administrar no nosso cotidiano, das disputas legítimas, mas que acabam trazendo conseqüências para o andamento dos trabalhos da Casa. Refiro-me inclusive ao que aconteceu ontem e às interpretações e análises feitas pelos órgãos de imprensa, especialmente por alguns.

Vou restringir-me a uma análise que diz respeito à minha pessoa. Apesar de todos os apelos, passei o dia hoje conversando com várias pessoas, que me ajudaram a refletir sobre o ocorrido ao longo do dia de ontem. Agradeço-lhes as ponderações feitas. Percebi da parte de todos grande interesse em construir, para que possamos realmente superar esse clima que leva a acontecimentos como esse a que assistimos há poucos instantes. Por mais legítimos que possam ter sido os debates e por maiores que tenham sido as razões que os subsidiaram, efetivamente eles não contribuíram para o andamento dos trabalhos do Senado da República.

Quando fui eleita Senadora, disseram-me: “O Senado é melhor do que o paraíso, porque não é preciso morrer para ir para lá”. É uma Casa calma, onde os debates são feitos com tranqüilidade e serenidade, um pouco ligada à imagem do Conselho dos Anciãos, mas, infelizmente, o Senado anda muito turbulento.

Sinto muita necessidade de expor aqui esses fatos - e o faço com o objetivo de contribuir para que possamos não pôr os pingos nos is, mas colocar as coisas nos seus devidos lugares, com as contemporizações necessárias para superar os impasses que existem aqui.

Então hoje, pela manhã, no “Bom dia Brasil”, quando a Globo analisou o ocorrido no Senado ontem, vários itens foram listados. O jornalista Alexandre Garcia explicitou que “a Líder do PT não deu conta”, entre outras coisas que mencionou. Registro que, em qualquer tarefa, alguém pode dar conta ou não do que tem de ser feito. Competência e circunstância são fatores decisivos para se sair bem, no meu entendimento, em qualquer tarefa, seja ela qual for. Às vezes, a pessoa é muito competente, mas está atuando em circunstâncias profundamente desfavoráveis, adversas, ou então, as circunstâncias são muito favoráveis, mas a competência fica abaixo do desejável. Quando ocorrem essas combinações, há fracasso, indiscutivelmente.

Tenho a convicção de que, como Líder, eu tinha de contribuir, ao máximo, para que pudéssemos dar conta da tarefa de ontem. A gravidade do que ocorreu ontem neste plenário, no meu entendimento, é incomensurável. Não conseguimos aprovar a medida provisória porque o Plenário entendeu que ela não preenchia os pressupostos de constitucionalidade, relevância e urgência. A deliberação determinou o arquivamento da medida provisória, apesar de ainda estarmos em tratativas para encontrar uma alternativa, como a aceitação da emenda do Senador Leomar Quintanilha, que permitia o bingo de cartela em vez da reabertura do jogo indiscriminadamente. A deliberação de ontem permitiu a abertura do jogo sem qualquer regulamentação, de forma ampla, geral e irrestrita, sem controle, sem fiscalização. Todos nós sabemos o que isso significa, todos conhecemos os vínculos, que parcelas dessa atividade têm com o crime organizado, com as máfias.

Isso é algo tão temerário, tão absurdo, tão injustificável que perdemos o sono, ficamos nervosos, penitenciando-nos, indagando-nos se realmente havíamos feito tudo o que estava a nosso alcance ou se poderíamos ter encaminhado o assunto de outro jeito.

Muito antes de ser parlamentar, inclusive antes de ser alçada à condição de Líder do PT e do Bloco de apoio ao Governo, exercia, com muito orgulho, a profissão de professora, e professora de Matemática. Tenho paixão por números, pela análise, pelos gráficos. Como professora de Matemática, tenho obrigação de conhecer o tamanho da conta, a sua complexidade, o grau de dificuldade e as suas parcelas.

Portanto, gostaria, de forma muito tranqüila, de mencionar algumas parcelas da conta de ontem, dizendo que, depois daquela deliberação do Plenário, recebi manifestações de solidariedade de vários Líderes e de parlamentares desta Casa.

Entretanto, é importante apresentar o que eu - e penso que o mesmo ocorre com boa parte da população e da imprensa - enxergo nessa conta.

Vamos listar as parcelas. Em primeiro lugar, no meu entendimento, é imprescindível dizer que não se tratava da votação de um tema qualquer, mas de matéria polêmica. Havia divergências e contradições em todas as Bancadas. Pelo meu conhecimento, não havia uma única Bancada em que essa questão fosse tranqüila e fechada, em que todos tivessem a mesma convicção. O divisor de águas dessa diferença não era Oposição e Situação. Pelos encaminhamentos feitos aqui, acabou parecendo dessa forma, mas os problemas internos nas Bancadas não eram de Situação e de Oposição.

A outra parcela é que estava em jogo grandes interesses de pessoas relacionadas com o bingo. Na vitrine desse problema do fechamento dos bingos, foram colocados os desempregados desse setor. Foram eles que vieram aqui e lotaram as galerias, mas tenho certeza absoluta de que o foguetório foi pela caixa registradora, foi por conta da grande movimentação financeira desse setor porque, reabrir os bingos sem controle e sem fiscalização, ficou muito cômodo. A quantia movimentada financeiramente nesse setor é algo que não pode ser desconsiderado como parcela da conta do que aconteceu ontem nesta Casa.

Quero dizer, com toda tranqüilidade, com os meus companheiros da Bancada do PT, que me deram a honra de liderar - e serei franca -, aquilo que todos sabem. A Bancada do PT é composta por figuras públicas de realce, de competência, algumas com atuação e repercussão internacional. Na Bancada do PT, há personalidades de renome internacional, repito. Há muitas estrelas na Bancada do PT. Portanto, ter a honra e a responsabilidade de liderar uma Bancada com tantas estrelas não é uma tarefa simples. Muito me honrou ser eleita por unanimidade para cumprir essa tarefa, mas o desafio é enorme, porque juntar tanto brilho, tantas estrelas importantes e formar uma constelação efetiva, num trabalho coletivo à altura dessa composição não é tarefa fácil; é algo que precisamos construir dia a dia, com muito carinho, com muita atenção e não com muita facilidade, eu diria.

Outra parcela da conta ainda é a habilidade de liderar um bloco de apoio, porque essa tarefa é como colar um mosaico, por causa das diferenças. Como professora de Matemática, eu diria que é como solucionar diariamente uma equação de variáveis múltiplas. Às vezes, é preciso monitorar e conversar de hora em hora; outras vezes, de minuto em minuto. E muitas vezes tem ocorrido a tal surpresa. E aí não se sabe dizer se a questão é do Senador, se é do Partido, se é problema de relação com o Governo, se é de Senador com o Governo, se é do Partido do Senador que compõe o Bloco com o Governo. Portanto, para mim, essa tarefa de múltiplas variáveis da equação cotidiana de liderar o Bloco influi nessa conta.

Outra parcela refere-se ao caso do PL. Há vários ingredientes, inclusive alguns posicionamentos do Vice-Presidente, que tem sido muito contundente em alguns assuntos. Obviamente, não é apenas S. Exª, haja vista que muitas pessoas falam sobre os pontos abordados pelo Vice-Presidente. Recentemente, houve críticas do Presidente do Partido Liberal. E a votação de ontem representou bem o que ocorreu. O PL saiu do Bloco de Apoio, mas ontem o Senador Magno Malta foi um dos principais defensores da manutenção da medida provisória, inclusive sua manifestação foi registrada por toda a imprensa. No entanto, houve um voto contra e uma viagem. Esse é um dos ingredientes das questões que têm ocorrido no Governo com o PL. Vamos mascarar essa situação? Vamos escondê-la? Vamos dizer que não entrou na conta? Isso está na conta deste Plenário. Pode ser divergência, pode ser disputa de espaço, pode ser uma questão de futuro. Como será no futuro? Não sei. Às vezes, acredito ser uma coisa; às vezes, penso ser outra. O leque de variáveis é bastante grande.

Para não tumultuar mais, ousarei trazer aqui uma única variável no caso do PMDB, porque penso que é a relevante neste momento, qual seja, toda a tensão instalada pelo debate sobre a reeleição das Mesas da Câmara e do Senado, que repercute, obviamente, não só nesta Casa, mas também na outra e na imprensa de maneira geral. Essa é uma questão que perpassa o nosso cotidiano aqui e não há como negar; está posto e é permanente. Ousaria dizer que isso tem permeado quase tudo o que tem ocorrido nesta Casa ultimamente.

A sétima parcela, eu diria, é o que acontece nos bastidores. E não é qualquer parcela, porque é a notinha, a insinuação, o comentário. É uma parcela difusa. Matematicamente, não conseguimos mensurar e identificar de onde vem. Portanto, é difícil fazer o enfrentamento. O comentário, o bastidor, a notinha que desqualifica posturas, pessoas e tal, tudo isso tem sido usado de forma muito significativa neste Senado da República.

Da minha parte, até já brinquei. Houve uma notinha sobre mim, e o pessoal do Painel da Folha de S.Paulo me ligou para questionar. Eu disse a eles que pediria ao Presidente para instalar umas canaletas. Estamos precisando delas no Plenário do Senado, porque, de vez em quando, destila-se aqui tanto veneno que é preciso canaletas para fazê-lo fluir, para mandá-lo embora e, assim, não contaminar o ambiente. Quero dizer que essa forma difusa, por meio da notinha, da desqualificação e do comentário, é bem significativa. Poderia até citar inúmeros casos, mas falarei sobre um que eu ouvi ontem na chamada “rádio corredor”. O comentário afetou, em um momento delicado, uma pessoa por quem tenho o maior apreço e respeito -- e sei que é respeitada por todos nesta Casa. A própria imprensa noticiou ontem várias declarações sobre a falta que S. Exª fez ontem, que a sua presença talvez contribuísse para buscarmos um encaminhamento mais adequado ao que acabamos por votar.

Pois bem, ouvi um comentário do seguinte tipo: “Mas funeral de ex-sogro?” -- como querendo julgar a relação afetiva e o significado da morte para o Mercadante e sua filha. Se não é do conhecimento de todos, a primeira esposa de S. Exª teve uma morte muito dolorosa. Foi um câncer extremamente difícil para toda a família e para sua filha, principalmente. Então, como é que se enfrenta esse tipo de comentário? Isso contamina e se cria um clima difícil, porque não se sabe de onde veio, qual é a fonte. Citei esse exemplo para elucidar a situação. Uma pessoa como o Senador Mercadante não merecia nenhum tipo de observação dessa ordem.

Outra parcela a que gostaria ainda de me referir é outro ponto difuso, difícil de provar. Só prova quem prova. Só quem vivencia é que sabe que ele existe: a questão do preconceito, da discriminação, do conservadorismo.

Quem não é mulher, quem não é negro, Senador Paulo Paim, quem não é pobre, portador de necessidade especial, homossexual -- e eu poderia listar outras -- dificilmente sabe o que significa isso. Percebemos o viés da discriminação.

Sr. Presidente, já pedi que alguém pesquisasse, mas creio que sou a primeira mulher Líder no Senado. Somos poucas Senadoras na história, e não me lembro de nenhuma ter assumido a condição de Líder. Sinceramente, sinto - isso está colocado e não posso deixar de escamotear - que não é só no Plenário, mas na galeria da imprensa também. Às vezes até dói um pouquinho, porque, na imprensa, há muitas mulheres, muitas jornalistas, mas também existe o preconceito. Ora, se o preconceito contra a mulher está posto na sociedade, não poderia deixar de estar posto aqui, até porque existe o conservadorismo. “Quem é essa mulher, recém-chegada no Senado, primeiro mandato, vinda de Santa Catarina, da santa e bela Catarina, que não tem a repercussão das Gerais, dos Pampas, da cidade maravilhosa, da locomotiva paulista, da baianice?” Percebo que isso existe, e não conseguimos medir, mas perpassa, está posto, está colocado.

Nos meus 52 anos de vida, gostaria de dizer que nunca foi fácil para mim, como creio que não seja para nenhuma das mulheres que tem a ousadia de buscar espaço, enfrentar essas situações para tentar ser vista como igual.

Sempre brinco - e isso tem fôlego lá nas minhas companheiras, quando refletimos sobre as questões de gênero -, dizendo que, para as mulheres, é sempre necessário ser ótima. Precisamos ser ótimas para, pelo menos, acharem que somos mais ou menos. Se não formos ótimas, não reconhecem que somos mais ou menos. Isso não é qualquer coisa.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Gostaria de ouvir o Senador Tião Viana.

O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Minha querida Líder Ideli Salvatti, ouço o seu pronunciamento, que é muito mais uma manifestação da sua personalidade, uma abertura do seu coração e da sua honestidade intelectual com o exercício da Liderança. Existe uma mania nacional do julgamento muito rápido em todas as coisas. E o exercício da liderança política expõe muito mais a todo o tipo de julgamento e de análise, porque é natural da democracia, das atividades, da comunicação em tempo real. E V. Exª está no meio do foguetório. São os ossos do ofício. Sem dúvida alguma, V. Exª apresenta os pressupostos fundamentais para essa atividade: a lealdade absoluta e integral ao Governo, ao Partido que V. Exª representa, ao Presidente da República, que tem uma história de vida acompanhada por V. Exª há tantos anos; coragem para enfrentar o debate com a Oposição - atividade que V. Exª pratica tão bem - e a capacidade de tentar fazer com que a atividade política seja defendida com a responsabilidade de todos. Por exemplo, o fato de ontem. Não podemos discutir o fato de ontem como se fosse uma vitória do Governo ou uma vitória da Oposição, porque todos temos responsabilidade com uma atividade que é o jogo, a jogatina eletrônica no Brasil, que a sociedade reprova. E o resultado da votação de ontem permitiu a reabertura em massa dessa atividade. Então, não interessa quem ganhou ou perdeu ontem. Importa considerar que houve um prejuízo para a sociedade, que não quer aquele tipo de atividade. Então, temos que nos unir a Oposição e achar uma saída efetiva para controlar a situação da jogatina eletrônica no Brasil. Portanto, essa é a minha divergência; o conceito de V. Exª e de alguns outros é de que podemos ter perdido. Acredito que não. Penso que é menos importante julgar vencedores ou derrotados; devemos achar o caminho. Acredito que o Partido está atento a essa análise de V. Exª. Apenas lamento que, por trás daquilo que V. Exª expôs tão bem, a briga por uma disputa de espaço político numa Unidade federada, a disputa pela sucessão dentro do Senado Federal e da Câmara, que já começa a complicar a ordem da atividade legislativa diária, tem ainda mais um ingrediente, que faço questão de registrar com total tranqüilidade: o conceito de República, o conceito do valor das virtudes do Parlamento está abalado no nosso País. Aqueles que exercem o poder hoje, como aqueles que exerceram o poder ontem, repetem, infelizmente, um conceito fragilizado de Parlamento. É como se o Parlamento fosse apenas uma casa de pedintes e de pessoas que trocam seus votos por cargos. Enquanto perdurar esse tipo de conceito, enquanto não houver uma modificação rápida e uma busca de diálogo intenso com o Parlamento a favor do que a sociedade precisa, vamos pagar um preço como esse. V. Exª está pagando um preço por uma série de equívocos. E penso que tem que resistir, porque reúne todos os pressupostos fundamentais para exercer a liderança. Foi eleita com absoluta legitimidade, por unanimidade, tem capacidade plena para exercer o seu mandato de líder e, seguramente, vai cumprir. Nas horas das crises, das dificuldades das relações que surgem nomes, virtudes, valores, e V. Exª está pronta para isso. O Líder Arthur Virgílio, que conversava comigo hoje, demonstra absoluto respeito pela necessidade de legitimarmos a liderança do PT no Senado, que tem sido atacada por alguns. O líder do PFL tem o mesmo reconhecimento, querem que V. Exª procure um entrosamento melhor nas divergências que estamos tendo antes das votações. Isso está sendo construído. Penso que vamos superar toda essa etapa. É um pronunciamento honesto, que sai do coração e seguramente vai ajudar no fortalecimento do diálogo na Casa.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Tião.

Concederei um aparte ao Senador Sibá Machado em primeiro lugar e, posteriormente, ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senadora Ideli Salvatti, V. Exª abordou no seu pronunciamento dois pontos importantes para serem analisados. O primeiro trata da matéria votada ontem. O segundo sobre este momento que V. Exª tem exposto a todos nós, a respeito da sua sensação de preconceito nesta Casa. São, realmente, dois aspectos importantes a serem analisados. Sobre a matéria de ontem, faço minhas as palavras do Senador Tião Viana, e quero também dizer que parabenizo as preocupações apresentadas por V. Exª e não tenho absolutamente mais nada a acrescentar. Mas, nesse segundo ponto, que trata da sensação de preconceito, realmente este nosso Brasil está ainda muito longe de conviver com esse tipo de realidade. Digo ainda que o papel de dizer que está aqui, recém-chegada, de estar na situação de líder, não apenas do PT, mas do Bloco, e ter que fazer a defesa do Governo, fazer a defesa do Bloco, do Partido e da sua própria personalidade. E esta Casa foi palco de muitos debates a respeito da vida íntima, nunca vi tanta necessidade de colocar as vísceras internas de um partido político a público. E para mim é até bom que falem, pois acredito que o nosso Partido não tem absolutamente nada a esconder de ninguém, isso é bom colocar. Mas é muito ruim a forma de tratamento dispensado, em alguns momentos, a V. Exª. Isso é muito ruim, não contribui para ninguém, para nenhum de nós, para a democracia, para a questão do respeito interpessoal, sobretudo. E digo a V. Exª que enquanto presente estiver aqui no convívio desta Casa, destinarei tudo que for possível para garantir a respeitabilidade de V. Exª, por todos os motivos: os pessoais, os individuais, de suas qualidades, mas, muito mais porque esta Casa tem que dar o sinal mínimo necessário dessa convivência pacífica e harmoniosa entre nós. Portanto, quero dizer que estou muito feliz e gratificado por ser liderado por V. Exª. Está de parabéns o nosso Partido, o PT, por tê-la na coordenação de nossa Bancada. Está de parabéns o Bloco e, com certeza, também o Governo, pela brilhante atuação que V. Exª tem tido até o presente momento. Diante disso, coaduno-me com tudo o que V. Exª já pronunciou.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço ao Senador Sibá Machado.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Permite V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Nobre Senadora Ideli Salvatti, acompanhei o discurso sentido e ferido de V. Exª e a compreendo e respeito. Seria a maior injustiça do Partido ou de quem quer que seja atribuir a V. Exª a derrota que o Governo sofreu ontem. Essa derrota é produto de uma conjunção de fatores que não nasceu ontem, nem quando V. Exª assumiu a liderança, pois já existia. Não nasceu nesse Governo. São questões pendentes que vêm ao longo do tempo e que fazem parte da luta democrática. O Senador Sibá Machado disse, com muita propriedade, que existe no Brasil aquela mania de se revisar as vísceras dos partidos. O que ocorre hoje com o Partido de V. Exª era o que ocorria ontem com os partidos que estavam no Governo e o que o Partido de V. Exª, no papel de Oposição, praticava. Discordo completamente da idéia de discriminação pessoal à Senadora Ideli Salvatti. Ao contrário, o fato de ser mulher, de ter vindo de um Estado distante e de, no primeiro ano, ocupar a liderança demonstra o seu mérito. Digo com a isenção de quem permanentemente debate com a Senadora, muitas vezes provocando, exatamente para vê-la exercer aqui, em toda a plenitude, a sua potencialidade. Aos que vêem de longe pode parecer que há uma questão pessoal. Ao contrário, não faço política com questão pessoal, mas a provocação de quem está na oposição a quem está no governo é natural, é normal, e ruim seria para o Parlamento se não houvesse, porque seria altamente monótono. Senadora, penso que se V. Exª for acusada da derrota de ontem ou das que estão por vir, V. Exª será vítima. Quero crer que essa derrota venha a ser pedagógica para o Governo, para que passe a ouvir mais os seus porta-vozes, a sua base, exatamente para evitar que fatos como os de ontem se repitam, porque derrotas como as que aconteceram ontem, pela manhã e à tarde, não vêm de repente, dão sinais. O Agamenon Magalhães, grande líder pernambucano, dizia que quem detém o poder devia dormir com um alfinete à cabeceira da cama, e todo dia pela manhã dar uma espetada no corpo para ver que dói e que ele é igual aos outros. O que falta é isso, o que falta é diálogo. Outro dia, Senador Duciomar, fiz um questionamento aqui sobre o apreço que essa grande figura brasileira, que é o Presidente Lula, tem para com o Congresso ou pelo menos demonstra ter. Quantos parlamentares o Presidente Lula recebeu para uma audiência no seu um ano e cinco meses de mandato? Logo em seguida um jornal escreveu: sete. Alguma coisa está errada. Ninguém governa um país democrático com as costas viradas para o Congresso. O Presidente Fernando Henrique - e não gosto de fazer nenhum comparativo - era um ouvinte permanente do Congresso, não só dos aliados, mas também dos adversários. O Senador Pedro Simon, que não está presente, foi um adversário do Governo Fernando Henrique Cardoso desde o começo, mas poderia testemunhar isso. Não será uma Liderança sozinha; não serão duas ou três Lideranças isoladas que vão fazer isso. É preciso que o suporte administrativo, o suporte de Governo do Palácio do Planalto e o Presidente principalmente dêem condições de trabalho ao Colégio de Líderes, porque, se não houver isso, trabalho nenhum, Senadora, renderá frutos ao esforço que, individual ou coletivamente, a bancada faz. Quero fazer este registro por dever de justiça e para que não paire dúvida de que não há nenhuma pessoalidade no nosso debate. Até gosto de ver a Senadora irritada porque mostra a Santa Catarina o porquê de estar aqui representando-a. Muito obrigado.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Heráclito Fortes.

Se o Presidente me permitir, eu gostaria de conceder um aparte ao Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Muito obrigado, Sr. Presidente. Apenas gostaria de fazer um rápido aparte para dizer que estou ao lado do Senador Heráclito Fortes, um dos poucos da Oposição que estão assistindo ao discurso de V. Exª e que tantas vezes tem provocado V. Exª nas discussões de maneira, normalmente, muito bem humorada. Reconhecemos o enorme valor de V. Exª e a aplaudimos na Liderança do Governo. E fiquei realmente surpreso quando li, em alguns jornais, a avaliação de que, em função da sua Liderança e de determinadas circunstâncias, o Governo teria perdido ontem. Se V. Exª notar bem, recentemente todos os jornais também avaliaram que o Governo estava tendo algum problema aqui no Senado por causa da Liderança do Senador Aloizio Mercadante, o que é absolutamente estranho. O Governo nunca é responsável pelas dificuldades ou pelos problemas. Personaliza em algum Representante do Congresso ou desta Casa. Eu gostaria de dizer que, da minha parte e da parte da nossa bancada que faz Oposição, valorizamos tremendamente o diálogo que temos com S. Exª o Senador Aloizio Mercadante e com V. Exª. Temos a certeza absoluta de que as dificuldades vêm muito mais da origem, da falta de percepção, como levantou o Senador Heráclito Fortes, do que representa o diálogo e de que a necessidade de convencimento que existe nesta Casa - que é diferente da que existe na Câmara - é muito maior do que a de imposição. A imposição aqui funciona muito menos. Também funciona muito menos aquele velho jogo do poder fisiológico, que tem caracterizado alguns momentos da nossa história. Evidentemente, diante de uma visão equivocada que está vindo de lá, V. Exª, o Senador Aloizio Mercadante e o Senador Tião Viana têm sido vítimas dessa visão, que, com certeza, não é a da Oposição, não é a de seus companheiros no Senado, sobre todas as Lideranças que têm aqui assumido, às vezes inglória e bravamente em uma situação dificílima, a defesa das teses do Governo.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Tasso Jereissati, seu aparte.

Para encerrar, até porque já ultrapassei bastante o horário que me era destinado, eu posso citar ainda alguns elementos. Parei na oitava parcela da conta. Eu poderia prosseguir, porque os ingredientes que geraram o resultado que tivemos ontem são de várias ordens: disputas diversas dentro dos partidos, entre os partidos, entre a Oposição e a Situação. E é muito importante que quem nada tem a ver não pague a conta. É preciso deixar a conta também bem transparente, mesmo quando não damos conta dela pessoalmente ou coletivamente - pois o resultado de ontem é responsabilidade de todos. Cada um que deliberou e da forma como deliberou é responsável pelo seu ato. E do ato uma situação concreta está posta: o jogo está reaberto, sem controle e fiscalização. E isso agora é responsabilidade nossa e não somente do Governo.

Eu hoje fiz um questão de ordem, encaminhamento que foi acatado pela Mesa, com a intenção de constituir a Comissão Mista para deliberar no Decreto Legislativo: como vai ficar tudo, como valerá ou deixará de valer. Será responsabilidade deste Congresso deliberar sobre essas questões. Esta responsabilidade é dos Oposicionistas, porque o resultado da votação foi tomado aqui de acordo com o que cada um votou, da forma como votou. E será pelo resultado do que nós fizemos, muito mais do que pelo que falamos ou pela versão ou interpretação do que fizemos, que seremos avaliados pela população.

O meu primeiro discurso nesta Casa foi sobre as mulheres de Santa Catarina. No próximo domingo, celebra-se o Dia das Mães. Como não estarei aqui amanhã, eu não poderia deixar de mandar a elas, pela TV Senado e pela Rádio Senado, o meu carinho e abraço. Espero que seja atendido o meu apelo para que os Líderes na Câmara permitam a votação do projeto do acompanhamento do parto. Se a pauta for desobstruída, poderá vir a ser votado hoje, como ontem votamos o da tipificação da violência doméstica.

Antes de encerrar o discurso, faço novamente referência às mulheres de Santa Catarina. Podem dizer o que quiserem, podem fazer o que quiserem, mas, enquanto a minha bancada me mantiver na Liderança, vou fazer o que estiver ao meu alcance para corresponder à confiança que em mim depositam. Gostaria de lembrar duas mulheres catarinenses. A primeira delas, Anita Garibaldi, heroína de dois mundos, pronunciou uma das frases mais fortes da História do nosso País: “Estou na luta. Num braço, o filho; no outro, o fuzil”. Esse é o espírito das mulheres de Santa Catarina. Não sou catarinense de nascença. Sou catarinense contaminada.

A outra figura feminina ilustre do nosso Estado foi Maria Rosa, liderança da Guerra do Contestado, que morreu lutando contra o imperialismo imposto na disputa das terras a partir da construção da ferrovia pela empresa britânica.

Finalizo, deixando esta mensagem de coragem para todas as mulheres que, sendo mães, estarão comemorando o seu dia, neste domingo, juntamente com seus filhos. Espero que todas possam comemorar como eu, que, depois de quase quarenta dias aqui, por conta de uma cirurgia, fui liberada pelo médico, que me deu de presente a permissão para passar o Dia das Mães com os meus filhos. Espero que seja um domingo feliz para todas as mães do nosso País.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/2004 - Página 12710