Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com o anúncio da suspensão do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Preocupação com o anúncio da suspensão do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior - FIES.
Aparteantes
Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2004 - Página 13335
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, EMISSORA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, SUSPENSÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), FUNDOS, FINANCIAMENTO, ESTUDANTE, ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, ALUNO, REGISTRO, REJEIÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, ORADOR, ALTERAÇÃO, SISTEMA, CREDITO EDUCATIVO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES).
  • ANALISE, HISTORIA, PROBLEMA, ESTRUTURA UNIVERSITARIA, EXCLUSÃO, ESTUDANTE, ESCOLA PUBLICA, NECESSIDADE, AUMENTO, VAGA.
  • DEBATE, DIFICULDADE, PAGAMENTO, MENSALIDADE, COMENTARIO, PROJETO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), BOLSA DE ESTUDO, ESTUDANTE, UNIVERSIDADE PARTICULAR.
  • SOLICITAÇÃO, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), RETOMADA, CREDITO EDUCATIVO, DISPENSA, EXIGENCIA, FIADOR, AMPLIAÇÃO, DEMOCRACIA, ACESSO.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Geraldo Mesquita Júnior, Srªs e Srs. Senadores, meus caros telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado FM e da Rádio Senado Ondas Curtas, meus queridos irmãos tocantinenses, volto à tribuna para, mais uma vez, trazer a minha preocupação em relação à suspensão do Fies - Financiamento Estudantil, em função, principalmente, dos contatos que mantive esta manhã e da notícia apresentada no Jornal Hoje, da Rede Globo.

Já estive algumas vezes nesta tribuna para tratar desse mesmo assunto. Essa decisão deixará mais de dois milhões de alunos espalhados pelo Território Nacional sem um sistema de financiamento para que continuem a freqüentar seus cursos, normalmente à noite, após uma longa jornada de trabalho, que lhes permitam uma qualificação de nível superior, uma melhoria salarial, um desenvolvimento técnico e humano em todos os seus sentidos, fatores tão importantes para a formação cultural de um povo.

É preocupante, Sr. Presidente. Se retrocedermos no tempo, Senador Mozarildo Cavalvanti, veremos que, em 1960, houve um grande congresso da UNE, que reuniu também entidades de professores, para discutir o sistema universitário brasileiro. Os problemas lá apresentados são os mesmos de hoje. Não conseguimos produzir nenhuma mudança significativa nesse modelo anacrônico, que, hoje, tem um único resultado: são os alunos que cursam as escolas privadas, cujos pais podem pagar os melhores cursos, que ingressam nas universidades públicas. A maior prova disso são as propagandas feitas pelos cursinhos particulares: “Das 20 vagas, aprovamos 18.” Todas as vagas das universidades públicas são preenchidas por alunos que vêm dos cursos particulares. E não poderia ser diferente, pois são alunos que se alimentam bem, dormem bem, os pais têm emprego e as melhores rendas.

Cerca de 800 mil estudantes cursam as universidades públicas e gratuitas e raras e honrosas são as exceções de alunos que vieram da rede pública de ensino, e, destes, a grande maioria freqüenta os cursos noturnos e utiliza ônibus, sendo que, muitas vezes, não tem sequer o dinheiro para o passe.

Qual tem sido a opção para esses dois milhões de alunos? O Fies, que tem atendido de 48 mil a 50 mil alunos por ano.

Eu, quando Relator da Medida Provisória nº 141, em que se discutia mudanças no Educon, inclusive o perdão da dívida devido ao número de inadimplentes, sugeri algumas mudanças no Fies. A primeira delas foi que as inscrições para o Fies não fossem feitas somente pela Internet, porque, afinal de contas, Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita Júnior, exigir que um aluno do seu distante Acre, do meu querido Tocantins, do nosso Amapá, ou da nossa Roraima, tenha a sua disposição um computador seria excluí-lo do Sistema. Exigir que ele tenha um fiador significa uma humilhação.

Se o Governo brasileiro não pode acreditar em sua juventude, quem vai acreditar? Sugeri, na época, que deixássemos que as Casas Bahia, os bancos, exigissem fiadores para os interessados em comprar ventilador ou buscar créditos para bens de consumo. Para a educação precisamos ter mais sensibilidade para adotar um modelo novo.

Introduzi as mudanças e o Plenário desta Casa as aprovou. Infelizmente, o Plenário da Câmara tornou nulas todas as mudanças e a Medida Provisória acabou retornando ao status quo e ficaram mantidos a necessidade de fiador e a inscrição pela Internet. Não consegui sequer manter como opção para a formação desse fundo receitas provenientes do BNDES. Era apenas uma idéia que imaginei pudesse ser boa. Afinal, já que o BNDES financia a construção de prédios para os donos das universidades privadas, que financiasse também o outro lado do balcão: o estudante. Naquela época, o próprio BNDES esclareceu que os donos das universidades particulares podiam pagar os juros para o financiamento das faculdades, mas que os alunos não agüentariam.

A conclusão é imediata: os donos das universidades particulares só pagam o financiamento do BNDES porque cobram mensalidades, que são pagas pelos milhares de alunos que as freqüentam. Sendo assim, o raciocino do BNDES não me convenceu. E fui derrotado.

Naquela oportunidade, Sr. Presidente, houve o anúncio de que estavam suspensas as inscrições para o Fies e vim a esta tribuna para fazer uma ponderação. Já que não aceitaram as mudanças e enquanto o Governo estudava um novo modelo chamado Universidade para Todos - que não será mais financiamento e sim bolsa de estudos - não suspendessem o Fies.

Chegou a ser divulgado, na página do MEC na Internet, a notícia da suspensão. No mesmo dia fiz uma reclamação e informaram-me que o Fies não seria suspenso.

Hoje, como disse no início do meu pronunciamento, o Jornal Hoje apresentou uma grande matéria mostrando que realmente, para o primeiro semestre, o Fies está suspenso.

Mantivemos contato com o Dr. Maurício Garcia, chefe de gabinete da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação, que, de forma muito polida, muito prestativa, muito solícita, atendeu aos meus funcionários e deu-nos um amplo esclarecimento. Contou que, efetivamente, está em gestação a criação do Prouni, a Universidade para Todos, e que o Governo reabriria o Fies para o segundo semestre. O que me leva à constatação de que a matéria do Jornal Hoje procede.

Portanto, pelas palavras do Dr. Maurício Garcia, chefe de gabinete da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação, o Fies está suspenso para o primeiro semestre e o Governo tem um projeto, a ser enviado à Casa Civil, do Programa Universidade para Todos, que não funcionará mais como financiamento, mas, sim, como bolsa.

Primeiramente, louvo a iniciativa do Governo pelo Programa Universidade para Todos, mas lembro - sem nenhuma desconfiança em relação aos demais programas do atual Governo -, que se trata apenas de um projeto. Suspender o Fies em função da iminência de um possível projeto é uma medida punitiva para os poucos alunos que nele conseguem sua inscrição. Isso é uma temeridade. E mais, Sr. Presidente: há uma grande discussão no seio da UNE e das entidades dos professores das universidades públicas do País.

Amanhã, esta Casa fará uma homenagem à Universidade do Amazonas, uma das primeiras do País, pública e gratuita, e poderíamos concentrar o debate na melhor opção para o Governo. Vão ser criadas mais vagas na universidade pública e gratuita? Serão fortalecidos os centros de ensino e de pesquisa? Ou, em troca de isenção e permuta de impostos, serão criadas mais vagas nas universidades privadas?

A população costuma dizer que os grandes empresários não pagam impostos. Ora, quando o Governo oferece aos donos das universidades a troca de vagas por impostos, muitos perguntam: se são entidades sem fins lucrativos que já não pagam impostos, de onde virão essas vagas? O vazio é muito grande, há muita incerteza.

Esse financiamento é pequeno, percentualmente, pois, de 2 milhões de estudantes, apenas 48 ou 50 mil conseguem ingressar no financiamento do Fies, mas ele será suspenso no segundo semestre, possivelmente, se for formulado, enviado e aceito o projeto Universidade para Todos. Haverá a troca de um pouquinho da incerteza e da dificuldade do atual Fies, que já é um programa excludente, pouco abrangente e que não resolve o problema do estudante brasileiro, por um outro, o Universidade para Todos, em gestação, a ser enviado à Casa Civil.

É difícil, Sr. Presidente, essa angústia do estudante brasileiro.

No pátio dos milhares de centros e cursos noturnos de Pedagogia, de Psicologia e de Administração, os ônibus chegam lotados de estudantes que trabalharam o dia inteiro, mas, a cada semestre, milhares de matrículas são canceladas porque eles não as conseguem pagar.

Eu não quero, em absoluto, como pedagogo, como professor que ainda mantém a sua carteira de registro no MEC, manifestar-me com relação às universidade públicas e gratuitas do País, pois sou um ardoroso defensor das mesmas.

Já ouvi, em debates entre professores e reitores, que o grande problema da UnB, a Universidade de Brasília, é o estacionamento, porque se sabe que cada estudante que nela ingressa ganha do pai um carro zero quilômetro, enquanto os estudantes das escolas públicas, que não conseguem ser aprovados no vestibular porque concorrem com alunos da rede privada, vão para as pequenas faculdades particulares. Hoje, em Brazlândia e em toda a região do Entorno do Distrito Federal, há um sem-número de entidades, que são a opção que resta àqueles que não ingressam na UnB. Mas eles podem pagar a mensalidade? Não podem pagar. Ganham um carro zero por terem sido aprovados? Eles não têm nem pai. Às vezes, uma família decreta que os seus integrantes não vão mais estudar porque um deles conseguiu passar numa universidade particular, dessas periféricas, pequenas, que têm mensalidades que vão de R$300,00 a R$800,00, e, ainda assim, os alunos não conseguem estudar - repito -, depois de trabalharem o dia inteiro. Agora, o Governo suspende o Fies.

Sr. Presidente, sempre pautei a minha vida parlamentar, mesmo sendo de um Estado com fortes características agropecuárias, na recusa de integrar bancadas ruralistas ou que mantêm vínculos com setores produtivos. Sempre, ao contrário, integrei a bancada da criança, a da educação, juntamente com muitos Parlamentares desta Casa.

Quero fazer um apelo, Sr. Presidente, ao homem público por quem tenho a mais profunda admiração: o Ministro Tasso Genro. Espero que S. Exª, juntamente com o Dr. Maurício Garcia, Chefe de Gabinete da Secretaria Executiva do Ministério da Educação, que tão prontamente me cedeu essas informações, faça uma reflexão e se lembre desses estudantes de entidades privadas que, efetivamente, não têm como pagar os seus estudos. Não vamos suspender o Fies enquanto vem o Universidade para Todos, mas vamos mantê-lo.

Quem sabe, Sr. Presidente, não seria também a hora de refletirmos sobre o fim da exigência do fiador, de democratizarmos o acesso e ampliarmos o Fies? O Ministério constatou que o Fies tem sido inviável porque os alunos são inadimplentes, ou seja, os estudantes brasileiros que ingressam no sistema de financiamento não conseguem pagá-lo. Ora, por que não recriarmos um grande Projeto Rondon, a fim de que os jovens que estudam nas universidades privadas paguem as mensalidades na forma de serviços comunitários no território nacional? Temos que propiciar aos jovens um meio de viabilizarem sua educação.

Registro a presença, nesta Casa, dos alunos do Centro de Ensino Médio nº 1 do Núcleo Bandeirante, cidade-satélite do Distrito Federal. Fico imaginando qual a esperança que vocês têm de, um dia, ingressarem na UnB? Se levarmos em conta a média atual, isso somente seria possível se estivessem estudando nos melhores e mais caros cursos.

A maioria dos estudantes brasileiros oriundos das escolas públicas não freqüenta a universidade e, quando consegue ingressar em alguma faculdade particular, não pode pagar suas mensalidades. Essa tem sido a realidade do País e, neste momento, o Governo suspende o Fies, Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior, o único que ainda existe à disposição dos alunos, alegando que os mesmos não podem pagá-lo. Essa é a própria afirmação da derrota de um projeto inteiro da sociedade. Não conseguimos reformular o ensino público, democratizar o acesso ao ensino superior e ainda cancelamos o financiamento que existe para quem não consegue ingressar na universidade pública.

Concedo um aparte ao Senador Papaléo Paes.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Não queria interromper seu discurso, extremamente importante, mas V. Exª me estimulou a lembrar o passado das universidade públicas. Em 1971, ou seja, há 33 anos, eu ingressei em uma universidade pública, a Faculdade de Medicina do Estado do Pará. Esta instituição era uma referência, como o eram todas as universidade públicas, na época. Nos seis anos em que cursei a Faculdade de Medicina, não me lembro de um dia sequer ter ido embora para casa por falta de professor. Os professores eram extremamente preparados, bem qualificados e faziam questão de trabalhar em uma universidade pública. Fazendo uma pequena comparação entre a realidade que vivi e a atual, observo que, no meu Estado do Pará, às vezes até funcionários fazem coletas de dinheiro para a manutenção da boa limpeza do prédio público e para a complementação do pagamento de energia elétrica. Hoje, há uma decadência da universidade pública, na qual o Governo deveria estar investindo. Há demanda para a universidade pública e para a universidade privada, temos certeza, mas o Governo não deveria deixar de investir no ensino público. Se há dificuldade para a aprovação de um aluno que cursa o 2º Grau em uma escola pública, isso é conseqüência de um ensino decadente, com falta de estímulo para os profissionais. Abro um parêntese, aqui, quanto à Previdência Social. Observou-se, após a discussão da reforma da previdência, que professores altamente qualificados anteciparam a sua aposentadoria e procuraram as faculdades privadas porque ganhavam salários baixos, tinham péssimas condições de trabalho e iriam ser apenados pelas novas regras. O tema que V. Exª aborda é extremamente importante, principalmente ao expor a dificuldade do aluno em pagar a faculdade, aliás, isso é um direito do aluno e um dever do Estado para com ele. V. Exª nos lembra também que não se trata apenas do pagamento da mensalidade; há o transporte, a aquisição de livros técnicos é até o próprio vestuário desse estudante. Enfim, V. Exª relata muito bem a dificuldade que tem o aluno, hoje, em freqüentar tanto uma universidade pública quanto uma particular, principalmente, tendo em vista a falta de obrigação do Governo para com esse estudante. Parabenizo V. Exª mais uma vez, e reconheço em seus pronunciamentos a importância deles para a Nação.

Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO) - Agradeço-lhe, Senador Papaléo Paes.

Sr. Presidente, para cumprir o tempo a mim destinado, quero conclamar o Ministro da Educação e também fazer um registro: o Brasil vem passando por uma profunda reflexão ao estudarmos cotas para negros, para índios e para deficientes. A sociedade brasileira clama por uma democratização ao acesso do Ensino Superior. Precisamos refletir, e muito, Senador Papaléo Paes. De outra forma, radicalizar. Podem pagar? Que vão para as escolas pagas. Não podem pagar? Vamos abrir universidades públicas para alunos oriundos do ensino público. Vamos dar uma chance à juventude brasileira para que o Brasil possa crescer. Façamos como o Japão - os exemplos não são distantes - que investiu, no pós-guerra, majoritariamente na educação. Cinqüenta anos depois, o país é outro. Tenho esperança em ver isso acontecer no nosso Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2004 - Página 13335