Discurso durante a 52ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à reportagem do jornal O Globo, publicada no dia 3 de maio último, intitulada "A Força das ONGS no Governo", que chama atenção para o repasse de recursos àquelas instituições.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).:
  • Comentários à reportagem do jornal O Globo, publicada no dia 3 de maio último, intitulada "A Força das ONGS no Governo", que chama atenção para o repasse de recursos àquelas instituições.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Juvêncio da Fonseca, Papaléo Paes.
Publicação
Publicação no DSF de 11/05/2004 - Página 13355
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), DESVIO, VERBA, ASSISTENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, EXCESSO, REPASSE, GOVERNO, RECURSOS, REFORÇO, ORGANIZAÇÃO, PREJUIZO, MUNICIPIOS.
  • COMENTARIO, PRESIDENCIA, ORADOR, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CONFIRMAÇÃO, IRREGULARIDADE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU), RECEITA FEDERAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, RESULTADO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGULAMENTAÇÃO, ATUAÇÃO, PRESTAÇÃO DE CONTAS, ORGANIZAÇÃO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o jornal O Globo do dia 3 de maio publicou importante matéria sob o título “A Força das ONGs no governo”, que peço seja transcrita na íntegra, para fazer parte do meu pronunciamento, por ser uma denúncia à Nação daquilo que a CPI que investigou a atuação das organizações não-governamentais no Brasil já havia mostrado.

Trabalhamos durante quase dois anos com esse tema. Tivemos inúmeras dificuldades em investigar as ONGs que foram denunciadas, porque não há registro dessas instituições em nenhum órgão. Não há controle de nenhum órgão público, seja federal, seja estadual ou municipal, sobre a atuação dessas organizações.

Por mim presidida, a CPI, ao final, listou dez ONGs como praticantes de irregularidades que mereciam ser investigadas pelo Ministério Público Federal ou pelo Ministério Público Estadual ou pela Receita Federal, como a evasão de divisas e outros crimes contra o Erário; entre essas, destacou algumas que atuam na área da assistência à saúde indígena.

Agora, é interessante constatar que, há poucos dias, o mesmo jornal, O Globo, e também o jornal A Crítica, de Manaus, publicaram que somente a ONG Cunpir, no Estado de Rondônia, desviou R$2 milhões de recursos da Funasa, que seriam aplicados na assistência indígena. E não consigo ver nenhuma providência tomada pelo Tribunal de Contas da União ou pelo Ministério Público Federal ou pela Receita Federal em relação a essas ONGs.

A nossa CPI indicou que uma das necessidades principais é a regulamentação da atuação dessas instituições, principalmente aquelas que recebem recursos públicos.

Essa matéria do jornal O Globo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é muito importante, porque chama a atenção para algo fundamental: em 2003, foram repassados R$1,3 bilhão para as organizações não-governamentais, o que representa exatamente 41,4% do que foi transferido pela União aos 5.560 Municípios brasileiros e 44,8% do que foi destinado aos Estados. Isso é um absurdo!

O Globo publicou um quadro que aponta quanto foi transferido pelos Ministérios. Por exemplo, o Ministério da Saúde transferiu para as ONGs, para assistência às comunidades indígenas, R$251.801.493,13. É bom frisar que a população indígena precisa, sim, ser mais bem assistida na área de saúde, mas representa 0,2% da população brasileira. Essa transferência do Ministério da Saúde é algo muito espetacular, e o que se comprova por investigação é o desvio desses recursos. Precisamos aprofundar a análise desse assunto.

O Senado precisa aprovar o projeto de lei da CPI, que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, para regulamentar a atuação das organizações não-governamentais. Algumas pessoas podem constituir uma ONG, que, a partir de sua criação - por amizade ou por qualquer tipo de influência, já que não há licitação -, passará a receber recursos dos Ministérios.

Por exemplo, quem aparece em segundo lugar, na transferência de recursos para ONGs, é o Ministério da Educação, com R$138.464.066,20, apenas no ano passado. Enquanto isso, é suspenso o programa de financiamento para o ensino superior neste País, ou seja, aquele empréstimo feito aos estudantes para freqüentarem o curso superior.

É preciso também fazer justiça, porque esse fato não começou no Governo Lula. No último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, as ONGs receberam R$1,4 bilhão, e os Estados, R$2,4 bilhões. Portanto, o Governo brasileiro está enfraquecendo os Estados e os Municípios e fortalecendo meia dúzia de ONGs, sendo que muitas delas atuam de modo irregular.

É muito bom que se frise - é necessário separar o joio do trigo - que existem ONGs muito sérias, mas hoje o sentido da palavra ONG ficou de tal maneira elástico e amplo, que abrange desde um instituto cultural ou beneficente até uma modesta associação de bairro. De uma ponta à outra, Sr. Presidente, existem organizações, como a Cooperíndio, no Município de São Gabriel da Cachoeira, investigada pela CPI e cujo Vice-Presidente foi preso pela Polícia Federal, transportando uma tonelada de ametista e trezentos quilogramas de tantalita.

Então, é preciso passar a limpo as organizações não-governamentais. Aliás, sempre digo que as ONGs sérias deveriam ter o maior interesse em ver aprovado esse projeto que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e que busca garantir transparência - essa é a palavra da moda - e dar ao Estado o controle sobre essas instituições. Dessa forma, resguardar-se-ia o contribuinte de ser lesado, já que o dinheiro que paga como imposto é retirado dos Municípios e Estados e repassado a instituições que sequer têm condições para aquilo a que se propõem.

Em meu Estado, há o Conselho Indígena de Roraima e a Urihi. Essas duas ONGs foram montadas para dar assistência aos índios e não possuem nenhuma experiência nessa área. Se assistissem todos os índios de Roraima - e não o fazem -, alcançariam apenas 8% da população roraimense, contudo receberam mais que todos os Municípios do interior do meu Estado. Isso merece uma apuração do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público Federal, porque se trata de recursos federais.

Como foi mencionado na reportagem, o Conselho Indígena de Roraima recebeu R$6,7 milhões para assistência indígena no ano passado. É preciso realmente passar um pente fino nessa história.

A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro recebeu R$6,35 milhões. O Senado Federal, o Congresso como um todo precisa investigar essas instituições de forma mais intensa. Além disso, é necessário desengavetar o projeto que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e que busca regulamentar a atuação dessas instituições, fazendo com que elas prestem contas e se submetam às mesmas regras de qualquer outra instituição.

Não posso aceitar, até como médico, que o dinheiro da saúde seja dado sem licitação para uma instituição que não tem experiência alguma no ramo, que não tem capacidade de exercer sequer um trabalho de atendimento básico na área de saúde. Pelo levantamento preliminar que fizemos, está provado que mais de 60% do dinheiro destinado a essa atuação foram gastos na parte administrativa. Para a atividade-fim, a prestação de saúde às comunidades indígenas, foram destinados menos de 40%.

Assim, Senador Mão Santa e Senador Papaléo Paes, V. Exªs, que também são médicos, hão de concordar: é inadmissível que o Ministério da Saúde, o campeão no repasse de recursos para essas ONGs -- repito, medida que vem desde o Governo Fernando Henrique --, cristalize esse hábito, torne rotina substituir o poder público por essas organizações não-governamentais, usando o dinheiro governamental. E isto é que é interessante: como são organizações não-governamentais, se vivem às custas dos recursos governamentais?

Concedo, com muito prazer, um aparte ao Senador Papaléo Paes.

O Sr. Papaléo Paes (PMDB - AP) - Senador Mozarildo Cavalcanti, esse é um tema extremamente importante, principalmente porque V. Exª presidiu a CPI das ONGs. É lógico que não tenho o mesmo conhecimento de V. Exª sobre tudo o que foi apurado nessa Comissão, porém gostaria de dizer que devemos ficar em situação de alerta, porque, principalmente na Amazônia, a proliferação de ONGs é incontida. Como V. Exª já referiu, o Governo está repassando sua responsabilidade para as ONGs, quando deveria repassá-la para os Estados e Municípios; estes, sim, poderiam prestar conta de todos esses recursos - o que as ONGs não fazem, na sua maioria, ou, quando o fazem, não adotam os mesmos componentes que os Estados e Municípios. Isso nos deixa muito preocupados. No Estado do Amapá, de uns anos para cá, foi uma onda de geração de ONGs e ONGs, que, segundo boatos, serviram e servirão, acredito que sim, de fonte de recursos para patrocínio de campanhas. O Estado também pode fazer esse tipo de convênios, e isso nos preocupa. A saúde é uma questão muito séria. Jamais o Governo poderia jogá-la nas mãos das ONGs. Não estamos aqui generalizando a incompetência ou a falta de credibilidade de todas, mas o Governo, de forma alguma, deveria entregar nas mãos das ONGs a assistência à saúde e a educação do povo brasileiro, principalmente dos indígenas. Como há pouco comentava o Senador Juvêncio da Fonseca, precisamos abordar esse assunto e mantê-lo vivo, até que providências sejam tomadas. V. Exª está de parabéns pela abordagem desse tema.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Muito obrigado, Senador Papaléo Paes. Sendo médico, V. Exª conhece bem de perto esse problema, o que enaltece e robustece o pronunciamento que faço.

Concedo um aparte ao Senador Juvêncio da Fonseca.

O Sr. Juvêncio da Fonseca (PDT - MS) - Senador Mozarildo Cavalcanti, parabéns a V. Exª. O Brasil vai dever muito a V. Exª pelo trabalho que faz com referência principalmente à grande Amazônia, à sua terra, à questão indígena ligada às ONGs. Na Comissão externa do Senado Federal que trata da questão dos índios e de suas terras em Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul, tivemos um depoimento - reunião presidida por V. Exª - do presidente do sindicato dos exploradores daquela região. Segundo ele, para exploração daquela jazida de diamantes existente em Rondônia, era preciso grandes equipamentos; dizia ele que apenas as mãos, o trabalho braçal dos garimpeiros não seria o suficiente; que haveria dificuldades. Mas não houve dúvida. A Funai, a serviço das ONGs, a serviço dos que estão contrabandeando nossa riqueza mineral, arranjou uma artimanha espetacular: autorizou um projeto de piscicultura para os índios em Rondônia, com grandes tanques, com grandes máquinas necessárias no garimpo. Assim, desviou-se justamente a grande atividade verdadeira que iria existir: a do garimpo clandestino explorado pelos índios, pelos garimpeiros e pelos contrabandistas. O que me preocupa em tudo isso, Senador Mozarildo, é que instituições como a Funai dão toda guarida a essas ONGs, estabelecendo com elas um modus vivendi, fazendo delas um instrumento de trabalho institucional e muitas vezes contrário aos interesses nacionais. Parabéns pelo seu trabalho.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço a V. Exª, Senador Juvêncio da Fonseca, e tenho o prazer de conceder um aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador Mozarildo, vinha ouvindo, com toda atenção, o seu discurso, que considero um dos melhores pronunciamentos desta legislatura. Existem ONGs boas, sérias, mas uma grande parte -- V. Exª tem toda a razão -- dilapida os recursos públicos em detrimento dos recursos dos Estados. É inacreditável que essa prática venha se sucedendo desde o Governo passado e também tenha tido curso neste Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É preciso que o Congresso averigúe os fatos, já que o Governo não o faz. Essa situação não pode perdurar. E o discurso de V. Exª não pode se perder apenas aqui no plenário; ele tem que ter conseqüências, que poderão modificar muito o destino do Brasil e dos Estados brasileiros. V. Exª está de parabéns.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Magalhães. Aproveito para reiterar aqui que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania um projeto oriundo da CPI das ONGs. Há também um projeto de minha autoria cujo objetivo é regulamentar a atuação dessas organizações não-governamentais. E não entendo por que as ONGs sérias não se empenham na aprovação desse projeto. Realmente, seria oportuno haver uma lei clara, que regulamentasse a atuação delas, para separar as ONGs picaretas das realmente sérias. E então, quando o Governo fizesse uma parceria com uma ONG, ela teria o respaldo não só de nós, Parlamentares, como da sociedade. Como está hoje, é uma confusão generalizada, pois se aproveitam até desse nome ONG -- que tinha, até então, uma aura de santidade, mas que agora ficamos a duvidar disso; até me lembro aqui de que o ex-Senador Bernardo Cabral dizia que muitas delas têm a fachada de catedral e os fundos de bordel.

É preciso colocar ordem nessa questão. Não precisamos nos sentir na obrigação de ser “politicamente corretos” e dizer que toda atuação do terceiro setor é correta. Não é, e isso está provado pelo trabalho da CPI e por essa brilhante reportagem do jornal O Globo, que demonstra, com números, como estão atuando essas ONGs.

Espero que possamos aprovar esse projeto na CCJ e no plenário o mais rapidamente possível para salvaguardar o Brasil da ameaça de má utilização de seus recursos por instituições que não são sérias.

Sr. Presidente, peço seja dada como lida, na íntegra, a matéria publicada pelo jornal O Globo, bem como uma parte que escrevi sobre o assunto e sobre a qual falei de improviso.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida: “A força das ONGs no Governo”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/05/2004 - Página 13355