Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões sobre projetos de lei de sua autoria (PLS 284/03 e PLS 285/03), visando a alterar o Código Eleitoral.

Autor
César Borges (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Reflexões sobre projetos de lei de sua autoria (PLS 284/03 e PLS 285/03), visando a alterar o Código Eleitoral.
Aparteantes
Antonio Carlos Magalhães, Antonio Carlos Valadares, Arthur Virgílio, Cristovam Buarque, Garibaldi Alves Filho, Mão Santa, Romeu Tuma, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2004 - Página 13803
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, GARANTIA, CONSTITUCIONALIDADE, DIREITO DE DEFESA, REPUDIO, INEXATIDÃO, CRITICA, IMPRENSA, ALEGAÇÕES, FAVORECIMENTO, IMPUNIDADE, CORRUPÇÃO, COMERCIO, VOTO.
  • ESCLARECIMENTOS, PROJETO DE LEI, PREVENÇÃO, DANOS, LEGITIMIDADE, MANDATO ELETIVO, DEMOCRACIA.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, cumprindo a missão institucional de legislar que o povo da Bahia me concedeu, apresentei no ano passado projetos que julgo da maior relevância para a democracia brasileira.

Com o objetivo de corrigir, no nosso entender, uma grave inconstitucionalidade, submeti ao exame desta Casa dois projetos de lei: o Projeto de Lei do Senado nº 284 e o Projeto de Lei do Senado nº 285, de 2003, para modificar a Lei nº 9.504/97, a chamada Lei Eleitoral, que se encontra em desarmonia com os princípios constitucionais da segurança jurídica e da presunção de inocência.

Na semana passada, iniciamos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal, a discussão do PLS nº 284. Naquela ocasião, o projeto recebeu o apoio da quase maioria dos Senadores de praticamente todos os partidos.

Entretanto, Sr. Presidente, é inacreditável a repercussão dessa matéria junto à imprensa e a setores importantes da sociedade brasileira, que têm feito pesadas críticas ao conteúdo do projeto, talvez por desconhecimento, por interpretação equivocada ou até - de alguns poucos, é bem verdade - por má-fé e desejo de uso de uma má política.

Em primeiro lugar, é importante destacar que o projeto foi apresentado em meados de agosto do ano passado e que, portanto, não se trata de manobra casuística para favorecer esse ou aquele Partido ou quem quer que seja de forma específica, mas apenas cumpri o juramento que fiz perante esta Casa de cumprir e fazer cumprir a Constituição do meu País.

Tenho ouvido alegações de que os projetos que apresentei pretendem “impedir a punição de corruptos”, “facilitar a corrupção” e até mesmo “criar regalias para os políticos”.

Mas será, Sr. Presidente, que garantir o cumprimento de um princípio constitucional é facilitar a corrupção? Será que esse será um privilégio apenas dos políticos?

E é exatamente com o objetivo de evitar danos irreparáveis ao voto popular e a mandatos obtidos legitimamente, e até mesmo à imagem de muitos cidadãos honestos, que apresentei os PLS nºs 284 e 285, de 2003.

Muitos dos que são contra o projeto alegam que, em virtude da morosidade da Justiça brasileira, não será mais possível condenar um político por compra de votos, caso aprovados os PLS nºs 284 e 285.

Mas será, Sr. Presidente, que a morosidade da Justiça pode servir de pretexto para ignorar princípios fundamentais da nossa Constituição? Se for assim, em breve, poderemos chegar ao exagero de justificar até a pena de morte pela falta de vagas no sistema prisional brasileiro.

Ora, Sr. Presidente, isso não tem cabimento nem pode ter. Se a Justiça é lenta, precisamos, sim, criar mecanismos que a tornem mais ágil. Aí está a reforma do Judiciário. A incapacidade administrativa do Estado não pode servir, de forma alguma, como pretexto para cercear um direito fundamental de qualquer cidadão.

Os opositores do projeto, por mais incrível que pareça, ainda não apresentaram nenhuma contestação em relação ao argumento fundamental que motivou a apresentação, por mim, desses projetos: de que há princípios constitucionais sendo hoje gravemente desrespeitados. Sem argumentos, restou, infelizmente, a agressão e até mesmo a difamação e, com certeza, a mentira.

Há tentativas, inclusive, de confundir a opinião pública. Publicou-se reportagem afirmando que eu teria apresentado os projetos em benefício próprio. Citaram um processo movido contra mim na Justiça Eleitoral do meu Estado pelos meus adversários políticos locais que não se trata de acusação de compra de votos, portanto, não tem relação com o projeto que apresentei, como exemplo dessa tal “legislação em causa própria”, além do fato de que eu obtive vitória no Tribunal Regional Eleitoral por quatro votos a um em recente decisão.

Isto mesmo, Srªs e Srs. Senadores, reportagens que supostamente combatem os PLS nºs 284 e 285, de 2003, não contestam o argumento central da proposta e ainda por cima apresentam uma relação inverídica entre um processo movido contra mim, repito, promovido pelos derrotados na última eleição, cuja motivação é política, e a lei que pretendo modificar.

Espero sinceramente que possa a mídia corrigir as informações erradas infelizmente passadas a seus leitores. Além disso, diferentemente do que foi publicado, não existe contra mim nenhum processo tramitando no Tribunal Superior Eleitoral. É preciso que os que são contra o projeto venham esclarecer no debate qualificado e democrático se há ou não afronta à Constituição Federal na Lei nº 9.504, de 1997, no seu art. 41-A, como está hoje em vigor.

Pois bem, Srªs e Srs. Senadores, é importante lembrar que é princípio constitucional assegurar aos acusados em geral o contraditório, a ampla defesa e os recursos a ela inerentes (inciso LV do art. 5º da Constituição Federal); e que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (inciso LVII do mesmo art. 5º da Constituição Federal).

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador César Borges?

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - O que não pode ser diferente em sentença na área eleitoral. É assim na área penal e será assim em qualquer área do Direito aplicado.

Nossa Lei Maior não distingue situações para exigência de sentença transitada em julgado para a condenação. De modo que qualquer lei que venha a dispensar sentença final afronta diretamente a Constituição Federal.

Veja, Sr. Presidente, que quando trata da possibilidade de perda dos direitos políticos, a própria Constituição, no seu art. 15, exige a condenação criminal transitada em julgado. Também nos regulamentos dos próprios advogados brasileiros consta que deve haver sentença transitada em julgado para que haja uma condenação.

Entretanto, Sr. Presidente, o art. 41-A da Lei nº 9.504, editado pela Lei nº 9.840, de 1999, com o objetivo de coibir e punir a chamada compra de votos tem implicado a inobservância dos princípios constitucionais da presunção de inocência e da segurança jurídica.

Muitos representantes eleitos têm tido seus mandatos populares cassados, em primeira instância, sem que haja uma decisão definitiva da Justiça, constituindo-se, portanto, em decisão irreparável quando a decisão é reformada em instância superior, tornando-se um ultraje ao voto popular, à decisão do eleitorado, que terá seus direitos cerceados durante o período de afastamento do mandato que foi escolhido legitimamente pela própria população.

Após a apreciação dos recursos, pode a Justiça Eleitoral determinar o retorno dos políticos aos cargos eletivos, quando os prejuízos decorrentes da cassação do mandato já terão se materializado de forma irreparável. Um prejuízo político, sem dúvida, irreparável para o parlamentar ou para qualquer detentor de mandato, que, injustamente, terá o seu mandato cassado e sua vida pública manchada para sempre.

Isso para não falar dos prejuízos decorrentes da descontinuidade administrativa, em que quem paga é a população que escolheu as propostas de um candidato, mas teve que se submeter à vontade e muitas vezes à perseguição de outro que foi rejeitado pelas urnas.

A presunção de inocência está infelizmente sendo transformada em presunção de culpa e, a partir de uma decisão preliminar e transitória, o representante eleito diretamente pelo povo pode ser destituído do seu mandato.

Trata-se de uma grave ameaça ao Estado Democrático de Direito, pois estamos falando de um mandato eletivo cuja titularidade pertence ao povo brasileiro e a mais ninguém. Não é de maneira alguma razoável que uma sentença judicial preliminar - friso: sentença judicial preliminar - contrarie uma decisão soberana do povo brasileiro.

Concedo um aparte ao Senador Romeu Tuma; em seguida, ao Senador Antonio Carlos Magalhães, ao Senador Mão Santa e ao Líder do PSDB, Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador César Borges, eu não deveria interrompê-lo, porque V. Exª nos dá uma aula de Direito Constitucional e de Processo Penal, dentro da estrutura do que exige a Lei Eleitoral. Não tenho o que discutir nem questionar a respeito do que diz, porque V. Exª, nesta Casa, tem sido um exemplo de pesquisador, sempre trazendo à tribuna argumentos irrefutáveis; mas eu gostaria de citar o exemplo de um homicida condenado que, estando na primeira instância, não vai para a cadeia, fica aguardando até a fase final, quando da condenação definitiva. Ao surgir qualquer fato novo, alega-se que só após a sentença passada em julgado. Aprendi na faculdade que não pode haver punição antes de a sentença ser passada em julgado. No Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, cerca de 27 candidatos ao cargo de Deputado ficaram pendurados por motivos às vezes leves - alguns mais graves. Na reforma do Judiciário tiraram um membro do Judiciário Estadual e colocaram um do Federal. Por que não deixar o estadual e aumentar o federal para dar mais velocidade ao julgamento? É claro que o Parlamentar não pode atravessar todo o seu mandato tendo a espada de Dâmocles sobre sua cabeça. Fiz esse aparte apenas para elogiar V. Exª e ressaltar a elegância com que explica qual comportamento deve ser adotado.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Muito obrigado Senador Romeu Tuma. Para mim suas palavras são um grande elogio.

Concedo o aparte ao Senador Antonio Carlos Magalhães.

O Sr. Antonio Carlos Magalhães (PFL - BA) - Senador César Borges, inicialmente, devo dizer que não há nenhum processo contra V. Exª, apenas uma acusação extemporânea, por ter respondido a um repórter, em 18 de julho de 2003, que era candidato e venceria a eleição. Seria interessante se V. Exª, perguntado pelo repórter, respondesse: Sou candidato, e vou perder a eleição. Essa acusação ridícula parte de uma pessoa conhecida pelos seus maus hábitos na vida pública e que, derrotada nas eleições na Bahia, está prestes a sofrer nova derrota. V. Exª venceu a eleição com mais de 900 mil votos de diferença. Conseqüentemente, essa resposta ao repórter que significado tem? Mas já vimos absurdos maiores até, no Tribunal da Bahia, quando prefeitos são afastados sumariamente sem sequer direito de defesa. Recentemente, o Presidente do Tribunal declarou que afastaria mais de 40 prefeitos, só não o fez porque saiu antes. Tudo isso é uma demonstração cabal de que V. Exª não tem culpa nenhuma no cartório. V. Exª não aceitou a minha sugestão, hoje, que era a de aqui ou na comissão dizer:“Está bem, se é do meu interesse, retiro o projeto.” Se os líderes quiserem e considerarem certo, que subscrevam o projeto. Esse seria o procedimento para que houvesse a solidariedade devida a quem solidariedade merece. Portanto, fique V. Exª absolutamente tranqüilo. Até gostaria de que o caso viesse para o TSE, pois seria levada no ridículo a denúncia apreciada e julgada pelo TRE - que não nos é nada favorável -, como uma denúncia sem nenhum significado, uma denúncia vazia. V. Exª está acima de tudo isso. E esse foi o motivo de ter sido escolhido candidato a Prefeito. Daqui a pouco dirão que estou pecando, porque V. Exª é pré-candidato a Prefeito da cidade de Salvador. Portanto, para que V. Exª, mais uma vez, não seja, como está sendo, acusado de modo absurdo, não direi que V. Exª será eleito Prefeito, mas sei que V. Exª e o povo de Salvador têm essa certeza. Deve-se, sim, tirar corruptos da vida pública. Quando isso acontecer, V. Exª jamais estará no meio deles, porque a vida de V. Exª tem sido um exemplo de honestidade, de seriedade e de eficiência. Mas saiba V. Exª que todo aquele que é eficiente, sério e tem voto é invejado. Há pouco, um repórter de uma revista me perguntou: “Qual é a causa do seu prestígio?” Respondi: tenho voto. Aqui repito que quem tem voto não deve se incomodar nem mesmo com a maldade de um jornalista que, seguindo a orientação de uma figura deletéria da política baiana, agiu propositadamente.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Antonio Carlos Magalhães, a mim muito me honram as suas observações. V. Exª fez referência ao importante ponto da proximidade de uma eleição, quando os interesses políticos falam mais alto até do que a própria verdade. Talvez seja esse o motivo do surgimento desse tipo de situação, pois o nosso projeto, como já disse, não é casuístico e remonta ao ano de 2003, quando eu sequer pensava que poderia vir a disputar uma eleição neste ano, pois meu mandato vai até 2011.

Ouço o nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador César Borges, nós nos conhecemos ao longo dessas lutas políticas, V. Exª, como vice-governador, governador extraordinário e, agora, Senador da República. Devo dizer que V. Exª não é réu. Se me permite o Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª, como o Senador, é uma das maiores lideranças do nosso Nordeste. Eu queria expressar o meu ponto de vista sobre este assunto. É esta Casa, é o Congresso, que deve fazer as leis. Não podemos abdicar desse direito. Não houve influência da CNBB, que merece todo o nosso respeito, meu nome é cristão, é Francisco, mas quem deve fazer leis, boas e justas, somos nós, embora a inspiração venha de Deus. Moisés recebeu as leis de Deus para que o mundo ficasse melhor. O próprio Cristo aqui veio e disse: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. É divina a justiça, mas quem a faz são os homens, Senador Antonio Carlos Magalhães. Esses homens têm interesses e podem ser atingidos pela corrupção. O que se está buscando aqui é aquilo que eu represento, que o PMDB de Ulysses representa. Ulysses beijou a Constituição e disse: “Quem trai a Constituição trai a Pátria”. Está na Constituição que a sentença tem que transitar em julgado, em última instância. Mas o que se vê hoje? A eleição é um jogo limpo e puro, porque tem juiz, tem tudo. Uma pessoa é eleita - o segundo colocado tem um grande poder econômico e arruma um mecanismo com advogados eficientes, acusações compradas -, mas, de chofre, fica sem o recurso que V. Exª está buscando. Durante esse tempo que estou aqui, vejo que V. Exª enriquece o Senado, porque esta Casa tem a função de ser revisora, de aperfeiçoar leis. E V. Exª, com a sua coragem e os nossos aplausos, está melhorando. Ninguém está defendendo a corrupção, não. Os tribunais estão aí. Como Montaigne disse, “a justiça é o pão de que a humanidade mais necessita.” Estou agora com V. Exª e com Rui Barbosa, que disse que a salvação é a lei e a justiça. V. Exª quer que se obedeçam às leis todas, à Constituição, mãe de todas as leis.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Obrigado, Senador Mão Santa.

Ouço o Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador César Borges, estou pronto para votar favoravelmente ao projeto de V. Exª tão assim a pauta seja desobstruída e se possa realizar a reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Eu entendo por todas as razões, a fé na democracia é a maior delas, que, de fato, a presunção tem que ser a de inocência. Não adianta se tentar fazer ética à prestação, ética na pressa, ética em cima da perna. Isso não leva a lugar nenhum e só mesmo aqueles que têm medo da própria vida é que ficam a prestar contas a essas injunções, a essas movimentações conjunturais, como se tivessem que dar uma satisfação a quem está cobrando ética, com boa fé, certamente, pela imprensa. Então, aquele que não se sente tão seguro pensa que tem que mostrar que é ético e afastar de si as suspeitas todas e dizer que o certo é exatamente o suposto rigor que está posto ali. Antes de mais nada eu queria, portanto, “desfulanizar” e dizer que o seu projeto para mim é meritório, ele casa com a democracia brasileira, é maduro e merece o respeito dos seus pares, tanto quanto merece o mandato que V. Exª, com muita competência, desempenha aqui no Senado. Agora, tenho um exemplo no meu Estado. E cada um aqui vai se lembrar do seu próprio Estado e relacionar o seu Estado e a lembrança com o período ditatorial. Um Vereador muito brilhante, muito combativo, chamado Fábio Lucena, no meu Estado, seria disparadamente o mais votado Deputado Federal na eleição de 1974. Os ventos sopravam a favor da Oposição; em 22 Estados, 16 Senadores foram eleitos; 6 apenas os da Arena. Fábio Lucena seria certamente o mais votado Deputado. Ele tomou determinados gestos, proferiu determinados discursos, e o poder autoritário decidiu processá-lo com base na Lei de Segurança Nacional. Assim que saiu - e era assim a “lei” do regime que não tinha lei - a denúncia da Promotoria contra o Vereador Fábio Lucena, ele foi declarado inelegível. Bastava a denúncia, a presunção, portanto, era da culpa contra os inimigos do regime, para se extirpar uma carreira política. Fábio, depois, foi absolvido, o que mostra a injustiça do diploma que o tornou inelegível. Foi absolvido e, anos depois, foi eleito Senador com uma votação retumbante. Mas me refiro ao fato de que ele não pôde se candidatar a Deputado Federal, sem culpa provada, apenas porque havia uma regra ditatorial que não permitiu que aquela carreira brilhante se desenvolvesse. Ou seja, uma das razões pelas quais lutamos por democracia se embasava na presunção da inocência, na necessidade de uma justiça que tivesse autoridade suficiente para julgar sem peias, na idéia de que tem que transitar em julgado a culpa de alguém. Não transitou em julgado, não é culpado suficiente. Posso ter a maior convicção de que fulano é culpado, mas se não transitou em julgado não me sinto no direito de dizer que de fato ele é culpado - posso até dizer politicamente, e aqui fazemos embates, isso aqui não é um tribunal, emito a minha opinião política -, porque a opinião jurídica vem definitiva quando há o trânsito em julgado. Portanto, que democracia seria essa que concede o trânsito em julgado para todo mundo menos para quem detém mandato eletivo? Que democracia seria essa que imagina que aquela pessoa que está decidindo sobre os destinos do País de repente possa ter o seu voto invalidado, a sua presença invalidada na cena nacional, como se isso fosse uma resposta ética? Para mim, por exemplo, Senador Antonio Carlos, é muito ético fazermos sorteio com correção, os chamados sorteios de municípios, não é? Fazer sorteio, evitar de mexer em bolinha de sorteio. Acho isso muito grave. Para mim, é muito ético não termos necessidade de mostrar que somos, basta sermos, pura e simplesmente sermos. Não precisa mostrar que somos, basta sermos. Então, não apoiar o seu projeto seria uma concessão à pressa, ao julgamento apressado, seria uma concessão à injustiça, seria uma concessão mais ao moralismo do que à moral. Portanto, eu, que respeito todas as entidades, a CNBB, a respeito e acato, sou católico praticante, respeito a Ordem dos Advogados do Brasil, reverencio o passado e quero muito o futuro para essas entidades, mas o meu voto não está condicionado a pressões, venham de onde vierem. O meu voto está condicionado à minha consciência. A minha consciência me diz que a democracia pela qual meu pai foi cassado, a democracia pela qual eu fui preso, a democracia pela qual tanto sofreu o Presidente Lula, a democracia que baniu o Presidente Fernando Henrique Cardoso, a ditadura que baniu essas pessoas todas, a democracia pela qual foi banido o Presidente Fernando Henrique, pela qual tanto sofreu o Presidente Lula, repito, essa democracia exige que o trânsito em julgado seja a decisão final para que o ser humano não se sinta vilipendiado. Aí alguém diz: mas demora muito. Aí já é um outro problema. Problema do processo, da agilidade que tem que ser oferecida à Justiça a partir da reforma sábia que podemos estar fazendo ou não. Eu não tenho certeza se a nossa reforma vai levar necessariamente à agilização da Justiça. Mas não dá para dizer que, na pressa, contra o réu. Não. Na pressa não pode ser contra o réu. In dubio pro reu. Por que na pressa contra o réu? É preciso, então, não se ter pressa. É preciso que se tenha a pressa prudente, a pressa sábia da Justiça para que se faça justiça em cima de coisas sérias, com veredicto sérios. Delinqüiu efetivamente, seja punido; não delinqüiu ou há dúvida sobre se delinqüiu, aprofunda-se a investigação. Eu creio que seria um País onde todos nós dormiríamos com a consciência mais tranqüila e dormiríamos sem o constrangimento de estar praticando violências contra parte da população. Por exemplo, alguém que tem um mandato, como vai acontecer com o Senador João Capiberibe se não houver alteração da situação de S. Exª. Alguém pergunta se tenho alguma coisa contra. Eu não tenho nada contra. Não estou sequer dizendo que estou a favor; apenas estou dizendo que, se não se tem absoluta convicção de que o caminho certo é este, de se extirpar um mandato de fulano de tal, nós podemos estar violentando aquela parcela do eleitorado brasileiro que votou no fulano de tal. Penso muito nisso. Eu faço injustiça no dia-a-dia com o meu temperamento, com a minha forma de ver o Brasil, pois prefiro às vezes errar do que ficar em silêncio, mas procuro fazer jus aos meus cabelos que vão ficando grisalhos a cada dia mais fortemente. Percebo que algo que deve doer no nosso coração é a sensação da injustiça. A sensação da injustiça praticada por pessoas - aí eu perdôo - que querem fazer justiça e foram injustas, aí eu perdôo. Mas não querem fazer justiça, querem dar a entender que estão preocupadas com a justiça e aí ceifam vidas, ceifam carreiras, ceifam perspectivas, ceifam sonhos. Não devemos ter nenhum pejo de discutir o projeto de V. Exª à luz do dia e é à luz do dia que eu nele vou votar, seguindo os ditames da minha consciência: in dubio pro reo. Transitou em julgado, que desça o braço da lei sobre quem quer que seja. Não transitou em julgado... Eu creio que se deve até apressar, encurtar a distância entre o início do processo e o trânsito em julgado. Sou completamente a favor. Justiça demorada significa injustiça duas vezes, porque isso termina privilegiando - e não é culpa da Justiça...

(O Sr. Presidente faz soar a campanhia.)

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Já concluo, Sr. Presidente. Porque isso termina privilegiando aquele que tem culpa. A culpa final demora a ser declarada e acaba perseguindo brutalmente aquele que não tem culpa e que está ansioso por um veredicto rápido, que lhe dê ganho de causa. Portanto, V. Exª traz um problema de consciência que, ao meu ver, deve ser examinado por esta Casa com muita maturidade. Não temos que ficar aqui proferindo voto que não seja o voto independente, que corresponda à soma das nossas consciências e, portanto, à manifestação livre da consciência de cada um de nós. Parabéns a V. Exª pelo belo pronunciamento.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Arthur Virgílio. As palavras de V. Exª me confortam e vão ao âmago do problema. Nós estamos procurando fazer justiça, e não injustiça, muitas vezes irreparável.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador César Borges?

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Pois não, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

Peço a compreensão do Presidente. É uma questão que merece um pouco de discussão.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Nobre Senador César Borges, V. Exª, com a apresentação desse projeto no ano passado, num período ainda muito longínquo das últimas decisões judiciais da Justiça Eleitoral, teve a grande virtude de levantar um problema. Desde a época em que foi aprovada a chamada Lei do Bispo, que regula a compra de votos ou captação ilegal de sufrágios, eu fui e continuo sendo um entusiasmado defensor dessa lei, do combate à corrupção, ocorra ela onde ocorrer. Eu era favorável não apenas ao combate ao poder econômico, que ainda influencia as nossas eleições, como também ao combate à compra de votos e à profusão da boca de urna, muitas vezes paga durante as eleições para definir a situação de um candidato proporcional ou majoritário. Mas eu queria dizer a V. Exª que a lei age de acordo com a realidade; não existe lei imputável, não existe lei infalível. As leis são elaboradas por pessoas; as leis são interpretadas. E cada caso é julgado por um juiz, por um órgão de pessoas fadadas aos acertos e aos desacertos, aos equívocos. Ora, se a lei não for bem feita, se ela não ditar limites, logicamente poderemos entrar em determinadas situações parecidas com as de um Estado de exceção. Por isso louvo a atitude de V. Exª em levantar esse problema, trazendo a lume o julgamento com base no art. 41-A, da Lei Eleitoral nº 9.504, que foi modificada pelo Congresso Nacional. Ora, se há, numa determinada causa, sinal de bom Direito, e há a possibilidade do cometimento de prejuízo irreparável, logicamente deve haver a devida ação, seja cautelar, seja outra qualquer, para que aquela injustiça não seja cometida contra um candidato que está sendo julgado de forma sumária; para que as provas por ele apresentadas sejam devidamente levadas em conta desde a primeira até a última instância. O interessado deve dispor dos meios de que precisa...

(O Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - ...para recorrer e obter a justiça ditada pela lei e assegurada pela Constituição. V. Exª lança esse projeto antes de qualquer julgamento no Brasil. V. Exª é um homem íntegro, um homem capaz, foi um bom Governador, um excelente Governador, não cometeu nenhum ato de corrupção - prova é que V. Exª não está sendo processado por compra de votos, não existe nenhum processo com esse objetivo. Não sei por que inventaram isso. V. Exª não está sendo processado por compra de votos. O que sei é que V. Exª deu uma entrevista numa rádio, e por causa disso o poder econômico foi invocado. Mas, por compra de votos, não existe qualquer processo na Justiça contra V. Exª. O objetivo foi desqualificar o projeto de V. Exª.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Exatamente.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Devemos, sem dúvida alguma, ouvir os interessados. A CNBB, por exemplo, deve ser convidada - acho que ela deve ser convidada, já que há exploração política não só contra V. Exª, mas contra todos aqueles que aprovam seu projeto -, a CNBB poderia ser ouvida em uma exposição na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. E a própria OAB, que defende a manutenção do art. 41-A. Como eu disse, nada é imutável no domínio do Direito, principalmente quando existe o Legislativo, cuja função é legislar sobre as boas causas, sem impedir, de forma nenhuma, que aquilo que foi propugnado pela CNBB, pela OAB, que é o combate à corrupção eleitoral, seja mantido a qualquer custo, porque tenho certeza de que esse é o pensamento de V. Exª e de todos os Senadores que compõem esta Casa.

O SR. CÉSAR BORGES  (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador.

Sr. Presidente, eu pediria um pouco da sua compreensão, para poder conceder um aparte ao nobre Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador César Borges, muito rapidamente quero dizer que não vejo a menor contradição entre o que propõe o seu projeto de lei e o que desejam aqueles que querem evitar a corrupção no processo eleitoral. Ao contrário. Com isso, evitamos que haja outras formas de corrupção: em primeiras instâncias, haver julgamentos que podem não ser tão legais. Disse o Senador Antonio Carlos Valadares que a lei é imperfeita e os juízes também, como seres humanos que são, como nós também somos. Parabenizo-o e chamo a atenção para duas coisas: primeiro, como se demorou tanto a trazer para esta Casa um projeto de lei como esse? E a segunda: hoje de manhã, na Comissão de Educação, vimos que o Constituinte de 1988, com todos os louvores que podemos lhe atribuir, não resolveu completamente o problema da relação entre os Três Poderes. Hoje discutimos o excesso de medidas provisórias. Penso que também nesse projeto de lei que V. Exª apresenta se tenta resolver o contraditório entre o processo eleitoral e o Poder Judiciário. Por isso, parabenizo-o. Obviamente, ao longo do processo pode haver alguns ajustes no seu projeto, mas, em princípio, acredito que ele vem com uma boa causa.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador César Borges.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Sr. Presidente, o Senador Garibaldi Alves Filho é o Relator do projeto.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador César Borges, também vou pedir um aparte a V. Exª.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Sr. Presidente, pediria a V. Exª compreensão, porque é um assunto palpitante.

Senador Garibaldi Alves Filho, por favor.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Com a tolerância do Presidente, e na qualidade de Relator, quero dizer também, a exemplo dos outros Senadores, que V. Exª sempre teve um comportamento considerado por todos nós acima de qualquer suspeita, e que não há a menor possibilidade de considerar que V. Exª esteja legislando em causa própria. V. Exª ganhou uma eleição por 900 mil votos. Não acredito que V. Exª tenha condições de fazer a captação de uma soma tão extraordinária de votos. Na verdade, o que existe no projeto apresentado por V. Exª é a vontade de fazer justiça, a sua absoluta isenção, o seu equilíbrio, a sua competência. Eu, na verdade, hei de fazer justiça a V. Exª, como Relator.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Agradeço, é muito importante o seu depoimento, Senador Garibaldi Alves, porque V. Exª é o Relator. Sei, pelo relato feito na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que o voto é favorável ao nosso projeto.

Mas, para finalizar, Sr. Presidente, o Senador Sibá Machado solicita um aparte, e gostaria de concedê-lo.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Também serei rápido, Senador César Borges. A matéria de que trata V. Exª vem carregada, digamos assim, de zelo. O que quero dizer com isso? A preocupação é com a possibilidade de uma lei ser usada injustamente contra qualquer pessoa. Se essa pessoa tivesse razão ao apresentar esses argumentos contra V. Exª, poderíamos imaginar, então, que qualquer lei, indistintamente, poderia ser usada injustamente contra qualquer pessoa. E aí estaria o Congresso, ou qualquer casa legislativa, impedido de elaborar qualquer lei daqui para frente. Neste caso, quero parabenizar V. Exª pela iniciativa, a qual vem ajudar a colocar mais consistência no processo de julgamento, nos debates a respeito de disputas eleitorais. Li o projeto de V. Exª, que vem corrigir uma das falhas previstas na legislação em vigor. Percebi também a preocupação do Relator, que contribuiu para o aperfeiçoamento da idéia de V. Exª. Essa é uma dívida do Senado, do Congresso Nacional, para com todas as pessoas que justamente venham a participar de um processo eleitoral. Parabéns a V. Exª!

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Muito obrigado, Senador Sibá Machado.

Sr. Presidente, para encerrar, devo dizer que o objetivo fundamental do meu projeto de lei é corrigir essa inconstitucionalidade presente na Lei nº 9.504/97, ou seja, garantir que, somente após o trânsito em julgado, possa um representante eleito diretamente pelo povo brasileiro ver cassado o seu mandato.

O estabelecimento de uma acusação, por mais fundada que seja, não afasta a presunção de inocência. Por maiores que sejam as evidências, deve-se presumir inocente qualquer suspeito contra o qual ainda não tenha sido prolatada uma sentença definitiva.

Pode-se argumentar que é realmente lamentável a prática de atos de corrupção na disputa eleitoral e que as leis devem buscar meios de prever tais práticas, porém, no rigor do Direito, as normas constitucionais devem ser plenamente respeitadas com toda a severidade, como convém a um sistema cuja ordem jurídica tem como alicerce a lei maior, a Constituição, que exige a sujeição das leis infraconstitucionais aos seus limites.

A própria Lei das Inelegibilidades, adequando-se aos comandos constitucionais, exige, para que o candidato perca seu direito político de exercer o mandato, que a sentença que provocou a condenação tenha transitado em julgado.

Dessa forma, os PLS nºs 284 e 285, de 2003, não fazem mais que buscar a adaptação da lei eleitoral aos ditames de nossa Carta Magna, para que nenhum procedimento venha a perpetrar injustiça em relação a um cidadão que teve seu nome questionado por eventuais intrigas e perseguições, ficando, portanto, privado de exercer o mandato que as urnas lhe conferiram, sem que, de fato, existam contra ele qualquer mácula que possa retirar a legitimidade de sua candidatura.

     (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA) - Sobretudo nos Municípios, candidatos honestos podem ser prejudicados para sempre nos seus direitos, porque a parte contrária, sem escrúpulos, promove, muitas vezes, representação contra a eleição deles sem nenhum motivo, além de obter vantagens com a usurpação de um mandato que não lhe pertence.

Sr. Presidente, agradecendo desde já a sua compreensão, vou finalizar dizendo que minha consciência está tranqüila. Sei que estou fazendo o meu trabalho. Não sou daqueles que se calam diante da ilegalidade ou da injustiça.

Neste momento, lembro as sábias palavras do meu grande conterrâneo Rui Barbosa: “Com a consciência, a sua liberdade, os seus direitos não se especula, não se transige, não se joga. Uma nação poderá ceder em tudo o mais, contanto que nesse campo sagrado não capitule”.

Sr. Presidente, sei que os projetos são polêmicos e, mesmo tendo convicção absoluta sobre o mérito dessas matérias, como democrata que sou, curvo-me diante da vontade do Senado Federal e me comprometo a retirar este projeto, caso haja um pedido da maioria dos Líderes desta Casa nesse sentido. Mas esse pedido tem de expressar a vontade da Casa, do Senado Federal.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2004 - Página 13803