Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cobra do Governo Federal e do Congresso Nacional ações concretas contra a exploração sexual infanto-juvenil. Apresentação de resultados da comissão mista incumbida de investigar a exploração sexual infanto-juvenil, em que foram definidas metas para a adoção de políticas oficiais de preservação da criança e do adolescente brasileiros.

Autor
Patrícia Saboya (PPS - CIDADANIA/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Cobra do Governo Federal e do Congresso Nacional ações concretas contra a exploração sexual infanto-juvenil. Apresentação de resultados da comissão mista incumbida de investigar a exploração sexual infanto-juvenil, em que foram definidas metas para a adoção de políticas oficiais de preservação da criança e do adolescente brasileiros.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2004 - Página 13961
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COBRANÇA, EFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, COMBATE, EXPLORAÇÃO SEXUAL, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • APRESENTAÇÃO, RESULTADO, ATUAÇÃO, COMISSÃO MISTA, CONGRESSO NACIONAL, INVESTIGAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, MENOR, TERRITORIO NACIONAL.
  • NECESSIDADE, PODER PUBLICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • APRESENTAÇÃO, DIVERSIDADE, FATO, DEPOIMENTO, VITIMA, EXPLORAÇÃO SEXUAL.
  • PROTESTO, AUSENCIA, APURAÇÃO, CRIME, IMPUNIDADE, AUTOR, VIOLENCIA, MENOR.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora,) - Sr. Presidente, antes de mais nada, agradeço ao Senador Antero Paes de Barros a deferência a minha pessoa e ao meu pronunciamento, que diz respeito a ações que venho buscando realizar desde que cheguei a esta Casa, a CPMI que investiga as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes em nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna desta Casa não apenas como Senadora do Ceará, mas como Presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga as redes de exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.

Venho hoje a esta tribuna para contar a meus Pares e à população de meu País os horrores que circundam os crimes sexuais cometidos contra nossos filhos.

Venho hoje a esta tribuna com a responsabilidade de cumprir uma das missões mais nobres: defender os direitos de crianças que todos os dias, diante dos nossos olhos, são violentadas.

Venho hoje a esta tribuna, Sr. Presidente, para cobrar do Governo atitudes concretas em questões para as quais até hoje, depois de quase um ano de trabalho, não tenho respostas.

Venho hoje a esta tribuna para pedir a atenção do Governo, do Congresso Nacional, da sociedade e da imprensa brasileira para uma chaga que tem se espalhado e tomado conta da imensa maioria de nossas cidades.

Durante toda a minha vida política, que se iniciou no movimento estudantil, depois como Vereadora de Fortaleza, Deputada Estadual do Ceará e hoje como Senadora da República, tenho militado nessa causa e, com determinação e responsabilidade, tenho colocado esse tema junto dos debates que buscam superar a pobreza, promover uma economia mais dinâmica e, conseqüentemente, uma sociedade mais eqüitativa.

Nessa caminhada, ao nos deparar com os fatos de nossa realidade de Brasil tão grande e desigual, muitas vezes somos tomados por um severo pessimismo. E quando menos esperamos chega um olhar, um sorriso ou mesmo o semblante triste de uma criança que nos eleva novamente à responsabilidade de pessoa pública e ao compromisso de cidadã para retomar a tarefa de buscar as mudanças que desejamos.

Foi assim que, no dia 12 de junho, iniciamos os trabalhos de nossa Comissão, uma efetiva iniciativa do Parlamento brasileiro, porém uma história a ser escrita por várias mãos. Aprovamos o nosso plano de trabalho e buscamos enfrentar a exploração sexual infanto-juvenil por três eixos básicos: primeiro, o eixo investigativo do desbaratamento dessas redes que buscam explorar os nossos filhos, as nossas crianças e os nossos adolescentes; segundo, o eixo de elaboração de políticas públicas para o enfrentamento da exploração sexual; terceiro e último, as propostas de alteração legislativa que, com certeza, aprovadas pelo Congresso Nacional, mudarão a forma de punição desses agressores pelo sistema de justiça criminal.

Sabendo dos limites de tempo, da estrutura que poderíamos enfrentar, e sem a pretensão de dar fim ao problema, mas com a consciência de que será possível apontar os diferentes crimes sexuais praticados contra meninos e meninas e o seu modo de operar, elegemos casos considerados emblemáticos para uma rigorosa investigação durante o período de nossos trabalhos.

O Senador Eduardo Siqueira Campos tem acompanhado de perto as nossas angústias, êxitos, vitórias, mas certamente também as nossas preocupações. Já são quase 12 meses de trabalho em que se acumulam mais de 800 denúncias nesta Casa, que deram entrada na Secretaria da CPMI. Até aqui realizamos 31 reuniões de trabalho, 15 diligências, dez audiências públicas, oito sessões temáticas. Viajamos por 14 Estados brasileiros e foram ouvidas mais de 300 pessoas entre vítimas, testemunhas, acusados e réus.

Em todos esses meses de trabalho, pude observar com os meus olhos cada vez mais entristecidos crianças perdendo a sua infância, adolescentes sendo cooptados e seduzidos por um dos braços mais fortes do crime organizado, que são as drogas e a prostituição infantil; famílias inteiras fragilizadas se despedaçando, muitas vezes, pela incapacidade sequer de compreender a situação que estão vivendo.

Srªs e Srs. Senadores, não estou falando de outro lugar ou de outro país, mas falo do Brasil, deste país que, com tanta riqueza e com tanta inteligência, continua fazendo políticas públicas pobres para os pobres, sem criatividade, sem ousadia e, o que é pior, sem paixão. É um exército de meninos e meninas, de diferentes idades, que gritam e nos chamam a atenção para que busquemos, com o olhar corajoso, encará-los como pessoas de direito, que sonham com a sua inclusão em nossa sociedade.

Não é preciso fazer muito esforço para compreender o que essas crianças desejam; não é preciso ser especialista nessa área para saber aquilo que querem. Na verdade, é muito pouco mesmo: um parquinho para brincar, um campo para jogar bola, uma escola que lhes dê a chance de competir na hora do primeiro emprego, a roupa da moda que vêem as televisões anunciarem, o direito de freqüentar um shopping center, de ir ao cinema, de comer uma pizza. Refiro-me àquilo que os nossos filhos permanentemente fazem, ao direito de qualquer criança e de qualquer jovem de ter acesso a tudo o que a sociedade nos oferece.

Será que é muito? Certamente não. Isso é muito pouco diante da dívida que todos - a sociedade brasileira, o Congresso Nacional, o Governo Federal, os Governos Estaduais e os Governos Municipais - temos com essas crianças.

Não basta dinheiro! Não é isso que queremos. Queremos muito mais! Lutamos por uma mudança cultural; queremos que as pessoas não permitam mais a impunidade; queremos que as pessoas não aceitem mais conviver com esse tipo de brutalidade.

Srªs e Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna para lhes contar o que atormenta o meu sono e tira o meu sossego. São imagens de crianças, que, às vezes, mal acabaram de nascer, sendo molestadas e friamente estupradas por pessoas que, por mais que eu tente ser generosa e busque entender, não consigo perdoar.

Perdoem-me pelo desabafo que faço, mas ele é fruto do que tenho visto neste País, ao lado da Deputada Maria do Rosário, que assiste a este pronunciamento. S. Exª tem sido uma mulher corajosa. Fez da sua vida pública também uma iniciativa, um caminho, para que juntas pudéssemos acabar definitivamente com essa chaga, com essa doença.

O Senador Cristovam Buarque tem sido testemunha desse trabalho. S. Exª exercitou, no Ministério da Educação, a possibilidade de o Governo ter atitudes concretas e efetivas para enfrentar esse problema.

Peço desculpas pelo desabafo, mas, certamente, falo também em nome da Deputada Maria do Rosário e de todos os membros da CPMI, Senadores e Senadoras e Deputados e Deputadas, que têm presenciado as injustiças e a crueldade de que são vítimas as nossas crianças e os nossos adolescentes.

Senador Ramez Tebet, após terminar esta parte do meu discurso, ouvirei com prazer o aparte de V. Exª.

Eu gostaria de citar alguns exemplos, não para chocá-los, mas, na verdade, para dizer a V. Exªs por que estou tão revoltada. Venho tão indignada a esta tribuna para denunciar o que está acontecendo neste País com as nossas crianças, os nossos jovens e adolescentes.

Quero registrar o caso de uma menina da Paraíba, cujo nome não devo citar, pois ela está sob a guarda da Justiça, porque teve a coragem de denunciar a exploração sexual, teve a coragem de denunciar autoridades, políticos, empresários e juízes daquela localidade que faziam parte dessa rede que explora as nossas crianças e adolescentes. Trata-se de uma menina que, aos 13 anos, entrou na rede de exploração sexual em que atuavam essas autoridades. Hoje essa menina, que tratarei carinhosamente pelo pseudônimo Janaína, tem 20 anos e, há dois anos, vive sob a proteção da Justiça, longe e apartada de sua família porque teve a coragem de denunciar o que aconteceu.

Essa menina, Janaína, tem a mesma idade da minha filha Lívia. Nasceram no mesmo mês, mas provavelmente terão destinos muito diferentes. Duas vidas, dois destinos. Em seu depoimento - um dos que mais me tocou e marcou -, com 20 anos de idade, ela disse: “Senadora, quando eu era jovem, quando eu era bonita, a minha vida não era assim”. Ela tem apenas 20 anos!

Peço a Deus, todos os dias, para encontrar respostas para dar a essas crianças e a esses jovens. O que está acontecendo neste País? Por que essas pessoas estão fazendo esse tipo de coisa? Já não basta a vida sacrificada das crianças pobres deste País, que não têm sequer a oportunidade de estudar em uma escola boa, que não têm sequer a oportunidade de ter uma vida digna, uma casa para morar, um emprego para os pais ou acesso a um serviço de saúde?

Senador Ramez Tebet, cito também o caso de outra menina, de pseudônimo Ana, do Mato Grosso do Sul, que, aos 10 anos, foi entregue pela própria mãe ao amante, que dizia que esta seria a maior prova de amor que ela poderia lhe dar: a filha de 10 anos. Seu corpo não estava sequer formado. A menina, durante três anos, serviu sexualmente a um vereador chamado César Disney, do PT, ex-vereador de Campo Grande.

Em outro depoimento, Senador Ramez Tebet, em Cuiabá, no Mato Grosso, pudemos ouvir a adolescente de pseudônimo Valéria, de 18 anos, que nos disse: “Hoje estou recuperada. Voltei para minha casa, cuido de meus dois filhos pequenos. Vocês que aqui estão não imaginam a que tivemos que nos submeter nesta vida. Tenho um corpo de 18 anos, mas uma alma velha. Minha alma jamais será completa”.

Em Porto Alegre, ouvimos um garoto de pseudônimo Júnior, de apenas nove anos, que, há quase dois anos, vem sendo usado sexualmente por um grupo de seis taxistas no centro da cidade. É um menino que vive nas ruas, abandonado pela mãe alcoólatra, vítima de verdadeiros vândalos para satisfazer as suas perversidades sexuais. Mal conseguia responder ao que lhe era perguntado, parecia não compreender o que se passava consigo e em sua volta. O Delegado de Polícia que acompanhou o caso disse: “Quando levei esse menino ao IML, não suportei o que vi e chorei. Ele tinha o ânus como uma cloaca”.

Talvez esses tenham sido os depoimentos mais fortes que eu, a Deputada Maria do Rosário e os nossos outros companheiros e companheiras tenhamos presenciado.

É com prazer que ouço o aparte do Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senadora Patrícia Gomes, V. Exª pode estar certa de que a sua presença nessa tribuna hoje comove todos que têm sentimento de brasilidade, todos que têm sentimento de humanidade, e esta Casa o tem. O pronunciamento de V. Exª é comovente, mexe com os nossos nervos, faz com que o retrato deste País passe diante de nossos olhos e com que tenhamos a visão panorâmica de uma pátria rica e poderosa, mas tão injusta e tão desumana - agora, é preciso acrescentar isso. V. Exª apresenta um quadro de crianças que são exploradas até por autoridades. V. Exª falou sobre o Brasil e citou algumas Unidades da Federação, inclusive o meu Estado do Mato Grosso do Sul. V. Exª não quis receber de nós as homenagens que merecia, juntamente com a ilustre Relatora, a Deputada Maria do Rosário, que nos honra com sua presença aqui hoje. V. Exª chegou de madrugada e trabalhou até a madrugada do dia seguinte, talvez mal saciando a sua sede. Aquilo tudo estarreceu e estarrece a todos nós. Imagine como me encontro, como brasileiro, e como se encontra cada um dos Senadores, ouvindo esse relato pungente de V. Exª, a demonstrar que é assim que se trabalha. O País quer isso, quer ver esse diagnóstico. O discurso de V. Exª é de cidadania, é de amor; é um discurso humanitário e deve ser passado outras vezes no Senado da República. Deve haver reprise desta sessão, para que o Brasil inteiro se sensibilize, para que nossas autoridades se sensibilizem. Deve haver um planejamento efetivo para acabar com a exploração das nossas crianças. Senadora Patrícia, não vou falar mais porque a palavra é de V. Exª. Acho que V. Exª me deu o aparte em outro momento. V. Exª tem que continuar o seu pronunciamento até o fim, e a Mesa deve compreender a sua importância. Somente depois dos 20 minutos a que V. Exª tem direito, deveria começar a conceder aparte, porque V. Exª não merece ser interrompida como eu fiz.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Senador Ramez Tebet, agradeço as suas palavras, a sua compreensão e a sua sensibilidade. V. Exª colocou tudo no seu Estado à disposição dessa CPMI, para que, lá, com tranqüilidade, pudéssemos ouvir os depoimentos de vítimas, de testemunhas e daqueles que são acusados das violências praticadas contra nossas crianças e adolescentes. Agradeço a V. Exª a compreensão e, mais do que isso, a sua voz tão forte no sentido de que todos nós, Parlamentares desta Casa, busquemos uma alternativa e um caminho para, rigorosamente, poder apurar esses fatos.

Peço licença aos demais companheiros para concluir este pronunciamento. Em seguida, com todo o prazer, concederei o aparte às Srªs e aos Srs. Senadores.

Mesmo falando de tantas mazelas, de tantas tristezas, do drama dessas crianças, nem tudo está perdido. Em Porto Ferreira, no interior de São Paulo, uma rede formada por políticos e empresários atuava naquele local há pelo menos três anos, e, por força da mobilização e da indignação daquela comunidade, da coragem, que faço questão de afirmar, de uma juíza chamada Suely Alonso, da determinação do Ministério Público, da parceria dessa CPMI, 17 pessoas foram denunciadas.

Permitam-me citar o nome de cada uma dessas pessoas. A primeira é Walter de Oliveira Mafra, condenado a 67 anos de prisão, de cadeia. As outras são: Nelson da Silva, Paulo César da Silva, José Carlos Terassi, Carlos Alberto Rossi, João Batista Pellegrini, Laércio Natal Storti, Gérson João Pellegrini, Edvaldo Biffi, Luiz Gonzaga Borceda, João Lázaro Batista, Luís César Lanzoni, Luiz Dozzi Tezza, Vânia Regina Alves dos Santos, Roberto Dias Pinto, Ivo de Oliveira Capioglio e Albino Bruno Júnior. Dessas pessoas, 15 estão na cadeia condenadas em primeira instância a pelo menos 45 anos de prisão.

O que nos perguntamos muitas vezes, Srªs e Srs. Senadores, é como se permitiu que essa cruel e aviltante violência contra a pessoa e a sua dignidade pudesse ter sido transformada em mercadoria ilegal e criminosa, utilizando crianças e adolescentes na maioria das vezes vulnerabilizados pela pobreza.

A perversidade do mercado chega a todos os cantos. Encontramos, por exemplo, desde programas sexuais com adolescentes cujo preço chega a ser pago em dólar no Rio de Janeiro até crianças pequenas vendendo o seu frágil corpo às margens das rodovias deste País em troca muitas vezes de um prato de comida ou de um prosaico picolé. No Vale do Jequitinhonha, anuncia-se por R$0,50 uma criança, o corpo de uma criança, a mente de uma criança, a alma de uma criança. Por R$1,99, há faixas no Rio de Janeiro oferecendo os nossos filhos.

Srªs e Srs. Senadores, legitimada pela inequívoca vontade do Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, em sua primeira reunião ministerial, no dia 11 de janeiro de 2003, assumiu que a prostituição infantil era um grave problema no Brasil, determinando o seu combate como uma prioridade do Governo e indicando o Ministro Márcio Thomaz Bastos para coordenar as ações contra o problema, a Presidência dessa Comissão, ao lado de sua Relatora e dos seus membros, buscou a parceria do Governo, por intermédio do Ministério da Justiça e da Polícia Federal. Procuramos, por intermédio do Ministro Thomaz Bastos, fazer com que essas investigações tivessem caráter prioritário. Inúmeras vezes, eu e a Deputada Maria do Rosário, Relatora da CPMI, falamos com o Ministro Thomaz Bastos, que nos garantiu que o trabalho iria ser iniciado logo no dia seguinte - várias, inúmeras vezes.

Procurei o Ministro Aldo Rebelo, para que nos ajudasse a cobrar do Governo uma atitude em relação a essas investigações. O Ministro Aldo Rebelo tem sido nosso parceiro, tem feito apelos permanentes ao Ministério do Justiça.

Falei e tive uma reunião com o Líder do Governo Senador Aloizio Mercadante, ao lado da Deputada Maria do Rosário, que cobrou, em seu gabinete, do Ministro Thomaz Bastos, a iniciativa dessas investigações.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, concede-me V. Exª um aparte?

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Procuramos a Secretária Nacional de Justiça, Drª Cláudia Chagas, que todos os dias, praticamente, tem falado conosco.

Procuramos o Sr. Gilberto Carvalho, que assessora o Presidente de forma particular, os seus interesses, os assuntos relevantes. Levamos a ele dados concretos sobre o que estava ocorrendo neste País com as nossas crianças e adolescentes.

Fui ao Presidente da República, que, claramente indignado com o que viu e ouviu, determinou o imediato início dos trabalhos de investigação.

Pasmem, Srªs e Srs. Senadores, de nada adiantou! Nada foi feito até o dia de hoje. Lamentavelmente, apesar das evidências dos fatos, da crueldade das violações de direitos humanos, não conseguimos ser prioridade entre as ações deste Governo, de que eu, nesta Casa, sou Vice-Líder e cujas atitudes e ações defendo.

Venho, hoje, como Vice-Líder, como Senadora da República pelo Estado do Ceará, como Presidente dessa CPMI, cobrar respostas concretas.

Estamos concluindo os nossos trabalhos, e até hoje ninguém se dignou a nos dar uma resposta. Talvez as investigações sejam tão secretas que nem a Presidente dessa CPMI tem o direito de ter acesso a elas ou de saber o que está ocorrendo.

O Sr. Almeida Lima (PDT - SE) - Senador Patrícia Saboya Gomes, concede-me V. Exª um aparte?

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Compreendo e sou solidária às dificuldades por que vem passando o Ministro Thomaz Bastos, com tantos problemas a enfrentar, mas não me posso calar - e não me vou calar - nem me vou conformar com essa situação.

No momento, estamos em processo de finalização dos nossos trabalhos para apresentação pela Deputada Maria do Rosário de seu relatório final. Cabe uma reflexão. O Governo pode ter perdido ou estar perdendo um bom momento para fazer valer a vontade política expressa pelo seu Presidente, que gerou uma enorme confiança não somente para o Brasil, mas para o mundo.

Hoje devo confessar às Srªs e aos Srs. Senadores que me sinto abatida, talvez um pouco fragilizada por tudo o que estou vendo. Decidi vir hoje a esta tribuna para repartir com as Srªs e os Srs. Senadores a responsabilidade por essa situação que vivemos hoje no Brasil.

O Senador Romeu Tuma tem sido nosso parceiro. Quantas vezes já tive também a oportunidade de pedir a S. Exª, pela força que tem, pela sua determinação, pelo contato direto que tem com a Polícia Federal, que nos ajude.

Sei que vários motivos podem estar ajudando a que essas investigações não ocorram. Evidentemente, queremos uma solução para a greve da Polícia Federal, mas isso não justifica. A greve teve início no dia 9 de março. Enviamos os laudos à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça, às mãos do Ministro Thomaz Bastos e da Drª Cláudia Chagas, em dezembro do ano passado.

Não é possível que este País não escute o que estamos dizendo. Não é possível que as autoridades não compreendam que, a cada dia que esses crimes deixam de ser apurados, mais e mais crianças se perdem na triste, cruel, solitária estrada, muitas vezes sem caminho de volta.

Hoje, venho cobrar publicamente o que já incansáveis vezes fizemos pessoalmente. Não é possível que o Brasil, Srªs e Srs. Senadores, se aparelhe para tratar como crime o tráfico de animais e deixe impunes os que traficam nossas crianças, que, de acordo com a nossa Constituição, são prioridade absoluta.

Esse quadro revela o que disse anteriormente. Personalidades como políticos, líderes religiosos, juízes, promotores, familiares, freqüentemente mencionados nas denúncias, pessoas tidas como acima de qualquer suspeita e que, a princípio, deveriam ter o dever de protegê-las e assegurar-lhes seus direitos, estão envolvidas nesses crimes sexuais. Esses homens e mulheres têm nome, endereço e profissão, mas continuam passeando livremente pelas ruas de nossas cidades, em nosso País. Enquanto isso, há 531 casos de Aids em garotas de 13 a 19 anos; 372 casos de Aids em rapazes de 13 a 19; 5.500.769 foi o número de meninas com 10 a 19 anos que fizeram partos em nosso País. Na tríplice fronteira Brasil, Argentina e Uruguai, de acordo com a OIT - não sou eu quem diz - 2.500 meninas são exploradas sexualmente.

Ouço, com prazer, o aparte de V. Exª.

 

O SR. PRESIDENTE (Marcelo Crivella. PL - RJ) - Senadora Patrícia Saboya Gomes, em virtude da plangência, urgência e relevância do assunto tratado por V. Exª - mesmo excedendo em sete minutos o seu tempo -, fiquei impossibilitado de interrompê-la, mas lembro a V. Exª que o Regimento Interno não permite que, esgotado o tempo com tamanha margem, concedam-se apartes, ainda mais havendo vários oradores inscritos.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Peço perdão. Certamente, o aparte de cada um dos Senadores seria de fundamental importância para o meu pronunciamento.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, se preciso, cederei o tempo que me foi cedido pelo Senador Mão Santa.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Sr. Presidente, por diversas vezes, o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, em pronunciamentos importantes, permitiu-nos extrapolar o tempo em 30 ou 40 minutos. Peço a V. Exª que faça uso dessa jurisprudência e conceda à Senadora, pelo menos, mais 20 minutos - o tempo cedido pelo Senador Cristovam Buarque -, para que possa dar continuidade ao debate de matéria tão importante. É o apelo que faço, Sr. Presidente.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Sr. Presidente, agradeço a todos os Parlamentares, aos Senadores Almeida Lima, Mão Santa e Roberto Saturnino, que cedeu seu horário para que eu pudesse me pronunciar sobre esse tema.

Compreendo a urgência, sei que preciso concluir meu pronunciamento. Certamente não precisarei de mais 20 minutos, pois resta apenas uma página para que eu conclua. Caso haja possibilidade, gostaria de conceder alguns apartes, mas, não sendo, compreenderei a decisão.

Sr. Presidente, V. Exa sabe que faço pouco uso desta tribuna e, inclusive, tem me alertado sempre de que devo usá-la mais, principalmente com assuntos, como este, de fundamental importância não apenas para mim, mas para todas as crianças e adolescentes do País.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Sr. Presidente, peço a palavra pela ordem.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Tem V.Exa a palavra.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, em atenção à nobre Senadora e considerando a relevância do tema, sugiro a V. Exa que a deixe concluir, mas sem possibilitar os apartes. Do contrário, os demais oradores serão prejudicados.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - A Presidência sempre responderá observando o Regimento, e não deixando de considerar a extrema importância, a relevância do pronunciamento que faz a Senadora Patrícia Saboya Gomes.

Sras e Srs. Senadores, esta Presidência facultará à Senadora o tempo de que necessitar para concluir seu pronunciamento, pedindo a compreensão do Plenário para que não tenhamos apartes, a fim de S. Exa possa efetivamente concluir seu pronunciamento extremamente relevante.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Agradeço a V. Exa, Sr. Presidente, e às Sras e aos Srs. Senadores.

Subo hoje a esta tribuna porque quero respostas. Devemos isso não a mim, nem à Deputada Maria do Rosário, mas a milhares de famílias e crianças que romperam com o medo e vieram até nós denunciar os maus-tratos e a violência que sofriam.

Hoje, falo em nome das famílias que enfrentaram a vergonha e o preconceito que circundam os crimes sexuais cometidos contra as crianças e os adolescentes. Falo daqueles que quebraram o silêncio, daqueles que colocaram para fora do tapete a poeira que ali estava escondida.

Subo a esta tribuna, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Heloisa Helena, que também tem acompanhado essa luta, para falar de vidas, vidas de tantas marias e josés que todos os dias perdem um pouco da sua infância e da sua juventude.

Aqui, reafirmo que lamento profundamente que o Ministério da Justiça não tenha colaborado efetivamente com os trabalhos da CPMI. Se assim tivesse feito, poderíamos ter evitado que essas meninas e esses meninos tivessem a sua infância roubada.

Muitas foram as lições aprendidas.

Impossível não repensar a trajetória no âmbito pessoal, como mulher, mãe, política e cidadã, depois de investigar esse assunto. Impossível, como disse o Senador Ramez Tebet, a qualquer um de nós, com humanidade e coração, ficar indiferente diante da narrativa da história de meninos e meninas violados sexualmente ou mesmo daqueles que não podemos ouvir.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho três filhos. Quando se é mãe, todas as outras crianças passam a ser um pouco sua também. Portanto, é com o equilíbrio da emoção e, ao mesmo tempo, da determinação, unindo esses dois lados, que conseguimos realizar cada atividade da CPMI. Devemos, sim, cada um de nós, membros dessa CPMI, nos orgulhar dos trabalhos que temos feito. Se não fizemos mais, se não temos respostas para as investigações, não é por nossa responsabilidade, não nos acomodamos. Talvez tenha havido a ingenuidade de acreditar que, com a presença da equipe da Polícia Federal na CPMI, teríamos a colaboração da Polícia Federal ou do Ministério da Justiça nas investigações; mas nada disso foi feito.

Sr. Presidente, devo dizer que saio dessa CPMI muito diferente de quando entrei. Como milito nessa área toda a minha vida, pensei que já tivesse visto o que de pior acontece com as crianças, mas, quando vejo no site da Internet crianças amarradas, vendadas, com as mãos para trás, com as pernas abertas, não posso nem vou me calar.

Ao concluir meu pronunciamento, peço ao Congresso Nacional, à imprensa deste País, que tem colaborado com essas investigações, que estejam atentos. Peço ao Governo Federal, como Vice-Líder, que nos escute, escute o clamor dessas crianças, escute essas vidas que hoje têm, como relatam, a alma velha, para que, quem sabe, possamos vir a ter orgulho do País em que vivemos, para que possamos construir um País com mais justiça, com mais dignidade, onde os nossos filhos, as nossas crianças, que nada nos pedem, tenham o direito de ser feliz.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2004 - Página 13961