Pronunciamento de Antero Paes de Barros em 12/05/2004
Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Críticas ao cancelamento do visto e banimento do País do jornalista Larry Rohter, do jornal "The New York Times", pelo governo federal.
- Autor
- Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
- Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
- Críticas ao cancelamento do visto e banimento do País do jornalista Larry Rohter, do jornal "The New York Times", pelo governo federal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 13/05/2004 - Página 13967
- Assunto
- Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
- Indexação
-
- CRITICA, AUTORITARISMO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, CANCELAMENTO, VISTO DE PASSAPORTE, JORNALISTA, JORNAL, THE NEW YORK TIMES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), MOTIVO, DIVULGAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, VICIO, BEBIDA ALCOOLICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
- COMENTARIO, LEITURA, NOTICIARIO, INTERNET, QUESTIONAMENTO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar de ser outro o assunto que me traz à tribuna, não posso deixar de, primeiramente, assinalar minha solidariedade à Senadora Patrícia Saboya Gomes por seu pronunciamento. Pronunciamentos como esse e atitudes como a de S. Exª realçam ao Brasil a necessidade de, a cada dia mais e urgentemente, termos mães, mulheres, participando da vida política brasileira.
Sr. Presidente, lamentavelmente o assunto é a expulsão do jornalista. A imprensa noticia com destaque o cancelamento do visto e o banimento do jornalista Larry Rohter, do The New York Times, autor da reportagem sobre o hábito de beber do Presidente da República.
Manchete do Globo: “Governo expulsa do país repórter que ofendeu Lula”.
Primeira página do Jornal do Brasil: “Governo cassa visto de jornalista do The New York Times”.
Primeira página da Folha de S.Paulo: “Governo cancela visto e bane do Brasil jornalista do The New York Times”.
Assunto de todos os jornais, notícia inclusive do The New York Times, do El País, da Espanha, do El Clarin e outras publicações internacionais.
Decisão indiscutivelmente truculenta, exagerada, autoritária e antidemocrática, tomada pelo Presidente da República na ausência do Ministro da Justiça, que se encontra na Suíça, embora, de lá, ele tenha dito que a decisão é legal, mesmo que não seja.
Decisão infeliz, verdadeira trapalhada política, que reverteu o clima de apoio e solidariedade ao Presidente Lula. Todo o Brasil, inclusive nós, da Oposição, fomos unânimes na defesa da honra do Presidente e na condenação do conteúdo da reportagem do jornal The New York Times. Nós, da Oposição, nós, do PSDB, nos sentimos inteiramente representados quando aqui, da tribuna, falando em nome do nosso Partido, o Líder Arthur Virgílio se solidarizou com o Presidente.
Nunca vi, em tão rápido tempo, alguém passar da posição de vítima para a posição de algoz. E alguém passar da posição de algoz para a posição de vítima como neste episódio. Quando julgávamos o caso superado, o Governo surpreende com a expulsão do jornalista. Agora, estamos unidos, tenho a convicção disso, porque o valor que está em disputa, o valor que está em discussão é a questão democrática no País, é a questão da liberdade de imprensa e, por isso, não podemos hesitar na condenação do Governo por esse gesto autoritário. O Governo não pode confundir a ausência de autoridade com que está tratando a coisa pública e fazer de conta que tem autoridade, assumindo um gesto autoritário como esse. Esse gesto, não tenho dúvidas, produzirá um desgaste na imagem do Brasil maior, muito maior, infinitamente maior do que a própria reportagem anterior. Senão, vejamos. O Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azedo, considerou a expulsão uma ação extremamente violenta. A Presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo, Veronica Goyzueta, tachou de “um caso claro de censura e perseguição política de um governo democrático”. A Organização Internacional Repórteres Sem Fronteiras anunciou que o Brasil vai ser incluído na lista dos países que desrespeitam a liberdade de imprensa.
O destempero e a truculência do Governo Lula colocam o Brasil no clube das ditaduras que expulsam correspondentes estrangeiros.
Estamos lá, ao lado do Iraque de Saddam Hussein. Do Zimbábue, de Robert Mugabe. Da Coréia do Norte, que não autoriza a atuação de jornalistas estrangeiros. Da China, cujo regime comunista também adota a prática de expulsar jornalistas que considera inconvenientes por suas críticas ao governo.
É lamentável. Só podemos deplorar a decisão do Governo.
Há 34 anos, o governo brasileiro não expulsava um jornalista. Segundo a Agência Reuters, a única vez em que isso ocorreu foi em 1970, quando o regime militar expulsou do Brasil o jornalista francês François Pelou, que divulgou no exterior a lista de prisioneiros políticos que deveriam ser libertados em troca do embaixador suíço, seqüestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária.
O regime militar brasileiro expulsou muitos religiosos. Oito pastores e padres foram banidos do Brasil no período de 1966 a 1980. O último deles foi o Padre italiano Vito Miracapillo, que se recusou a rezar uma missa comemorativa da Independência do Brasil no Município de Ribeirão, em Pernambuco.
O caso Miracapillo foi o de maior repercussão internacional. Mas, na época, o Brasil vivia sob a ditadura, os militares não aceitavam críticas ou contestações a seus atos.
Sinceramente, não vejo como entender as razões que teriam levado o Presidente Lula a optar pela expulsão do jornalista. Só posso concluir que a expulsão do jornalista é fruto da visão autoritária e da truculência do Governo, que está convivendo mal com a democracia interna e muito mal com a democracia no Brasil. Hoje, temos uma claríssima ameaça sobre os valores democráticos e sobre a democracia brasileira.
A expulsão de Larry Rohte é um gesto coerente com as ações de um Governo que reluta, que impede instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito. É uma decisão típica de um regime que não admite críticas, que usa de todos os meios, da pressão econômica à expulsão de jornalistas. Tão grave quanto a censura da ditadura é tentar reintroduzir a censura econômica no modus vivendi das relações com a imprensa brasileira e mundial. É um sinal negativo, uma decisão violenta, que só pode merecer a nossa repulsa e a nossa condenação. E, o que é pior, vozes que foram perseguidas, que se colocaram ao longo da vida pública na luta democrática, como a do Presidente do PT, José Genoíno, vêm a público para dizer que o PT está solidário, porque é assim que se faz em nações civilizadas.
Isso não é verdade.
Encerro, Sr. Presidente, lendo o trecho de uma nota assinada por um brasileiro, o jornalista Ricardo Noblat, que está hoje no seu blog; portanto, se ele assume a nota é porque tem total convicção daquilo que escreve e que é gravíssimo. Ele diz o seguinte:
Na reunião ontem em que decidiu o destino do correspondente do NYT no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resistiu aos apelos de ministros e assessores para que não tomasse a decisão que tomou. Todos ou quase todos que ele ouviu foram contra a cassação do visto de permanência no país do jornalista. A certa altura da reunião, um dos ministros argumentou:
- Presidente, o jornalista é casado com uma brasileira. E a Constituição concede a ele o direito de ficar aqui...
A frase do ministro foi interrompida pelo comentário do presidente.
- (...) a Constituição.
Eu não vou dizer o comentário porque é um palavrão.
O presidente estava furioso. Mais do que furioso: descontrolado em alguns momentos. Berrou, disse palavrões e esmurrou a mesa do seu gabinete de trabalho no Palácio do Planalto.
A decisão de expulsar o jornalista foi dele, unicamente dele.
O ministro Márcio Thomas Bastos, da Justiça, está em Genebra, a serviço. Consultado por telefone, foi contra expulsar o jornalista. Só soube que a expulsão fora decretada depois que ela fora assinada pelo ministro interino da Justiça.
Os ministros Luiz Gushiken, da Comunicação Social, e Celso Amorim, das Relações Exteriores, também foram votos vencidos.
Gushiken telefonou hoje para Thomas Bastos e conversou a respeito do assunto. Os dois, mais Celso Amorim e outros auxiliares do presidente estão tentando reverter a decisão dele.
Já avaliaram que foi péssima e que só tenderá a ser pior a repercussão do ato presidencial - aqui e lá fora.
Com muita sinceridade, neste caso só cabem duas decisões. O Brasil inteiro ficou solidário com o Presidente da República quando ele foi agredido por uma reportagem mal escrita e leviana; que ele use isso e processe o jornalista. Ou que tenha a grandeza que até aqui tem faltado ao Governo e recue na sua decisão. Recuar agora é um ato democrático; insistir é realmente uma violência inaceitável para a democracia.
Prefiro encerrar com uma frase de Voltaire que coloco na justificativa do projeto de lei que apresento para modificar a lei do estrangeiro para que estrangeiros só possam ser expulsos depois de o processo transitar em julgado no Supremo Tribunal Federal. Voltaire dizia: “Posso discordar de tudo o que você fale, mas defenderei até a morte o direito de você falar”.
Parafraseando também Chico Buarque, digo: Que se afaste esse cálice que o Governo quer impor ao povo brasileiro.