Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao 13 de Maio, dia da Abolição da Escravatura. Leitura da carta do Fórum de Debate do Trabalho Escravo e Degradante, realizado em Cuiabá/MT. Protesto contra o envio de tropas brasileiras ao Haiti.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Homenagem ao 13 de Maio, dia da Abolição da Escravatura. Leitura da carta do Fórum de Debate do Trabalho Escravo e Degradante, realizado em Cuiabá/MT. Protesto contra o envio de tropas brasileiras ao Haiti.
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2004 - Página 13969
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, CARTA, CONGRESSO, DEBATE, ERRADICAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), HOMENAGEM, DIA, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, BRASIL.
  • CRITICA, DECISÃO, GOVERNO BRASILEIRO, PARTICIPAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, BRASIL, INTERVENÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, ATENDIMENTO, INTERESSE, COLONIALISMO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, falo com o compromisso de tentar ser extremamente breve, até porque antes da Hora do Expediente com certeza o Senador Jefferson Péres ainda usará da palavra pela Liderança.

Sendo amanhã 13 de maio, eu precisaria ler nesta tribuna a chamada Carta de Mãos Dadas pelo Mato Grosso:

Sou tu sou ele e muitos que nem conheço pelas fronteiras do mundo e no medo em seus olhos jogados à própria sorte e à ambição de poucos.

Amanhã é 13 de maio, o dia da Abolição da Escravatura. Quero ler aqui uma carta. Alguns dirão que já faz tempo que se deu a Abolição da Escravatura e que não é possível que ainda esteja ocorrendo esse tipo de coisa.

Nós participantes do 1º Fórum de Debate pela Erradicação do Trabalho Escravo e Degradante, reunidos em Cuiabá/MT no dia 6 de abril do corrente ano, (...) na Universidade Federal de Mato Grosso, manifestamos nossa profunda preocupação com a escravidão contemporânea que mancha de vergonha nosso Estado, hoje ocupando lugar de destaque no ranking nacional em exportação e importação de mão-de-obra escrava.

Consideramos essa forma de escravidão tão ou mais cruel do que a que existiu no Brasil durante 364 anos, sobretudo porque se dá nos marcos de um “Estado de Direito”. Escravidão esta que se manifesta na clandestinidade e é marcada pelo autoritarismo, corrupção, segregação social, clientelismo e negação dos direitos humanos.

Há uma estimativa de existir hoje no Brasil aproximadamente 25 mil pessoas submetidas às condições análogas ao trabalho escravo. São dados que constituem uma realidade de grave violação dos direitos humanos, que envergonham não somente os brasileiros/as mas toda a comunidade internacional.

Particularmente, preocupa-nos o fato de essas pessoas, resgatadas num ano, retornarem no ano seguinte, reiniciando um novo ciclo de aliciamento, de novo conduzidos/as à situação de escravidão.

Lamentamos, Srªs e Srs. Senadores, não ter tempo para ler toda esta carta, que pede realmente a abolição do trabalho escravo neste País, a erradicação do trabalho escravo.

Peço, Sr. Presidente, que seja registrado o conteúdo desta carta, que saiu do Primeiro Fórum de Debates pela Erradicação do Trabalho Escravo e Degradante, realizado em Cuiabá. Este documento vem assinado por mais de vinte entidades: Delegacia Regional do Trabalho, Universidade Federal, Centro Pastoral para Migrantes, Pastoral da Terra, Conferência dos Religiosos do Brasil, Associação dos Familiares Vítima de Violência, Superintendência da Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho, Federação dos Trabalhadores na Agricultura, Central Única dos Trabalhadores, Ordem dos Advogados, vários centros de direitos humanos, Federação dos Bancários, Sociedade Beneficente e Cultural Coração de Maria, Feema, Secretaria de Trabalho, Emprego e Cidadania. Enfim, são dezenas de órgãos que se posicionam contra o trabalho escravo no País, especialmente nesta Carta. Embora tenha se realizado em Mato Grosso, esse fórum teve âmbito nacional.

Pela comemoração do “fim da escravidão” neste País amanhã, registro esta carta de Cuiabá, elaborada no dia 6 nesse primeiro fórum de debates pelo fim do trabalho escravo, em Mato Grosso.

Srªs e Srs. Senadores, o meu tempo era de 20 minutos, mas utilizei-me de cinco minutos.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - A Presidência esclarece a V. Exª que, por decisão do Presidente José Sarney, comunicada mais de uma vez ao Colégio de Líderes, a Ordem do Dia tem que ser iniciada às 16 horas.

Tendo optado V. Exª por falar antes da Ordem do Dia, a Presidência reduziu o seu tempo para dez minutos. Ainda temos os Líderes que desejam falar, as comunicações inadiáveis, ou seja, esta Presidência faz sempre o possível para preservar o direito dos nossos Senadores.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Está certo. Gostaria que fosse assegurado o tempo do Senador Jefferson Péres.

Vou falar rapidamente sobre alguns trechos do meu discurso.

Srªs e Srs. Senadores, realmente, uma preocupação que urge e que vamos ter que debater muito no Congresso Nacional é o envio de tropas brasileiras para o Haiti.

Vamos pedir, antecipadamente, que seja registrado o nosso discurso na íntegra. Ele tem dez páginas e dele citarei alguns trechos. A lista de intervenções em inúmeros países é enorme - está citada no meu discurso - e assustadora, principalmente quando lembramos que os Estados Unidos são os promotores dessas intervenções na sua grande maioria.

Estamos novamente diante da intervenção atual no Haiti, que não passa de uma variante das intervenções armadas diretas levadas a cabo pelos Estados Unidos, desta vez com a colaboração da França e com aval do Conselho de Segurança da ONU.

No entanto, a primeira nação livre do continente, inspirada nos ideais da Revolução Francesa, pregando igualdade, liberdade e fraternidade, sucumbiu e, hoje, o país caribenho é o mais pobre entre os pobres países latino-americanos. Eu faço, antes deste parágrafo, uma descrição do que foi o Haiti e a que ele está reduzido hoje.

Cito toda a história da chegada de Aristide ao poder, de sua saída, seu retorno, mas não a lerei por falta de tempo.

Claramente, a intervenção no Haiti, Srªs. e Srs. Senadores, objetiva aumentar a pressão sobre Cuba, Venezuela e também sobre a Argentina, que se nega a pagar incondicionalmente a fatura abusiva apresentada pelos banqueiros internacionais.

O Presidente da Comunidade do Caribe (Caricom), Primeiro-Ministro da Jamaica, afirmou, em 18 de março, que a Caricom se recusa a participar da força multilateral internacional das Nações Unidas no Haiti. E aqui se segue toda a justificativa dessa postura do Presidente da Caricom.

Srªs e Srs. Senadores, não se pode ignorar que esse episódio faz parte da política norte-americana de colonização militar e econômica do continente, através de intervenções militares, bases, assessores militares, exercícios conjuntos, Plano Colômbia, Iniciativa Regional Andina, Plano Puebla Panamá, Alca, Nafta, tratados bilaterais, Tratado Centroamericano de Livre Comércio e todos esses instrumentos de que os Estados Unidos costumam lançar mão para impor os seus interesses.

Dentro desse jogo de interesses, os soldados brasileiros desembarcariam - utilizo esse verbo, mas espero que eles não venham a desembarcar - num Haiti ocupado, nos próximos meses, para realizar a sórdida repressão policial à população pobre, correndo o risco de se envolverem em combates contra uma eventual resistência popular.

Tenho para mim, Srªs e Srs. Senadores, que é inaceitável envolver o Exército Brasileiro em operação que procura impor a submissão semicolonial de outra nação latino-americana. Essa atitude vai comprometer a política externa de independência que vem sendo implementada pelo Governo Lula e que tem sido alvo de muitos elogios pelo mundo afora.

Como o meu tempo está se esgotando, vou finalizar, lendo dois parágrafos dos muitos que escrevi.

Trabalhadores, democratas, as mulheres e os homens de bem do Brasil, as organizações de afrodescendentes, todos nós, devemos cerrar fileiras na luta pelo respeito pleno e incondicional do direito de soberania e autodeterminação dos povos e contra qualquer participação brasileira na intervenção militar imperialista no Haiti.

Somente o povo haitiano tem o direito de decidir quem deve governá-lo.

Confiamos plenamente que o povo do Haiti, com base nas suas velhas tradições de luta anticolonial, desde o seu nascimento como nação até a luta contra a sanguinária dinastia Duvalier, saberá forjar com liberdade e responsabilidade o seu futuro.

Este Senado Federal, o Congresso Nacional, não se pode calar diante de fatos como esse.

Muito obrigada, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SENADORA SERYS SLHESSARENKO.

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A SRª SERYS SLHESSAENKO (Bloco/PT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a história das intervenções armadas, diretas ou indiretas, dos Estados Unidos nos países da América Latina, já se estende por quase dois séculos. Só nos últimos cinquenta anos, a participação dos Estados Unidos foi flagrante em numerosos golpes de Estado, na América do Sul e na América Central.

Vejamos a listagem das violências cometidas pelos norte-americanos:

-     A invasão da Guatemala em 1954, a partir de Honduras, encabeçada pelo general Castillo Armas, promovida pela United Fruit, equipada e financiada pelos Estados Unidos;

-     - a invasão fracassada a Cuba, em abril de 1961, financiada e equipada pelos Estados Unidos;

-     - a invasão dos "marines" a Santo Domingos em 1965;

-     - o golpe militar no Brasil, em 1964, incentivado e financiado pelo governo dos Estados Unidos;

-     - o golpe de Estado no Chile, em 1973, contra o Presidente Salvador Allende, promovido e financiado pelo Governo dos Estados Unidos ;

-     - a invasão dos “marines” a Granada em 1983;

-     - o treinamento e financiamento dos "contras" de Nicarágua, baseados em Honduras, na década de 80;

-     - o golpe de Estado no Haiti em 1991.

Observem, Srªs e Srs. Senadores, que a lista é grande, enorme, assustadora, principalmente quando lembramos que os Estados Unidos vivem a tentar se caracterizar como uma nação líder entre as nações democráticas.

E estamos novamente diante da intervenção atual no Haiti que não passa de uma variante das intervenções armadas diretas, levadas a cabo pelos Estados Unidos, só que, dessa vez, com a colaboração da França e com o aval do Conselho de Segurança da ONU.

Cumpre-me, neste momento, recordar que, há duzentos anos, uma insurreição de escravos, liderados por um deles, Toussaint L'Overture, derrotou os exércitos bonapartistas e o Haiti tornou-se a primeira nação livre do colonialismo em todo o hemisfério. Sim, foi um feito magnífico, capitaneado basicamente por aqueles primeiros haitianos que ali construíram uma nação que, por isso mesmo, merece o nosso respeito e a nossa reverência.

O país tinha as condições políticas dadas para trilhar um caminho de desenvolvimento e progresso. A revolta, iniciada em 1791 se estendeu até 1804, quando a república foi proclamada. Segundo estudiosos da experiência haitiana, tratou-se da mais radical revolução de escravos da história moderna, uma revolução que faz recordar a histórica rebelião de Spartacus e seus parceiros diante da Roma Imperial. Só que, onde Spartacus fracassou, os negros haitianos venceram, libertando a si mesmos e ao Haiti.

No entanto, a primeira nação livre do continente, inspirada nos ideais da revolução francesa, pregando Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sucumbiu e, hoje, o país caribenho é o mais pobre entre os pobres países latino-americanos.

O Haiti, com um território de 27.750 quilômetros quadrados, está situado no mar das Antilhas, na parte ocidental da ilha de Hispaniola, que divide com a República Dominicana. O país encontra-se a menos de 80 quilômetros do extremo sudeste de Cuba e a cerca de mil quilômetros de Miami (Estados Unidos).

O Haiti tem hoje cerca de 7,5 milhões de habitantes, incluindo 95% de raça negra, descendentes de escravos africanos e 5% de mulatos e brancos. A sua economia baseia-se na Agricultura e na pesca, mas lá se constata também a presença de uma incipiente indústria eletrônica e têxtil.

O mais trágico nisso tudo é que a história do Haiti registra nada menos que 32 golpes de Estado e os seus dados socioeconômicos são assustadores: com 7,5 milhões de habitantes, 80% da população rural e 65% da população urbana vive abaixo da linha de pobreza. Lá no Haiti, 70% da população está desempregada, e a renda per capita está na casa de US$300.00/ano - ou menos de US$1.00/dia, índice típico dos países mais miseráveis da África.

Por isso, em 1º de janeiro, em ato comemorativo dos 200 anos da revolução, Jean-Bertrand Aristide, ainda presidente do país, num último ato, solicitou uma indenização da França, por reparação, no valor de US$21 bilhões - 5,5 vezes o PIB do Haiti, 16 vezes sua dívida externa - pela escravidão a que a França submeteu o povo daquele País, entre os anos de 1697 a 1804. Sim, foram mais de cem anos de violenta escravidão que a França impôs ao povo do Haiti, para vergonha do povo francês.

Aristide, um ex-padre, expoente da "Teologia da Libertação" chegou ao poder em 1990, depositário de grandes esperanças do povo haitiano após as ditaduras de François Duvalier - conhecido como "Papa Doc"-, que governou de 1957 a 1971, e seu filho Jean-Claude Duvalier - o "Baby Doc"-, que governou o Haiti de 1971 a 1986 -- considerados, esses dois, entre os mais violentos e mais bárbaros governantes da história, que aterrorizaram o país com seus "Tonton Macoutes", as milícias pára-policiais que sustentavam o regime de terror naquele país, por meio de torturas, massacres e execuções indiscriminadas que nada ficaram a dever às tropas assassinas do nazi-fascismo de Hitler e Mussolini, ao Exército Vermelho comandado por Stalin ou ao Kmer Vermelho de Pol Pot.

Só que um golpe de Estado, sete meses após a posse, destituiu Aristide, colocando em seu lugar o general Raoul Cedras que, por sua vez, implementou outra ditadura. Somente em 1994, de má vontade e pressionado pelo êxodo de refugiados haitianos, o governo de Bill Clinton forçou a volta de Aristide ao poder, garantido por 20 mil soldados norte-americanos e com US$500 milhões no bolso, emprestados por organismos internacionais.

Desta vez, porém, Aristide já estava convertido ao Consenso de Washington e encarregado de implementar as privatizações e ajustes exigidos pelo FMI e celebrar novas eleições, que resultaram no governo ultraconservador de seu preposto René Preval, entre 1996 e 2000. O governo de Preval surgiu também baseado em terrorismo de Estado, tráfico de influência, benefícios públicos para amigos, estreito vínculo com o FMI, corrupção endêmica e caos social.

No ano 2000, Aristide voltou a se candidatar. Com um programa de clínicas rurais, campanhas de alfabetização e reforma agrária, recebeu 92% dos votos em uma eleição boicotada pela oposição, sob o argumento de existência de fraude eleitoral. O paupérrimo país ficou sob embargo da União Européia e dos EUA e, seu governo, sob o fogo cerrado da mídia e de comandos armados.

Vale lembrar que Aristide acabou com o Exército Nacional haitiano em 1995, sob orientação direta das tropas norte-americanas que no ano anterior o haviam levado ao poder.

A guinada autoritária e repressiva do governo de Aristide, somada à gravíssima situação social, para a qual contribuíram, decisivamente, as políticas impostas pelo Fundo Monetário Internacional, exacerbaram a crise política e deram forças aos oposicionistas articulados pela Câmara do Comércio e Indústria e por uma “Convergência Democrática” apoiada pelos EUA.

Em dezembro de 2003, a oposição rejeitou o “Conselho Eleitoral Consensual” proposto por bispos e aceito pelo governo e fracassou ao tentar um locaute geral ao modelo venezuelano. Restou a opção do banho de sangue perpetrado pelas milícias armadas.

Finalmente, em 29 de fevereiro de 2003, Aristide foi embarcado pelos “marines” em um avião norte americano que o levou à República Centro-Africana e, horas depois, o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução anotando a “renúncia” de Aristide e autorizando a instalação de uma força internacional no Haiti , quando os “marines” já estavam instalados ali e já haviam retirado o Presidente.

Claramente, a intervenção no Haiti objetiva aumentar a pressão sobre Cuba, Venezuela e também sobre a Argentina, que se nega a pagar incondicionalmente a fatura abusiva apresentada pelos banqueiros internacionais.

O presidente da Comunidade do Caribe - Caricom, o primeiro ministro da Jamaica, Percival Patterson, afirmou em 18 de março que a Caricom se recusa a participar da força multilateral internacional das Nações Unidas no Haiti.

O presidente da Caricom afirmou que não se pode encontrar nenhuma desculpa para a retirada anticonstitucional de qualquer dirigente e advertiu que o ocorrido no Haiti constitui um precedente muito perigoso para todos os governantes democraticamente eleitos e para todos os governos do mundo, em especial na América Latina.

Em 9 de março, a União Africana também considerou que a retirada de Aristide do poder é inconstitucional e constitui um precedente perigoso para qualquer governante eleito democraticamente, diante do poder imperial de que se auto-revestiu o governo dos Estados Unidos.

Mais uma vez, como já fez em muitos outros países, os Estados Unidos se comportam no Haiti como em território conquistado. Suas tropas já começam a assassinar cidadãos haitianos. O novo governo, encabeçado pelo presidente da Suprema Corte de Justiça, Boniface Alexandre, é claramente um governo mantido pelos Estados Unidos.

Esta situação, cuja gravidade foi tão bem assinalada pelo Presidente da Caricom e da União Africana , além de violentar o direito internacional e rasgar a Carta Democrática Interamericana de 2001, supostamente destinada a preservar a estabilidade institucional dos Estados do continente, não provocou reação alguma dos governos latino-americanos.

Ao contrário, o Chile já enviou 328 militares e o Brasil prometeu tropas, avalizando assim mais uma intervenção dos Estados Unidos no continente.

O Brasil, por meio do Governo Lula, ofereceu-se, inclusive, para comandar o contingente internacional, esquecendo-se que tal comando já está ocupado pelos Estados Unidos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se pode ignorar que esse episódio faz parte da política norte-americana de colonização militar e econômica do Continente, por meio de intervenções militares, bases, assessores militares, exercícios conjuntos, Plano Colômbia, Iniciativa Regional Andina, Plano Puebla Panamá, Alça, Nafta, tratados bilaterais, Tratado Centro-Americano de Livre Comércio e todos esses instrumentos de que os Estados Unidos costumam lançar mão para impor seus interesses!

O Governo Lula, antes de consultar o Parlamento Nacional, o que consideramos preocupante, verbalizou a sua intenção de enviar 1.400 homens e, eventualmente, dirigir, em nome dos franco-americanos, a segunda etapa da intervenção no país. A desculpa, a justificativa, é que isto será feito sob a bandeira da ONU, é claro.

São conhecidos os objetivos políticos desta decisão. O Governo brasileiro almeja conquistar o apoio norte-americano à sua reivindicação de ingresso como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Só que, dentro deste jogo de interesses, os soldados brasileiros desembarcariam num Haiti ocupado, nos próximos meses, apenas para realizar a sórdida e habitual repressão policial da população pobre, correndo o risco de envolver-se em combates contra uma eventual resistência popular.

Tenho para mim, Srªs e Srs. Senadores, que é inaceitável envolver o exército brasileiro em operação que procura impor a submissão semicolonial de uma outra nação latino-americana. Essa será uma atitude a comprometer a política externa de independência que vinha sendo implementada pelo Governo Lula e alvo de tantos elogios pelo mundo afora.

Não duvidem: se isso for feito, isso manchará, para sempre, as mãos do governo Lula, do PT e dos partidos aliados com o sangue do povo haitiano, sob as ordens das tropas imperialistas franco-americanas. Os governos da América Latina deveriam tomar como exemplo a posição da Caricom e da União Africana, deveriam mudar a sua atitude e exigir a retirada das tropas norte-americanas e francesas do Haiti e a sua substituição por um contingente latino-americano e caribenho, nos marcos dos procedimentos estabelecidos pela Carta Democrática Interamericana, ou seja, consultadas as legítimas autoridades haitianas.

Deveria formar-se uma comissão de parlamentares da América Latina e do Caribe para investigar in loco, ou seja, no Haiti e na República Dominicana, quem treinou e armou as milícias haitianas e também as condições em que Aristide deixou a Presidência e o país.

Os povos da América Latina devem apoiar o povo haitiano, seguindo o exemplo de Cuba, que mesmo bloqueada, mantém no país vizinho 332 médicos espalhados pelos departamentos haitianos, num país onde existem, atualmente, apenas 2 mil médicos em atividade, sendo que deste total 90% deles estão concentrados na capital.

Trabalhadores, democratas, as mulheres e os homens de bem do Brasil, as organizações de afros-descendentes, todos nós, devemos cerrar fileiras na luta pelo respeito pleno e incondicional do direito de soberania e autodeterminação dos povos e contra qualquer participação brasileira na intervenção militar imperialista no Haiti.

Somente o povo haitiano tem o direito de decidir quem deve governá-lo! Repito: Somente o povo haitiano tem o direito de decidir quem deve governá-lo!

Confiamos plenamente que o povo do Haiti, com base nas suas velhas tradições de luta anticolonial, desde seu nascimento como nação até a luta contra a sanguinária dinastia Duvalier, saberá forjar com liberdade e responsabilidade o seu futuro.

Este Senado Federal, o Congresso Nacional, não pode se calar diante de fatos como esse.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SENADORA SERYS SLHESSARENKO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Cartas de mãos dadas pelo Mato Grosso”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2004 - Página 13969