Discurso durante a 54ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a iniciativa do governo de cassar o visto do jornalista Larry Rohter, do The New York Times. (como Líder)

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre a iniciativa do governo de cassar o visto do jornalista Larry Rohter, do The New York Times. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 13/05/2004 - Página 13982
Assunto
Outros > IMPRENSA. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, ETICA, CONDUTA, JORNALISTA, JORNAL, THE NEW YORK TIMES, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUTOR, DIVERSIDADE, ARTIGO DE IMPRENSA, DIFAMAÇÃO, CHEFE DE ESTADO, AMERICA LATINA, ATENDIMENTO, INTERESSE, PAIS, PRIMEIRO MUNDO, OBJETIVO, DESVALORIZAÇÃO, LIDERANÇA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INFLUENCIA, TERCEIRO MUNDO.
  • JUSTIFICAÇÃO, DECISÃO, GOVERNO BRASILEIRO, CASSAÇÃO, VISTO PERMANENTE, JORNALISTA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, BRASIL.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Como Líder. Com revisão do orador.) -Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que estamos nos defrontando com um debate extremamente difícil e uma questão que coloca um grande desafio para a democracia e para os interesses soberanos de uma nação como o Brasil.

     Não é uma questão menor nem uma questão qualquer.

     É precário o argumento de que seja apenas de uma matéria do The New York Times e que, portanto, não mereceria uma resposta dura do Governo brasileiro. Trata-se de um jornal com grande influência, com repercussão internacional, e que atinge uma dimensão fundamental da vida de qualquer homem público: a credibilidade.

     É legítimo um jornal atacar um governo pelas suas atitudes, pelas suas políticas, pelas suas posições, mas atacar a honra, a dignidade, a imagem do homem público, sem qualquer fundamento, sem qualquer fonte de informação consistente que possa levar àquela agressão é um ato que fere a ética jornalística, da qual também fazem parte o direito à imagem e a discussão de quais os limites do direito de defesa do cidadão. São questões essenciais da democracia e da liberdade de imprensa, sobretudo num mundo globalizado, em que as informações se difundem pela Internet numa grande velocidade.

     Por que esta questão se coloca nesse patamar? Por que esse jornalista vem, de forma sucessiva, ao longo dos últimos anos, tendo atitudes semelhantes? Na Argentina, ele disse que o governo argentino tinha encoberto um atentado que matou 84 cidadãos e que, para isso, tinha recebido US$10 milhões. Foi uma matéria que jamais teve fundamento e que teve repercussão no Brasil - lembro bem. Eu era adversário do Governo Menem - sempre fui. Essa reportagem nunca foi comprovada. Esse jornalista disse que havia um movimento separatista da Patagônia, na Argentina, o que também não tinha qualquer fundamento; que o Estado do Espírito Santo se assemelhava ao Cartel de Medelin, pelo acobertamento do narcotráfico e do crime organizado. Portanto, vem repetindo, ao longo da história, atitudes semelhantes a esta que tomou nesse artigo.

     O Governo brasileiro, por meio da Embaixada do Brasil, imediatamente, entrou em contato com o jornal. Foram feitas também outras tentativas de contato com a editoria de política internacional e com o ombudsman do jornal. A única resposta que tivemos foi uma nota lacônica de uma porta-voz do jornal, dizendo que o jornal mantinha a matéria, sem nenhum tipo de direito de defesa, sem ouvir o outro lado, sem o contraditório, sem a possibilidade de preservar a imagem, mesmo porque, em geral, o desmentido do dia seguinte nunca tem a repercussão da manchete de primeira página que ganha os jornais em todo mundo.

     Pergunto a este Plenário: quais os instrumentos que uma nação em desenvolvimento tem diante de episódios como este? Quais são os instrumentos democráticos? Qual a resposta política para preservar a imagem e a identidade de um Governo ou de uma Nação?

     Esse jornalista, no passado, já disse também que as exportações brasileiras de carne eram feitas mediante a devastação da Amazônia e que as tropas militares tinham relações com povos indígenas, difundindo doenças venéreas e outras práticas devastadoras.

     Claramente, num momento de embate que existia internacionalmente num mercado específico.

     É evidente que esse tipo de atitude tem uma dimensão maior que se refere à política, à inserção soberana de um país na política internacional, à posição de liderança do Brasil na OMC.

     A mesma matéria do jornal The New York Times dizendo que a vitória do Brasil no caso do algodão poderia prejudicar a reeleição do Presidente Bush deve considerada por aqueles que sobem nesta tribuna.

     Não é uma matéria qualquer e não é um ato fortuito, assim como não é um jornalista que tem uma carreira que possamos tratar como propriamente jornalística. Basta ver a série de matérias que foram publicadas por ele, sobretudo no que se refere a reflexões sobre Chefes de Estado e sobre interesses de política de comércio exterior quando afrontam os interesses do governo americano.

     Poderíamos tentar um outro caminho, que, evidentemente, o Governo brasileiro vai trilhar, o caminho da justiça americana de buscar o direito de resposta. Lá, como aqui, há uma tramitação jurídica relativamente certa e não tão rápida quanto o fato merece a resposta.

     Não sei se teríamos outros instrumentos. Não vejo outros instrumentos disponíveis para que um país em desenvolvimento possa disputar seus interesses e preservar a imagem de um Chefe de Estado que foi agredido de uma forma brutal.

     Houve um consenso - e creio que continua havendo - de que foi uma agressão descabida e despropositada, absolutamente inaceitável.

     Não vejo outros instrumentos disponíveis para que possamos nos defender - defender a nossa imagem, a Nação, os interesses soberanos do País, a instituição Presidência da República e defender um homem público com a importância e a liderança do Presidente Lula, na região e em nível internacional, da calúnia e da difamação. Não há instrumento ágil, não há resposta política possível.

     Talvez o gesto de cassação do visto não seja a melhor resposta. Admito que talvez não seja. Porém, não percebi, nesta tribuna, qualquer atitude que o Governo pudesse tomar para mostrar sua indignação e seu repúdio ao que foi feito à instituição Presidência da República e que estivesse ao alcance dessa medida.

     Sr. Presidente, mesmo que tivéssemos votado a moção ontem, hoje ou amanhã, por consenso do Senado Federal, qual seria a repercussão internacional dessa decisão? Que segurança teria se um veículo como o jornal The New York Times publicasse, com o mesmo espaço e a mesma ênfase, a resposta unânime das forças políticas brasileiras repudiando o ataque feito ao Presidente da República?

     Que segurança haveria, se o jornal sequer permitiu, quando entramos em contato, o direito de resposta com o espaço e a importância da matéria na edição anterior?

     Portanto, há, sim, um debate que não terminará hoje sobre liberdade de imprensa, democracia, soberania e interesse nacional no mundo globalizado.

     O mais difícil, Sr. Presidente, é que os instrumentos soberanos de um País como o Brasil, para defender seus interesses em episódios como esse e defender a imagem de um homem público, de um estadista, de um Presidente, de uma instituição como a Presidência da República, são muito precários diante das regras que estabelecem hoje a convivência entre países, sobretudo com a importância que tem a imprensa americana na difusão da imagem e da percepção que milhões de pessoas no Planeta, outros Chefes de Estado e instituições possam ter de um Governo como o do Presidente Lula.

     Sr. Presidente, concluo a minha intervenção compreendendo algumas manifestações feitas aqui, mas que isso seja feito com o devido equilíbrio. Não percamos a dimensão de quem, de fato, foi agredido nesse episódio, onde se iniciou esse processo e quem é vítima dessa ocorrência. Seguramente, esse não será o último episódio em relação aos países da América Latina. Isso não termina com o Presidente Lula.

     Creio que a questão deva ser aprofundada, para que criemos instrumentos mais eficazes de defesa da democracia e dos interesses dos países em desenvolvimento diante de episódios como esse. Assim, quem sabe, não sejam necessárias medidas tão drásticas quanto a que foi tomada, seguramente bastante polêmica, e que abre um correto debate sobre a liberdade de imprensa e os seus limites, portanto, os interesses nacionais diante de episódios dessa natureza.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/05/2004 - Página 13982