Pronunciamento de Maria do Carmo Alves em 13/05/2004
Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Descumprimento de acordos feitos com os governadores em torno da reforma tributária. (como Líder)
- Autor
- Maria do Carmo Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
- Nome completo: Maria do Carmo do Nascimento Alves
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
REFORMA TRIBUTARIA.:
- Descumprimento de acordos feitos com os governadores em torno da reforma tributária. (como Líder)
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/05/2004 - Página 14331
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA TRIBUTARIA.
- Indexação
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- COMENTARIO, ETICA, ATIVIDADE POLITICA, DEMOCRACIA, NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, COMPROMISSO, DENUNCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESCUMPRIMENTO, ACORDO, CONGRESSISTA, GOVERNADOR.
- ANALISE, RELACIONAMENTO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNADOR, ESTADOS, FRUSTRAÇÃO, ABERTURA, DIALOGO, REFORMA TRIBUTARIA, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, AUSENCIA, AUMENTO, TRIBUTAÇÃO, PREJUIZO, CONTRIBUINTE, EMPRESA, DETALHAMENTO, POLEMICA, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL, COMPENSAÇÃO, INCENTIVO, EXPORTAÇÃO.
- DENUNCIA, AUMENTO, RECEITA TRIBUTARIA, UNIÃO FEDERAL, TRIBUTOS, CONTRIBUIÇÃO, AUSENCIA, DISTRIBUIÇÃO, ESTADOS, MUNICIPIOS, DESEQUILIBRIO, FEDERAÇÃO.
- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OMISSÃO, AUXILIO, ESTADOS, CALAMIDADE PUBLICA.
- COMENTARIO, MOBILIZAÇÃO, GOVERNADOR, ESTADOS, COBRANÇA, GOVERNO FEDERAL, ELABORAÇÃO, NOTA OFICIAL, TENTATIVA, CONCILIAÇÃO, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, MERCADO FINANCEIRO.
- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DESRESPEITO, GOVERNADOR, PREVISÃO, CRISE, POLITICA.
A SRª MARIA DO CARMOS ALVES (PFL - SE. Pela Liderança da Minoria. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há uma regra de ouro seguida à risca por quem se propõe a ser respeitado na vida pública, independentemente dos Partidos políticos. Trata-se do ato de cumprir a palavra empenhada e respeitar os acordos.
A primeira lição que um Parlamentar neófito aprende no Congresso é a de que em acordos políticos não existem contratos escritos e, muito menos, promissórias garantindo o cumprimento de pactos. Basta somente a palavra empenhada. Quando o líder de um governo, por exemplo, firma compromissos, pressupõe-se que ele fala em nome do Presidente.
À primeira vista, parece-me dispensável tal explicação ante um Plenário consciente do tema a que me refiro. Mas, por incrível que pareça, nesses estranhos novos tempos inaugurados pela administração petista, parece-me impositivo repassar conceitos elementares que independem de questões ideológicas, mas que são vitais à prática da democracia.
Torna-se, no momento, quase comum nos diálogos entre todos nesta Casa, entre Deputados, Lideranças e Governadores a convicção de que este Governo não respeita acordo feitos. Creio que essa constatação traz embutidos gravíssimos riscos, porque, na prática, inviabiliza princípios básicos que devem reger a convivência democrática. Eu poderia até fazer inúmeras referências a fatos pertinentes, porém vou-me ater apenas ao que está ocorrendo no relacionamento entre os Governadores e a Presidência da República, envolvendo inclusive acordos intermediados pelo Senado Federal.
Nesse contexto, farei um breve retrospecto, desde as tratativas ocorridas no ano passado entre o Presidente Lula, seus principais Ministros e os Governadores dos 27 Estados nas suas repetidas e longuíssimas reuniões, culminando no desfecho do encontro entre os 27 mandatários dos Estados, realizado em Brasília, há duas semanas. Quanto ao último evento, comentarei não apenas a nota oficial, mas tratarei das discussões internas e dos graves diálogos informais mantidos entre os chefes dos Estados - não externados para a imprensa -, atendendo inclusive a apelos do Planalto, a pretexto de não afetar a credibilidade do País ante o mercado.
Srªs e Srs. Senadores, neste momento, reconheço que a idéia de o Presidente Lula iniciar o seu mandato mantendo contato permanente com os Governadores por meio de sucessivas reuniões mereceu admiração de toda a classe política e dos formadores de opinião, afinal nada mais útil do que esse diálogo entre o Presidente e os Governadores.
Na prática, quase nada ocorreu de acordo com o figurino traçado. À exceção da reforma da Previdência, que interessava sobremaneira à União, a discussão da reforma tributária ocorreu como um diálogo de surdos entre o governo federal e os governadores, a partir da quebra da premissa básica estabelecida desde a primeira reunião: a de que não haveria, sob qualquer pretexto, aumento da carga tributária. É verdade que o governo foi rígido no cumprimento desse item, mas só no que dizia respeito aos Estados. Quanto aos interesses da União, tudo isso foi letra morta: foram criados inovadores instrumentos para aumentar a arrecadação federal, extorquindo um contribuinte já exaurido e uma classe empresarial vergada pela maior carga tributária praticada dentre todos os países emergentes do mundo. Há de se lembrar que a área econômica do Governo, ao criar novas taxas, cuidou de evitar que qualquer centavo dessa nova receita se destinasse a Estados e Municípios. O requinte maior é que tudo foi gerado sob a forma das famigeradas contribuições, agravando um verdadeiro crime federativo - que, aliás, o PT tanto combatia quando oposição -, o de provocar uma impiedosa queda da arrecadação dos Estados e Municípios, que viram cair os impostos compartilháveis de 80%, há doze anos, para tão-somente os 40% de hoje. E não é por outra razão que o Governo celebra recordes de arrecadação, ao tempo em que a receita dos Estados e dos Municípios despenca.
Há de se perguntar, Sr. Presidente: afinal, o que ocorreu com a propalada iniciativa de diálogo direto entre o Presidente e seus ministros com os governadores? De fato esse ambiente só prevaleceu até o momento em que a reforma tributária começou a ser discutida na Câmara dos Deputados, quando ficou confirmado que a visão sobre esse projeto era completamente diferente para a União e para os Estados. Fazendo um retrospecto, parece que, no fundo, os governadores foram usados como massa de manobra pelo Planalto para alcançar dois objetivos distintos: aprovar a reforma da previdência, porque era vital para o governo federal; e aumentar a arrecadação da receita do Tesouro Nacional, incluindo, nisso incluída a prorrogação da CPMF. Essa é a convicção, Srs. Senadores, cada vez maior dos governadores, inconformados diante da recusa da União em atender os pleitos estaduais, mesmo no que diz respeito às obrigações constitucionais, como a criminosa omissão da União ante as enchentes do Nordeste. Acrescendo-se, ainda, formação de governos paralelos nos Municípios, sem a participação, não apenas dos governos estaduais, mas, na maioria das vezes, ignorando os próprios prefeitos. Pior do que tudo isso é o descumprimento dos pactos firmados entre o governo federal e os Estados, mesmo envolvendo diretamente o Presidente Lula.
O clima de diálogo produtivo entre o governo federal e os governadores só prevaleceu até o início da discussão da reforma tributária na Câmara, pelo simples fato de que o texto entregue aos deputados não coincidia com os entendimentos ocorridos nos vários encontros do Planalto. Para não me estender em exemplos, ficarei com dois dispositivos: a compensação de incentivos cedidos pelos Estados aos exportadores, e o Fundo de Desenvolvimento Regional. A primeira questão se refere a um pleito que visava corrigir uma anomalia inaceitável: quanto maior é o volume exportado por um Estado, maior é o prejuízo direto de sua receita própria (um verdadeiro contra-senso). Com referência ao Fundo de Desenvolvimento Regional, foi questão consensual em todas as discussões, para reverter a grave tendência vigente de se acentuar o fosso que separa as regiões menos desenvolvidas do País, aprofundado nos últimos anos pela insensata extinção de órgãos regionais como a Sudene. Tudo isso levando o Brasil a ostentar o vergonhoso troféu de ser recordista mundial nas desigualdades regionais. E foi com surpresa que os governadores constataram que, ao lado de outras distorções, não era contemplado no texto da reforma tributária submetida à Câmara dos Deputados o equacionamento dessas duas questões essenciais, conforme havia sido pactuado nas referidas reuniões no Planalto.
Não obstante a luta renhida travada pelos governadores, sua cobrança pelo cumprimento dos acordos não foi considerada graças à esmagadora maioria com que o governo federal contava na outra Casa do Congresso.
A esperança dos governadores se concentrou aqui nesta Casa, onde encontraram receptividade às suas idéias, julgadas justíssimas, até porque esta Casa é formada por inúmeros ex-governadores comprometidos com seus Estados e que entendem da matéria. Depois de inúmeras reuniões com os Senadores, procedeu-se a uma obra de engenharia política conduzida por líderes de diferentes partidos, além do próprio Presidente desta Casa, procurando chegar a um texto final que conciliasse os justos anseios dos Estados com as limitações da União.
Depois de exaustivas negociações, chegou-se a um acordo que previa uma reforma tributária pactuada, com a prévia e expressa garantia do próprio Presidente Lula, que assegurava que o texto final aprovado pelo Senado seria confirmado, na íntegra, por sua base parlamentar na Câmara dos Deputados, onde o Governo conta com maioria expressiva. Mais ainda: que seria aprovado em regime de urgência, para que seus dispositivos vigorassem já no começo do ano. Quanto aos governadores, apesar de nem todos os pleitos poderem ser atendidos, reconheceram o avanço considerável ante o que houvera sido aprovado na Câmara. Por exemplo, embora as fontes de receitas do Fundo de Desenvolvimento Regional fossem modificadas e diminuída a arrecadação pactuada originalmente no Planalto, os governadores aplaudiram os esforços dos Senadores, já que graças a eles se conquistara a garantia do cumprimento do texto aprovado pelo Ministério da Fazenda. Por outro lado, tinham consciência de que um acordo com o Senado, sobretudo com o aval do Presidente da República, jamais havia sido desrespeitado na história republicana. Os fatos viriam a demonstrar, entretanto, que os governadores estavam sendo ingênuos ao confiarem na prevalência deste senso ético, essencial à convivência democrática e política entre o Parlamento e o Executivo.
Para que não pairem dúvidas quanto às minhas afirmações, vou citar dois exemplos recentes envolvendo dois ministros. Há aproximadamente quinze dias o Ministro da Integração Nacional concedeu uma entrevista ao Jornal O Povo, do Ceará, onde contestou abertamente a reforma tributária aprovada aqui no Senado no que diz respeito ao Fundo de Desenvolvimento Regional. Afirmou que os governadores estavam totalmente errados e que a receita dos fundos não iria para os Estados, mas sim para a Sudene. Por outro lado, o Ministro Palocci, em ação aparentemente coordenada, quase na mesma data, convidou um grupo de importantes Deputados do Nordeste ao seu gabinete, para lhes propor o desvio dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional para a Sudene, ato, de imediato, repudiado com veemência por todos os Parlamentares que lá compareceram.
Claro que os Deputados são firmes defensores da Sudene, mas têm plena consciência de que inúmeras sugestões de fontes consistentes de recursos foram reiteradamente propostas pela classe política da região e, invariavelmente, recusadas pela área econômica do Governo, bem como pelo próprio Ministro da Integração Nacional.
Mas voltemos à questão mais ampla do relacionamento dos Governadores com o Planalto. A Câmara, nesses últimos meses, aprovou vários projetos importantes, não aprovando entretanto as modificações efetuadas pelo Senado na reforma tributária, evidentemente porque não existe orientação superior para fazê-lo.
Levando-se em conta esse pano de fundo, os Governadores sentiram necessidade de discutir todo esse quadro e, por fim, tomar posição conjunta, cobrando a mudança da postura inaceitável adotada pelo Planalto que ameaça o próprio pacto federativo.
Ocorre que, aparentemente, o Governo Federal sentiu a gravidade de uma reunião desse nível, a primeira no gênero feita neste período governamental. Temendo as conseqüências da reunião, os principais Ministros políticos do Governo e o próprio Presidente mobilizaram os Governadores aliados para tentar evitar manifestações no evento que, usando o jargão da moda, viessem a promover perturbações no mercado financeiro.
Para tanto, foram enviados não apenas apelos, mas promessas de que o próprio Presidente Lula retomaria imediatamente o diálogo do começo da gestão e os principais pleitos seriam atendidos. O apelo dramático era o de que deveriam ser evitadas referências à renegociação da dívida. Tudo isso dividiu Governadores, já descrentes por repetidas promessas palacianas não cumpridas. O sentimento inicial era o de não levar em conta as ponderações. A tese prevalecente era que deveria ser divulgada nota oficial destacando pontos elencados recolhidos pelo voto da maioria. Porém, após renhido debate, os Governadores se convenceram de que, apesar do clima generalizado de descrença, deveria ser dada mais uma prova de boa vontade.
Adotou-se, então, a tese conciliatória de uma nota oficial amena, deixando as questões polêmicas, como a cobrança de acordos não cumpridos, para serem apresentadas em reunião fechada com o Presidente da República.
Dentro desse espírito, foi elaborada nota oficial com oito pontos, dentre os quais, dois considerados inegociáveis: a compensação aos Estados pelo incentivo às exportações; e a aprovação, pela bancada do Governo na Câmara, do Fundo de Desenvolvimento Regional, obedecendo aos termos aprovados nesta Casa.
Imaginem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que depois de um gesto de grandeza dos Governadores, o Planalto surpreendentemente reage com extrema insensibilidade e desrespeito.
Quarenta e oito horas depois do evento, o Relator da reforma na Câmara, Deputado Virgílio Guimarães, do PT de Minas Gerais, apresentou proposta de emenda à Constituição, estabelecendo a aplicação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional - um dos dois pontos considerados no manifesto como inegociáveis - pelos órgãos de desenvolvimento regional, ao invés de diretamente pelos Estados. Não bastasse tudo isso, o próprio Ministro da Integração esteve esta semana nesta Casa e, de uma forma peremptória, reafirmou o que havia dito, há 15 dias, no jornal O Povo, na capital cearense. Como se vê, um Ministro de Estado comparece a nossa Casa e desautoriza um acordo promovido pelo Senado, com a anuência do Presidente da República. Será que ele desconhecia o acordo com os Governadores?
Claro que nós sabemos que, em política, não há ação sem reação. Os Governadores serão obrigados, até para preservar a própria dignidade do cargo, a responder à altura tamanha desconsideração. Isto é, não bastassem tantas crises que o País enfrenta, tudo indica que se avizinha mais uma, desta vez de proporções monumentais: um confronto aberto dos Governadores com o Planalto.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos os fatos submetidos a este Plenário são mais do que lamentáveis; são desastrosos. Embora o Senado não tenha nenhuma responsabilidade por eles, transformou-se circunstancialmente em avalista do cumprimento dos acordos, pelo menos no que diz respeito à reforma tributária, daí porque é necessariamente o fórum adequado para evitar um confronto de conseqüências imponderáveis. Até porque o Senado é a Casa da Federação Brasileira, porta-voz dos Estados. E a parte mais importante desta crise é o descumprimento de um acordo aqui pactuado, envolvendo Senadores, Governadores e o Presidente da República.
Acredito que o Presidente Lula desconheça as lamentáveis tratativas de alguns Ministros do seu Governo. Porquanto, como líder experimentado, sério e que marcou sua vida pela liderança e cumprimento de inúmeros acordos entre operários e empresários, Sua Excelência sabe que palavra empenhada tem que ser honrada a qualquer preço. Principalmente porque, se os acordos no Congresso não forem respeitados, marcharemos celeremente para a lei da selva, onde tudo vale. E nela, é óbvio, não cabe a prevalência dos princípios que regem a democracia.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigada.