Pronunciamento de Pedro Simon em 13/05/2004
Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Participação de S.Exa. em mesa-redonda na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, cujo título era "Ética e Desenvolvimento".
- Autor
- Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
- Nome completo: Pedro Jorge Simon
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
:
- Participação de S.Exa. em mesa-redonda na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, cujo título era "Ética e Desenvolvimento".
- Publicação
- Publicação no DSF de 14/05/2004 - Página 14374
- Assunto
- Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
- Indexação
-
- PARTICIPAÇÃO, SEMINARIO, COMISSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, DEBATE, ETICA, DESENVOLVIMENTO, APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, BUSCA, CRESCIMENTO ECONOMICO, DEFESA, PACTO, LIDERANÇA, CLASSE POLITICA, APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA PUBLICA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PRONUNCIAMENTO, ORADOR.
O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no dia 11 de maio do corrente compareci à Câmara dos Deputados, mais especificamente à Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, para participar de um seminário intitulado “Brasil: Propostas de Desenvolvimento”. Participei de uma mesa-redonda cujo título era “Ética e Desenvolvimento”.
Foi um evento da maior grandeza, que contou com a participação de destacados brasileiros, como os deputados Lindberg Farias (PT - RJ) e Gonzaga Mota(PSDB - CE), o jornalista Carlos Chagas, o filósofo José Arthur Gianotti e o padre José Carlos Aleixo.
Mantivemos lá, por várias horas, uma discussão em alto nível para apontar táticas e estratégias que possam retirar o Brasil da grave situação econômica em que se encontra hoje - estagnado, sem fazer os grandes investimentos necessários e sem atender a imensa divida social.
Na minha opinião, creio que para buscar uma saída para o país temos que, antes de mais nada, começar a discussão gigantesca dívida pública brasileira.
Assim, durante o debate, lancei a idéia de um pacto nacional pelo crescimento econômico do país, tendo como primeiro passo um amplo debate sobre a nossa dívida pública, interna e externa, avaliada atualmente em R$966 bilhões.
Essa minha sugestão obteve consenso hoje entre os participantes daquele seminário.
Naquela ocasião, sugeri - como já havia feito na Tribuna do Senado - que os Líderes dos Partidos representados no Congresso procurem o Presidente da República para garantir a ele as condições políticas para realizar mudanças ousadas na política econômica, a começar pela renegociação da dívida, algo que me parece algo inevitável.
Os presentes, dos mais diferentes partidos e posições ideológicas, me apoiaram. Reconheceram eles que a situação nacional é muito grave e que só a união de todos os brasileiros em torno de um grande projeto nacional nos dará a chance de encontrarmos uma saída.
Por isso, eu gostaria de transcrever nos anais do Senado Federal o discurso que fiz naquele seminário e cuja íntegra vem a seguir:
Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, senhoras e senhores, é uma honra participar deste evento que tem como objetivo apresentar propostas de desenvolvimento para o Brasil.
Foi convidado a falar do debate sobre “Ética e Desenvolvimento”. Trata-se de um tema muito vasto, mas tentarei ser sucinto. Ética e desenvolvimento são assuntos que sempre ocuparam o centro das minhas preocupações. Sem ética, acho eu, não teremos nunca um desenvolvimento justo e permanente.
O nosso País tem, como sabemos todos, as melhores condições para crescer em todos os sentidos. No entanto, por uma série de fatores econômicos e políticos adversos - tanto internos quanto externos - temos nos debatido numa estagnação econômica que já dura mais de vinte anos.
Chegou a hora de reagir.
Pessoalmente, coloco entre os objetivos nacionais mais destacados a necessidade de alcançarmos, no prazo mais curto possível, um patamar de crescimento econômico que seja condizente com o nosso imenso potencial.
Penso também que esse crescimento deve ser acompanhado pelo resgate de nossa imensa dívida social. Sempre estamos ouvindo alguém falar que o Brasil é a nação que tem a pior distribuição de riqueza no mundo. A verdade é que milhões de brasileiros vivem hoje em condições indignas. Isso tem de ser alterado.
O Brasil desfruta hoje de uma das agriculturas mais eficientes e produtivas do mundo. Está na hora de alcançarmos na área industrial essa mesma eficácia. Para isso, temos que construir um projeto industrial moderno e dinâmico.
Nenhum desses objetivos será atingido se não conseguirmos construir em sistema educacional que seja ao mesmo tempo o mais amplo e eficiente possível.
Senhoras e senhores, acho que as elites brasileiras - independente de posições políticas ou ideológicas - devem se unir em torno de um projeto nacional de desenvolvimento. Enquanto as lideranças políticas, empresariais, acadêmicas, sindicais e religiosas não construírem um projeto em torno de um programa mínimo não teremos um horizonte.
Já que me é dada uma oportunidade, quero aqui apresentar em poucas linhas algumas táticas e estratégias que, no meu entender, deve a nação desenvolver.
Acho que, antes de mais nada, neste mundo de grandes blocos multinacionais, é preciso desenvolver e ampliar o Mercosul. Temos que nos unir a nossos vizinhos, com os quais temos tanta coisa comum, para garantir nosso espaço num mundo que hoje se divide em três grandes blocos: Estados Unidos, Europa e a Ásia. Temos que dar a devida atenção á Alça mas não podemos desconhecer os acenos que noz faz a Comunidade Européia.
Para ampliar essa ligação com nossos vizinhos sul-americanos, defendo a imediata abertura de estradas. Estradas que levem nossos produtos ao Pacífico. Essa é uma necessidade inadiável.
Temos também que garantir a integridade de nosso território contra a cobiça internacional. Para isso, precisamos transferir mais unidades militares para a Amazônia.
Sr. Presidente, um dos maiores entraves ao nosso desenvolvimento é hoje a corrupção. Como se sabe pela imprensa, a corrupção atinge todos os níveis da administração pública. Como se acaba com a corrupção? Ela só terá fim com o primado da ética, quando a ética permear todas as instâncias públicas.
Quero aqui falar um pouco sobre ética.
A ética ilumina a consciência humana, sustenta e dirige as ações do homem, norteando sua conduta individual e social. É um produto histórico-cultural e, como tal, define o que é virtude, o que é bom ou mal, certo ou errado, permitido ou proibido, para cada cultura e sociedade.
Dessa maneira, a ética é universal, enquanto estabelece um código de condutas morais válidos para todos os membros de uma determinada sociedade e, ao mesmo tempo, tal código é relativo ao contexto sociopolítico-econômico e cultural onde vivem os sujeitos éticos e onde realizam sua ações morais.
Ethos - ética, em grego - designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si. Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
A ética não se confunde com a moral. A moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural, numa determinada época. Há morais específicas, também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político... Há, portanto, muitas e diversas morais. Isto significa dizer que uma moral é um fenômeno social particular, que não tem compromisso com a universalidade, isto é, com o que é válido e de direito para todos os homens. Exceto quando atacada: justifica-se dizendo-se universal, supostamente válida para todos.
A ética existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude diante da vida cotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos acríticos da moral vigente. Mas a ética, tanto quanto a moral, não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética se move, historicamente, se amplia e se adensa. Para entendermos como isso acontece na história da humanidade, basta lembrarmos que, um dia, a escravidão foi considerada natural.
Por que a ética é necessária e importante? A ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões etc, a humanidade já teria se despedaçado até à auto-destruição. Também é verdade que a ética não garante o progresso moral da humanidade.
O fato de que os seres humanos são capazes de concordar minimamente entre si sobre princípios como justiça, igualdade de direitos, dignidade da pessoa humana, cidadania plena, solidariedade etc, cria chances para que esses princípios possam vir a ser postos em prática, mas não garante o seu cumprimento. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU (1948), é uma demonstração de o quanto a ética é necessária e importante. Mas a ética não basta como teoria, nem como princípios gerais acordados pelas nações, povos, religiões etc. Nem basta que as Constituições dos países reproduzam esses princípios (como a Constituição Brasileira o fez, em 1988). É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento.
A honestidade está relacionada com a confiança que nos é depositada, com a responsabilidade perante o bem de terceiros e a manutenção de seus direitos. É muito fácil encontrar a falta de honestidade quanto existe a fascinação pelos lucros, privilégios e benefícios fáceis, pelo enriquecimento ilícito em cargos que outorgam autoridade e que têm a confiança coletiva de uma coletividade.
Já Aristóteles (1992, p.75) em sua "Ética a Nicômanos" analisava a questão da honestidade. Outras pessoas se excedem no sentido de obter qualquer coisa e de qualquer fonte - por exemplo os que fazem negócios sórdidos, os proxenetas e demais pessoas desse tipo, bem como os usurários, que emprestam pequenas importâncias a juros altos. Todas as pessoas deste tipo obtêm mais do que merecem e de fontes erradas. O que há de comum entre elas é obviamente uma ganância sórdida, e todas carregam um aviltante por causa do ganho - de um pequeno ganho, aliás. Com efeito, aquelas pessoas que ganham muito em fontes erradas, e cujos ganhos não são justos - por exemplo, os tiranos quando saqueiam cidades e roubam templos, não são chamados de avarentos, mas de maus, ímpios e injustos.
A moral tradicional do liberalismo econômico e político acostumou-nos a pensar que o campo da ética é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada indivíduo. Nessa tradição, também, a organização do sistema econômico-político-jurídico seria uma coisa "neutra", "natural", e não uma construção consciente e deliberada dos homens em sociedade. Por isso acostumamo-nos a julgar que não seja parte de nossa responsabilidade ética a situação do desempregado, do faminto, do que migrou por causa da seca, do que não teve êxito na escola etc., só porque esses males não foram produzidos por mim diretamente. Um sistema econômico-político-jurídico que produz estruturalmente desigualdades, injustiças, discriminações, exclusões de direitos etc., é um sistema eticamente mau, por mais que seja legalmente (moralmente) constituído. Em conseqüência, pelo outro lado: o fato de existirem injustiças sociais obriga-me eticamente a agir de modo a contribuir para a sua superação.
O sistema econômico é o fator mais determinante de toda a ordem (e desordem) social. É o principal gerador dos problemas, assim como das soluções éticas. O fato de o sistema econômico parecer ter vida própria, independente da vontade dos homens, contribui para ofuscar a responsabilidade ética dos que estão em seu comando. O sistema econômico mundial, do ponto de vista dos que o comandam, é uma vasta e complexa rede de hábitos consentidos e de compromissos reciprocamente assumidos, o que faz parecer que sua responsabilidade ética individual não exista.
A globalização (falsa universalidade) do sistema econômico cria a ilusão de que ele seja legítimo. As multidões crescentes de desempregados, famintos e excluídos, entretanto, são a demonstração dessa ilusão. A moral dominante do sistema econômico diz que, pelo trabalho, qualquer indivíduo pode ter acesso à riqueza. A crítica econômica diz que a reprodução da miséria econômica é estrutural. A ética diz que, sendo assim, exigem-se transformações radicais e globais na estrutura do sistema econômico.
Muito obrigado.