Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão da demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre a questão da demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2004 - Página 14377
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REPRESENTANTE, MINORIA, INDIO, AUDIENCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PREJUIZO, VONTADE, MAIORIA, REGISTRO, MOBILIZAÇÃO, ASSOCIAÇÕES, COMUNIDADE INDIGENA, SOCIEDADE CIVIL, OPOSIÇÃO, PROPOSTA, HOMOLOGAÇÃO, DEFESA, RELATORIO, COMISSÃO EXTERNA, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, LEITURA, SUGESTÃO, EXCLUSÃO, AREA, CULTIVO, SEDE, MUNICIPIOS, RODOVIA, PARQUE NACIONAL, MANUTENÇÃO, PELOTÃO, EXERCITO, FRONTEIRA.
  • DEFESA, AUMENTO, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPEITO, TRABALHO, COMISSÃO, LEGISLATIVO, REVISÃO, AREA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), PREVENÇÃO, CONFLITO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, novamente, ocupo esta tribuna para tratar da importantíssima questão da demarcação da área indígena Raposa/Serra do Sol.

Como já é de conhecimento de todos, o Presidente da República, após receber alguns representantes indígenas, no Palácio do Planalto, manifestou-se no sentido de que daria solução para a questão da Raposa/Serra do Sol nos próximos dias.

Ademais, como também já é de conhecimento de todos, aludidos representantes indígenas pleiteavam a demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol, o que causou indignação entre a maioria dos indígenas do Estado de Roraima, assim como indignação entre a população em geral, que se sentiu totalmente alijada da discussão.

De fato, o Presidente, na oportunidade, ouviu tão somente o pleito de uma minoria de indígenas, orientadas por escusos interesses de ONGs interessadas na demarcação contínua deixando, o Presidente, de receber e ouvir importantes setores da sociedade civil organizada de Roraima e uma flagrante maioria de indígenas interessados em uma demarcação que atenda aos postulados da democracia, ou seja, baseada na opinião democraticamente sedimentada pelo que lá habitam.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a manifestação feita pelo Presidente, no sentido de que iria resolver a questão da Raposa/Serra do Sol, após ouvir uma minoria interessada num modelo de demarcação que despreza a vontade da maioria, nos causou perplexidade e apreensão.

No meu Estado, várias associações indígenas e a população civil já começam a esboçar uma nova mobilização contra a tendência da demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol. De acordo com o Jornal Brasil Norte, foi realizada, no dia 11 desse mês, uma reunião no auditório da Federação das Associações Comerciais e Industriais, com presença de lideranças indígenas e parlamentares que decidiram manifestar solidariedade aos índios que ocuparam a sede da Funai, em protesto contra a tendência do governo Lula de homologar, em terras contínuas, a reserva Raposa/Serra do Sol. Este ato, segundo o Jornal, representa um prenúncio de um novo grande manifesto, tal como o realizado em janeiro deste ano, após o anúncio do Ministro Márcio Thomas Bastos de que a Raposa/Serra do Sol seria demarcada de forma contínua. Ao todo, 17 instituições da sociedade civil organizada participaram do encontro. Os indígenas que participaram da reunião são ligadas a quatro importantes entidades contrárias à portaria que fixou, em um milhão e setecentos milhões hectares, a sempre aludida reserva: Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima), Arikon (Associação Regional dos Índios do Quinô e do Monte Roraima), Alidcir (Aliança de Desenvolvimento dos Índios de Roraima) e Conselho do Povo Ingaricó. Ainda segundo o Jornal Brasil Norte, o Vice-Presidente do Conselho Ingaricó, Albertino Dias, afirmou que o governo Lula demonstra parcialidade ao ouvir somente os índios que defendem a homologação da Raposa/Serra do Sol da forma proposta pelo Ministério da Justiça, ou seja, a demarcação de forma contínua, sem a exclusão de qualquer área.

Tenho recebido, em meu Gabinete, diversas manifestações de importantes entidades de meu Estado, todas no sentido de que a decisão homologatória do Presidente seja feita com base nos relatórios confeccionados a partir dos trabalhos realizados pelas comissões externas da Câmara e do Senado, encarregadas de examinar e propor soluções para os problemas ligados à demarcação de terras indígenas.

Os relatórios, tanto da Câmara, como do Senado, acenam para conveniência e oportunidade de que a demarcação da Raposa/Serra do Sol preserve determinadas áreas, consideradas de fundamental interesse pela maioria dos indígenas no Estado. O relatório da Comissão Temporária Externa do Senado Federal, a respeito da área Raposa/Serra do Sol, após realizar a avaliação acurada das questões políticas, econômicas e sociais, envolvida em aludida demarcação, sugeriu as seguintes propostas:

1. sejam excluídas da proposta atual as franjas correspondentes a área de plantio;

2. sejam excluídas as áreas do Município de Normandia e as sedes dos Municípios de Uiramutã e das vilas de Água Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum, e respectivas zonas de expansão;

3. seja mantido o 6º Pelotão Especial de Fronteira do Exército Brasileiro;

4. sejam excluídas as estradas estaduais e federal presentes na área (RR-171, RR-202, RR-318 e BR-401), permitindo o livre trânsito em referidas vias;

5. seja excluída da área a unidade de conservação ambiental Parque Nacional do Monte Roraima;

6. seja demarcada área específica para a Etnia Ingaricó.

Vale dizer que somos totalmente a favor da demarcação das terras indígenas, assim como a maioria dos habitantes de Roraima; basta ver que nosso Estado já tem quase 50% de seu território demarcado. As exclusões que propomos para a área Raposa/Serra do Sol representa apenas 10% da área total pretendida (um milhão e setecentos mil hectares).

Além dos aprofundados estudos e conclusões advindas dos trabalhos das comissões, o judiciário tem se pronunciado, em diversas ações, favoravelmente aos interesses dos que sustentam a razoabilidade da demarcação descontínua. Paradigmática, neste sentido, é a recente decisão do Juiz Federal Helder Girão, da 1ª Vara Federal de Roraima, em liminar que suspendeu os efeitos da demarcação.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Presidente da República, sob pena de realizar um ato arbitrário e antidemocrático, não pode homologar a Raposa/Serra do Sol nos moldes de uma demarcação contínua como, aliás, querem as ONGs.

Semelhante ato representaria um desprezo pelas instituições do País, na medida em que irá contrariar posicionamentos já sedimentados na seara do Legislativo e do Judiciário do País. Ademais, irá contra a vontade da maioria de índios e não-índios que vivem na região e pela quase totalidade dos habitantes do Estado de Roraima, o que tornará o decreto homologatório de uma área contínua um ato maculado pela eiva do autoritarismo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não poderia deixar de mencionar, neste discurso, a minha preocupação com a ingerência de ONGs internacionais nos assuntos indígenas e fundiários do Estado de Roraima e do Brasil.

Estas ONGs são as grandes protagonistas das demarcações de terras indígenas no Brasil e, no que diz respeito a área Raposa/Serra do Sol, elas têm laborado, diuturnamente, no sentido de que a demarcação seja feita de forma contínua, ainda que este modelo de demarcação venha a causar conflitos de grande monta, sobretudo entre os indígenas componentes das cinco etnias que habitam a área, e ainda que contrarie a vontade da maioria de índios e não-índios do Estado.

Não quero acreditar que o Presidente Lula vá ceder às pressões de ONGs internacionais em detrimento dos interesses da grande maioria da população índia e não-índia do meu Estado.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desta Tribuna, já tive a oportunidade de falar sobre o poder das ONGs internacionais e de sua atuação desenfreada no nosso País. Já tive a oportunidade de fazer um apelo ao Governo Federal para que realmente fiscalize e monitore a atividade dessas ONGs em nosso território. Disse, também, que estas ONGs não podem contar mais com os olhares complacentes do Governo e atuarem ao seu bel-prazer, sob pena de a tão propalada internacionalização da Amazônia ganhar dimensões irreversíveis.

E para finalizar, gostaria de fazer um apelo ao Presidente da República para que respeite o Congresso Nacional ao assinar a homologação da Raposa/Serra do Sol. Esta questão foi exaustivamente analisada por Deputados Federais e Senadores, e chegou-se à cristalina conclusão de que a Raposa/Serra do Sol deve ser demarcada de forma descontínua, excluindo-se determinadas áreas consideradas de fundamental interesse do Estado e dos que vivem na região.

Demarcar de forma contínua a Raposa/Serra do Sol representará, para o Estado de Roraima, uma desastrosa decisão, com imprevisíveis desdobramentos na estabilidade social do povo Roraimense. Será, também, uma sinalização de que o Governo está se curvando em face aos escusos interesses de ONGs internacionais para as quais, do Brasil, só interessa a riqueza, sem falar na fragilização da democracia do País, visto os interesses maiores da coletividade restarão suplantados pela força dos lobbies.

E digo mais. Se a Raposa/Serra do Sol for demarcada de forma contínua e, em virtude disso, ocorrerem conflitos sangrentos, tais como os verificados em Rondônia, vou responsabilizar publicamente todos os responsáveis pela demarcação, sobretudo o Presidente da República, o Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos e o Presidente da Funai, o Sr. Mércio Pereira Gomes.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2004 - Página 14377