Discurso durante a 55ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Confrontação entre a abolição da escravatura, comemorada hoje, e as práticas que perduram na sociedade brasileira, na forma do trabalho escravo, do trabalho infantil, na exclusão social, e na discriminação salarial das mulheres e da população negra em geral.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Confrontação entre a abolição da escravatura, comemorada hoje, e as práticas que perduram na sociedade brasileira, na forma do trabalho escravo, do trabalho infantil, na exclusão social, e na discriminação salarial das mulheres e da população negra em geral.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2004 - Página 14379
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, ANALISE, CONTINUAÇÃO, EFEITO, EXPLORAÇÃO, TRABALHO ESCRAVO, TRABALHO, INFANCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, INFERIORIDADE, SALARIO, MULHER, NEGRO, DESIGUALDADE SOCIAL, NECESSIDADE, AÇÃO COLETIVA, BUSCA, JUSTIÇA SOCIAL.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há exatos 116 anos, sancionada pela Princesa Isabel, a Lei Áurea extinguia a escravidão em nosso País. A Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que ficaria conhecida como Lei Áurea, coroava um processo quase homeopático de libertação dos escravos, consubstanciado na edição da Lei do Ventre Livre e da Lei dos Sexagenários.

Tamanha ignomínia, o regime de escravidão, que mancha a nossa História, se extinguiria lenta e tardiamente, quando os demais países que o adotavam já haviam banido essa prática. Ainda assim, só se pode dizer que a escravidão, em nosso País, acabou no aspecto formal de um regime instituído nacionalmente e tolerado pela legislação então vigente. Seus efeitos, entretanto, ainda perduram na sociedade brasileira contemporânea, na forma do trabalho escravo, do trabalho infantil, na exclusão social, na discriminação salarial das mulheres e da população negra em geral.

Essa não é uma tese de minha autoria, Sr. Presidente, mas é a constatação de acadêmicos, de sociólogos, de quantos se debruçam para conhecer a realidade nacional; é, principalmente, a constatação cotidiana e crua do cidadão brasileiro, especialmente daquele que sente na própria pele os efeitos do preconceito e da exclusão.

Este 13 de maio, em que também comemoramos o Dia da Fraternidade Brasileira, enseja, duplamente, uma reflexão sobre a situação dos negros e das minorias sociais em nosso País e propõe uma ação coletiva, de busca da integração e da união dos esforços para a construção de uma Nação que seja efetivamente a Pátria de todos, independentemente da raça, do credo, do gênero, da idade e de toda e qualquer diferença entre as pessoas.

Ao fazer coro com a grande maioria dos brasileiros que reconhece a permanência da escravidão entre nós, gostaria de assinalar que essa odiosa prática se configura na discriminação e na exclusão social dos negros, tanto quanto no tratamento que é dado às demais minorias. Em relação à população negra, é sabido que seus direitos são reconhecidos, mas as oportunidades lhe são negadas. Os negros são marginalizados em nossa sociedade, da mesma forma que o são os índios, os analfabetos, os deficientes e os miseráveis em geral.

A discriminação salarial não é a única, senão a mais freqüente forma como se manifesta o preconceito racial. O desnível entre os salários pagos a homens brancos e negros, para execução de tarefas idênticas, chega a alcançar 40%. Também as mulheres têm remuneração menor, se confrontadas com os homens, e nessa escala cruel as mulheres negras ocupam o último escalão, sendo discriminadas duas vezes.

A discriminação se manifesta também na falta de oportunidade de empregos, na dificuldade de acesso à educação e em aspectos da vida cotidiana, como a opressão policial, de que são vítimas, freqüentemente, os cidadãos negros.

Os resquícios da escravidão perduram, ainda, em variadas formas, como o trabalho infantil, que rouba a infância de milhares e milhares de meninos e meninas; ou no trabalho forçado, também identificado corretamente como trabalho escravo, do qual já me ocupei antes, desta Tribuna, encarecendo uma ação enérgica das autoridades. Naquela ocasião, além de condenar essa prática vergonhosa, pude destacar a disposição do Ministério Público do Trabalho de erradicá-la, instaurando inquéritos civis públicos e ajuizando ações contra os patrões que insistiam em desrespeitar a lei e os direitos humanos.

Essa prática, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se confunde com a escravidão em seu conceito tradicional. Nem por isso é menos maléfica e cruel: aliciados quase sempre em regiões distantes, esses trabalhadores, tardiamente, percebem ter sido enganados. O salário é sempre inferior ao prometido e nunca é suficiente para pagar suas próprias despesas. Extorquidos pelo patrão, são ainda mantidos sob a vigilância de pistoleiros para evitar que fujam, o que, sem dúvida, caracteriza um tipo de regime escravo.

É inconcebível que, em pleno século XXI, essa realidade ainda persista entre nós, e com tal desfaçatez, e com tamanha crueldade, que há dois meses, no vizinho Município de Unaí, três agentes do Ministério do Trabalho - dois fiscais e um motorista - foram assassinados quando investigavam denúncias de trabalho escravo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no transcurso deste 13 de maio, que é também o Dia da Fraternidade Brasileira, quero fazer um apelo aos nossos governantes, à classe política, ao empresariado, enfim, a todos os segmentos da nossa sociedade para que unamos nossos esforços com o objetivo de extinguir completamente essa mácula do preconceito e da discriminação racial. Que esse não seja o único passo na correção das distorções sociais que teimam em subsistir, mas que se concretize efetivamente e abra caminho para ações cada vez mais amplas, consolidando nossas aspirações de uma convivência fraterna e solidária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2004 - Página 14379