Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Perda de credibilidade do governo Lula.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Perda de credibilidade do governo Lula.
Aparteantes
Alvaro Dias, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2004 - Página 14705
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONTRADIÇÃO, EXPULSÃO, JORNALISTA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA.
  • CRITICA, EXCESSO, OCUPAÇÃO, CARGO PUBLICO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ENTIDADE, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), INSTITUTO NACIONAL DO CANCER, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, AUMENTO, EMPREGO, SALARIO MINIMO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), INEFICACIA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, EMPREGO, JUVENTUDE, ABUSO, PAGAMENTO, DIARIAS, FUNCIONARIOS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, CRITICA, FALTA, ORGANIZAÇÃO, EXCESSO, MINISTERIOS.
  • COMENTARIO, FALTA, CONFIANÇA, GOVERNO FEDERAL, VINCULAÇÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, EX SERVIDOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AUSENCIA, INVESTIGAÇÃO.
  • CRITICA, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PARA FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS), PARALISIA, SETOR, INFRAESTRUTURA, FALTA, INVESTIMENTO, SISTEMA RODOVIARIO FEDERAL, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBSTACULO, VOTAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, semana passada, todo o Brasil acompanhou de perto um processo decisório do Governo do Presidente Lula. Refiro-me ao artigo do jornal The New York Times, de domingo anterior a este último, em que o correspondente daquele jornal no Brasil, o jornalista Larry Rohter, faz uma alusão à possibilidade de o País estar preocupado com o fato de que o Presidente Lula estaria bebendo demais. Isso irritou o Governo, que resolveu expulsar o jornalista do Brasil, em uma medida arbitrária, baseada, inclusive, em uma lei da época da ditadura. Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça, atendendo a um habeas corpus impetrado pelo Senador Sérgio Cabral, decidiu suspender a decisão do Presidente Lula.

Na semana passada, por meio de uma carta que o Governo entendeu como um pedido de desculpa -- o que, na verdade, não foi, pois era uma carta negociada --, o Governo desistiu da expulsão. Inevitavelmente, essa questão acabou trazendo um grande prejuízo ao Brasil!

Vou ler uma parte de um artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, de autoria do Professor Denis Lerrer Rosenfield:

O dano que a pretendida expulsão do jornalista do The New York Times causou à imagem brasileira no exterior será duradouro, a conduta do Presidente não foi a de um líder de um grande país democrático, que estaria, inclusive, vocacionado para ocupar uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, mas a de um governante de uma republiqueta qualquer. O modelo da atitude presidencial foi propriamente cubano. Trata-se de uma recaída numa prática stalinista sobre a qual não se pode tergiversar. Com a liberdade de imprensa não se brinca, pois o seu custo é muito alto.

Sr. Presidente, o fato mostra que o processo decisório do Governo é contraditório e confuso; quer dizer, o Governo nunca tem uma linha específica de atuação que permita que decisões sejam efetivadas. Creio que esse é o primeiro problema grave do Governo. A forma de decisão governamental é confusa, complicada e faz com que a Nação, a cada dia, perca a confiança no processo que o Presidente Lula e seus principais assessores usam para decidir as questões cruciais do País.

Em segundo lugar, ocorre a ocupação de todas as entidades públicas pela militância do Partido dos Trabalhadores e de alguns partidos aliados. Semana passada, na Petrobrás, a maior e mais importante empresa brasileira, que há anos se esforça para profissionalizar seu pessoal e tornar-se empresa de alta produtividade, diretores estavam sendo substituídos por outros indicados politicamente. Isso ocorreu, por exemplo, com o Presidente da Eletrobrás. Setenta por cento das ações da Petrobrás estão em poder de empresas nacionais ou estrangeiras, mas nem elas estão sendo respeitadas.

A Embrapa, o Hospital do Câncer, o setor de saúde foram inteiramente politizados. Agora, essa politização está chegando às grandes estatais, se já não foi concluída. Tudo isso terá um efeito, que pode não ser imediato. O lucro da Petrobras é alto, porque, a US$42 o preço do barril, qualquer empresa de petróleo aufere lucros bastante elevados; porém, esse efeito positivo será prejudicado pelo fato de que a empresa, que vinha seguindo uma direção, agora dá grandes passos para trás com essa não-profissionalização de seus quadros, e os efeitos dessa medida aparecerão no futuro.

Em terceiro lugar, o Governo, a cada dia, está perdendo a confiança do povo brasileiro pelo não cumprimento das promessas eleitorais. Talvez esse tenha sido o Governo, Senador Alvaro Dias, que mais prometeu para ganhar eleição. Lembramo-nos dos dez milhões de empregos prometidos. Por enquanto, houve apenas aumento do desemprego. Igualmente nos lembramos da promessa explícita feita pelo Governo de dobrar o valor real do salário mínimo em quatro anos. Contudo, o que vimos foi 1% ou 1,2% de aumento real no ano passado, se não me engano, e 1,7% neste ano. Portanto, foi jogada no lixo mais essa promessa de dobrar o valor do salário mínimo.

Durante anos, quando fazíamos parte da base do Governo Fernando Henrique, sempre defendemos um aumento maior do salário mínimo. Agora, continuaremos trabalhando por essa idéia, conforme acabou de propor o Senador Paulo Paim.

Outra questão é sobre as políticas sociais. Na sexta-feira passada, o Governo encaminhou uma medida provisória alterando o programa do Primeiro Emprego, que não deu certo, pois foi mal lançado. Vou ler um trecho de uma notícia publicada na Folha de S.Paulo a respeito do Programa Primeiro Emprego. Diz o seguinte:

As dificuldades por que passa o programa são registradas pelo Siafi, o sistema de acompanhamento dos gastos federais. Até o início de abril, apenas 0,04% dos R$189,1 milhões destinados ao Primeiro Emprego no Orçamento da União haviam sido pagos. E mais da metade desse dinheiro liberado serviu para bancar diárias de funcionários do programa.

Então, o dinheiro não foi para o desempregado, não foi para as empresas que empregaram pessoas que estavam dentro do programa, mas para pagar diárias dos funcionários que estavam administrando o programa.

E continua a Folha de S.Paulo:

De acordo com o balanço feito pelo Ministério do Trabalho, a contratação por meio de subsídios já havia alcançado, até a semana passada, 707 jovens. Isso corresponde a 0,0028% da meta definida para o ano. O balanço apontava 2.239 empresas inscritas -- de um total de 765 mil empresas convidadas.

Eram 250 mil os primeiros empregos que o Governo queria criar. Criou apenas 700, Senador Papaléo Paes. Veja V. Exª que programa fracassado é esse. Não se trata de um fracasso comum, mas de um superfracasso. Assim estão todos os programas sociais prometidos pelo Governo. Assim está o programa Primeiro Emprego, o Fome Zero, bem como a área de educação.

Concedo um aparte ao Senador Alvaro Dias.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador José Jorge, até gostaria de discordar de V. Exª, mas não consigo, pois V. Exª tem total razão. V. Exª citou as razões da falta de credibilidade do Governo. Quero acrescentar mais uma à seleção de razões que apresentou: a desconexão com a realidade interna e externa do País. Falo da desconexão com a realidade e a desconexão que há entre o Presidente e seus Ministros e destes entre si. Não há sintonia. A orquestra não está afinada, talvez por falta de competência do maestro. Agora, por exemplo, o Ministro Palocci, capitaneado pelo Presidente Lula, afirmou, na reunião do Conselho Econômico e Social, que essa turbulência da conjuntura externa não afeta a economia do Brasil. Isso dizem Palocci e o Presidente da República. O Ministro José Dirceu, em São Paulo, afirmou algo diferente. Afirmou que é necessário um pacto para fazermos frente à crise externa. E foi além, dizendo que “essa política econômica ortodoxa não será suficiente para enfrentar eventual agravamento da crise externa”. Portanto, para o Palocci não afeta, para o José Dirceu afeta; para o Presidente da República não afeta, para outros afeta. É preciso saber quem tem razão. Essa desconexão é que provoca insegurança no mercado e na economia do País. Creio que dessa vez tem razão o Ministro José Dirceu; não tem razão o Ministro Palocci, porque o fato dá razão ao Ministro José Dirceu. Já no início dessa crise internacional houve um forte abalo no mercado nacional. A Bolsa desabou, o dólar subiu e o risco Brasil saltou para uma posição que não se alcançava há muito tempo. Portanto, afeta; não há dúvida que afeta. Não temos uma economia consolidada a tal ponto para fazer frente a abalos provocados pela economia internacional. Houve um tempo em que se dizia que um espirro em Washington provocava uma pneumonia no Brasil. Não sei se chega a tanto, mas, que afeta afeta. Por isso é preciso que este Governo afine a viola e toque uma música só, senão vira um samba do crioulo doido e ninguém mais consegue entendê-lo.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias, V. Exª tem razão. Uma dos motivos que dificulta bastante a unidade do Governo é a quantidade de Ministérios. Jamais tivemos um governo com tantos ministros.

Hoje também li uma matéria, e não sei se V. Exª viu, em que se dizia que agora para cada Ministério haverá um Deputado que falará pelo ministério. Ora, vai ficar muito engraçado isto, Sr. Senador: vamos ter 35 Deputados que serão porta-vozes de respectivos Ministérios. Serão uma espécie de auxiliar de Ministro nesta Casa. Certamente, haverá Senadores que farão o mesmo, quer dizer, cada um deverá ser porta-voz de um Ministério. Creio que até V. Exª pode escolher de que Ministério será porta-voz. Haverá muitos falando sem ter o que dizer, porque, se examinarmos direitinho, desses 35 Ministérios pelo menos 25 não fazem nada. O Deputado vai falar sobre o quê? Realmente, será difícil esse emprego de porta-voz de Ministério. Graças a Deus, somos da Oposição e não vamos ser escolhidos para essa ingrata função.

Outro assunto que tira a credibilidade do Governo é o caso Waldomiro, ainda não resolvido. Isso é um cadáver insepulto. Na realidade, sem a CPI, até agora não foi tomada nenhuma medida especifica para que seja apurado e punido por uma irregularidade filmada e mostrada para todo o Brasil. Toda vez que viajo para meu Estado - isso acontece comigo e com outros companheiros do Senado -, as pessoas me perguntam na rua: o que aconteceu com Waldomiro? Digo: nada. Outro dia, Waldomiro estava no supermercado, tranqüilo, andando como qualquer outro brasileiro, solto, sem nenhuma punição, exatamente porque o Governo, majoritário, não deixa que ele seja ouvido em uma CPI no Senado, na Câmara ou no Congresso. Nem as contas, nem os telefonemas de Waldomiro foram abertos. Na realidade, não há como puni-lo sozinho porque ele fazia parte de uma rede e não agia sozinho evidentemente.

Outro aspecto é o aumento da carga tributária. O Governo cansou de garantir que a carga tributária não aumentaria. Pois aumentou. Ontem mesmo, tivemos uma série de matérias em todos os jornais no seguinte sentido:

Apesar do compromisso do Governo de que não haveria aumento da carga tributária com as mudanças na Cofins, só o recolhimento da contribuição subiu 21,25% em abril de 2004 sobre o mesmo mês de 2003.

Portanto, a Cofins, cuja arrecadação nós aqui cansamos de dizer que seria aumentada, porque a regra evidentemente punia determinado grupo de atividades econômicas, subiu. O Ministro Antonio Palocci prometeu que se subisse a arrecadação da Cofins ele diminuiria a taxação. Agora é o momento de cobrarmos do Ministro que faça um ajuste na taxa - que é bastante alta, 7,6% - e que a arrecadação, se não puder diminuir, ao menos não aumente.

Outra questão é a dos investimentos em infra-estrutura, outra área inteiramente paralisada. Na área de saneamento nem se fala porque nem os marcos regulatórios foram enviados ao Congresso. Na área de energia elétrica já se aprovou o novo modelo, mas nenhuma licitação foi realizada pela Aneel, porque ainda estão fazendo a regulamentação do novo modelo para que possa ser regulamentado.

A área de transportes também não recebe a quantidade de recursos necessária, nem os da Cide, para que possa fazer a recuperação das estradas. Peguei alguns dados:

     Paralisia do setor de infra-estrutura.

     Quinhentos e quarenta e dois milhões é o valor devido pelo Governo Federal às empresas de construção pesada por obra realizado em 2002/2003.

     Quarenta e seis milhões foram liberados pelo Ministério dos Transportes para obras neste ano” - deve 542 milhões, liberou 46 milhões, menos de 10%.

     Cinqüenta e oito mil quilômetros de rodovias federais aguardam investimento para recuperação. Quarenta e sete por cento dessas estradas estão em péssimas condições. Dois bilhões são previstos pelo Governo em investimentos destinados a 25% das estradas federais este ano. Vão recuperar somente 25%, e 60% dos recursos projetados para essas obras ao longo dos próximos quatro anos terão que vir da iniciativa privada.

Portanto, na área de infra-estrutura também o sistema continua parado.

E temos aqui no Congresso tanto a Câmara como o Senado paralisados por conta do excesso de MPs. Na semana passada nós tínhamos oito medidas provisórias fechando a pauta do Senado e somente se aprovou uma, Senador Papaléo Paes, na quarta-feira. Dá a impressão de que a Oposição está fazendo obstrução, Senador Ney Suassuna, mas V. Exª sabe que não foi a Oposição que fez a obstrução. O próprio Relator Senador Tião Viana pediu para ser adiado para esta semana. Então, nesta semana estamos novamente com a pauta fechada, e o Governo não parou de mandar MP. Na sexta-feira o Governo mandou três MPs novas para o Congresso que tramitarão na Câmara, fecharão a pauta daquela Casa e depois vêm fechar a pauta do Senado.

Temos diversos assuntos que precisam ser votados, inclusive a reforma do Judiciário, da qual sou o Relator. Nós a aprovamos por acordo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania há mais ou menos um mês; está aqui pronta para ser votada e eu não sei quando se vai votar. Inclusive me perguntam sobre isso. Hoje mesmo eu concedi entrevista a rádio e uma pessoa perguntou-me quando se vai votar a reforma do Judiciário. Não sei, porque com a pauta fechada não é possível votar. Quando conseguimos abrir e votar, chegam mais três ou quatro medidas provisórias que fecham a pauta.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador...

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Eu concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Eminente Senador, elogio o modo como V. Exª ouviu todos para fazer o relatório da Reforma do Judiciário; V. Exª, com a maior humildade, fez a seleção do que poderia ou não ser aprovado. Já deveríamos ter votado essa emenda constitucional. As MPs, de fato, têm tumultuado a nossa vida. Muitas delas precisam apenas de renovação, também por nossa culpa. Entretanto, a grande maioria refere-se a matérias novas que realmente carecem de análise, e, infelizmente, não as temos apreciado. Portanto, tenho me sentido frustrado e tenho certeza de que V. Exª deve estar se sentindo assim também. A Casa tem operado pouco porque a pauta tem estado obstruída.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Temos que conseguir da parte do Governo a redução da quantidade de medidas provisórias, pois com esse grande número de MPs, por mais esforço que se faça, não é possível dispor de pelo menos um dia para discutir cada uma delas. Inclusive o Regimento do Senado permite que cada Senador fale, opine. Logo, muitas vezes, gastamos cinco ou seis horas discutindo apenas uma MP. Se houver oito medidas provisórias, serão necessárias duas ou três semanas, e já estamos no final do primeiro semestre.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - As matérias ficam trinta dias lá e cinco aqui.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - A média aqui é de sete dias.

Sr. Presidente, encerrando o discurso, registro que o Governo petista completa 500 dias e é visível a inquietação popular ante a paralisia e a incapacidade administrativa da equipe. Este é um Governo sem rumo. Temos um Presidente diferente daquele que, recém-eleito, buscava o contato direto com a população. Hoje, apático e arredio a eventos públicos, temeroso de seu novo momento em que é recebido invariavelmente com vaias e críticas. Nesse quadro, faço mais uma vez um apelo ao Presidente Lula, em nome de todo o povo brasileiro: Presidente, chegou a hora de começar a governar.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2004 - Página 14705