Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamenta a exclusão do Nordeste da estimativa da produção agrícola para 2004.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Lamenta a exclusão do Nordeste da estimativa da produção agrícola para 2004.
Aparteantes
Efraim Morais, Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2004 - Página 14713
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, AGRICULTURA, SOJA, ARROZ, TRIGO, ALGODÃO, ESTADOS, COMPARAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, DEFESA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, IRRIGAÇÃO, TERRAS, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ESTADO DA PARAIBA (PB), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), INVESTIMENTO, PRODUÇÃO, FRUTA.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PRODUTOR RURAL, DIVIDA, BANCO DO BRASIL, BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), COMENTARIO, FALTA, INVESTIMENTO, AGRICULTURA, REGIÃO NORDESTE, VINCULAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje quero abordar o tema agricultura. Falarei não só da agricultura brasileira, mas principalmente do que ela representa em meu Estado.

Atualmente plantamos 62 milhões de hectares e já exportamos 15% do nosso PIB. Trinta por cento do que é exportável é do agrobusiness.

A agricultura é a área que mais rapidamente gera empregos. Diferentemente de outras, principalmente a industrial, que demanda muito investimento, a agricultura não tem dificuldades em gerar empregos.

A nossa agricultura, de modo geral, vai bem. Entretanto, na expansão, o Sul está praticamente saturado. O Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão quase que inteiramente cultivados. A região Centro-Oeste, o Planalto Central e a região Norte são os grandes cenários dessa explosão da agricultura. Mas podemos expandir ainda 90 milhões de hectares sem mexer na floresta amazônica.

Essa é uma riqueza incrível em um mundo que cada vez mais necessita alimentos e produtos. Estamos com 62 milhões de hectares plantados e podemos ter ainda novos 90 milhões de hectares.

O Brasil tem um futuro grandioso na área agrícola, desde que não criemos óbices a esse desenvolvimento. A invasão de propriedade é um deles. O problema dos transgênicos, com o qual estamos lutando, é outro. Mas por que não lembrar também as estradas, os portos e a importação de insumos, uma vez que, para a correção de solo, precisamos importar insumos da Argélia, do Marrocos e de vários outros países.

A principal jóia dessa coroa do agrobusiness é a soja, mas já estamos auto-suficientes, Senador Mestrinho, em trigo. É uma alegria vermos que, ano passado, já tivemos trigo suficiente para o consumo nacional. O algodão, no Mato Grosso, está explodindo, em pouco tempo estaremos também auto-suficientes. E há também o arroz não só no Sul, mas no norte do País e em outras áreas menores.

Dentro desse cenário tão grandioso e promissor, como está o Nordeste, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores? No Nordeste, a situação não é boa. A grande plantação é a de cana-de-açúcar, e a nossa produtividade não se compara com a de São Paulo ou de outras regiões.

Em relação ao algodão, continuamos com o temor do bicudo. Trata-se de realidade, pois praticamente acaba com a nossa safra.

O agave, que era uma riqueza daquela região semi-árida, perdeu o mercado com a criação das fibras de nylon. Hoje, há um pequeno nicho, ou para amarrar fardos de feno na Europa - porque não cria problemas como o nylon, caso os animais comam os fios -, ou para as cordas de alguns cabos de navio especializados.

Mas para onde foi o nosso abacaxi? A Paraíba era famosa pela sua produção de abacaxi. Minguou, atrofiou, porque não tivemos investimentos para produzi-lo in natura, ou processar sucos, ou porque fomos batidos pela produção de outros tipos de abacaxi, que não são tão doces, mas são mais produtivos.

A verdade é que, no Nordeste, a situação não é a mesma, embora grande parte da população dependa dessa área: Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte, principalmente, e Piauí. Nessas áreas, incluindo uma grande parte da Bahia e de Minas Gerais, o semi-árido é muito duro. Mas na realidade estou falando mais da minha região, onde só temos um nicho, uma esperança, que é a produção de frutas. A experiência bem-sucedida que tivemos de plantar frutas em Petrolina mostrou que o Nordeste pode ser um outro Chile, uma Califórnia, desde que haja água. Temos um solo bom e uma insolação fabulosa, mas é preciso água. O São Francisco detém 60% das águas do Nordeste. Se não fizermos a transposição do São Francisco, terras boas da Paraíba, do Ceará, do Rio Grande do Norte e de Pernambuco não terão possibilidade de alavancagem. No caso específico da Paraíba, se não houver transposição, não há futuro.

Temos algumas grandes barragens, como a Curema-Mãe D’água. Infelizmente os canais não estão terminados. Poderíamos ser uma pequena Califórnia. A terra é de aluvião, excelente. A barragem, gigantesca, permitiria fazer irrigação o ano inteiro, mas o Governo não concluiu as obras até hoje. E esses canais, que na Paraíba chamamos de canal da redenção, estão paralisados. O sonho daquela região é que seja concluída a irrigação, uma vez que os canais já estão feitos, e possamos ter ali uma alta produtividade de frutas, uma outra Petrolina.

Para V. Exªs terem uma idéia, Petrolina, que começou pequena, hoje tem uma importância tão grande que o aeroporto já é internacional, e de lá partem frutas para o mundo todo. E é apenas uma pequena mancha no mapa, não é, Senador Sérgio Guerra? Imaginem se pudéssemos expandir essa área para todos os Estados que citei: Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte. Com certeza não estaríamos na dificuldade que os agricultores tiveram.

Aqui mesmo, no Senado, tomamos conhecimento de uma experiência do Senador José Agripino, que plantou melão. Enquanto teve água, enquanto não houve estiagem, foi extremamente produtivo. Mas com a grande estiagem, faltando água, o projeto tornou-se inviável.

No momento, temos água estocada, tivemos um grande inverno para acumular água, mas não tivemos um inverno que nos proporcionasse uma produção. As primeiras chuvas, que foram enormes e que causaram catástrofes, destruíram o que foi plantado, destruíram até as casas, destruíram cidades. Aí, vejam a infelicidade: estávamos morrendo de sede e, de repente, fomos afogados em enxurradas. Mas continuou chovendo de forma irregular, e tivemos somente 20% da nossa produção.

Estamos diante do que chamamos no Nordeste de uma seca verde. Quem passa e olha, vê o pasto verde. A região do Senador Efraim Morais, que é uma região seca, está verde. Mas, em um mês ou em dois meses, se não chover ou se, pelo menos, não serenar, ficará tudo seco, tudo tórrido, sem água sequer para consumo. Mas água acumulada nos grandes reservatórios nós temos; não tivemos safra.

Fico aqui perguntando a V. Exªs, ao Governo Federal e principalmente ao Ministério da Agricultura até quando vamos ter o êxodo de nordestinos sempre que não há safra, que não há chuva ou que há uma estiagem? Muitos vêm embora para cá, para o Sul, para o Sudeste ou vão para o Norte. Já pensaram qual o custo social disso? Famílias inteiras ficam sem o seu chefe, e quem passa hoje pelas estradas do Nordeste vê algo de cortar o coração: a prostituição infantil, o desemprego, o abandono. É realmente um quadro desolador.

Concedo o aparte ao nobre Senador Efraim Morais.

O Sr. Efraim Morais (PFL - PB) - Senador Ney Suassuna, V. Exª traz à tribuna desta Casa, nesta tarde, um assunto da maior importância e relevância para a nossa agricultura não só da Paraíba, mas de todo o Nordeste. Tivemos dificuldades, no início do ano, pelo excesso de chuvas e estamos prejudicados agora pela sua falta. Evidentemente, no mês de janeiro, período em que tivemos desabrigados, estradas rompidas, vários açudes e barragens perdidos, restava-nos ainda - principalmente para os homens do campo - a esperança de um grande ano para a agricultura, o que não se confirmou. Após as enchentes, houve um esforço por parte do Governo do Estado, por parte dos governos municipais e por parte de todas as lideranças na distribuição de sementes, de tratores. Infelizmente, 60 dias após, não caiu um pingo d’água sequer. V. Exª traz uma informação importante para esta Casa, quando diz que apenas 20% da safra será colhida se tivermos algumas chuvas pelas bênçãos de Deus. Isso mostra ao País o quanto sofre o nordestino. A alegria foi momentânea. Evidentemente, os mananciais ficaram abastecidos com água suficiente para muito tempo. Infelizmente, as pessoas acreditaram que o inverno seria normal. Há homens que investiram tudo o que tinham para ter direito a uma safra. Espero que haja, por parte dos Governos Estaduais e Federal - já que por parte dos governos municipais dificilmente ocorrerá -, um amparo a essas famílias, para que possam continuar trabalhando suas terras e tendo sempre esperança de melhores dias. Temos um problema seriíssimo. Tenho certeza de que V. Exª, como Vice-Líder do Governo, trará esse assunto com mais força no decorrer desses dias. Falo das dívidas dos agricultores, principalmente com o Banco do Nordeste e com o Banco do Brasil. Creio que a Oposição e o Governo devem, neste momento, somar forças. Agora, no dia 31 de maio, essas dívidas vencerão. Mas o Governo Federal deve admitir a impossibilidade de serem pagas, caberá a ele ter sensibilidade com o assunto. Acredito que a questão está entregue a V. Exª, como Vice-líder do Governo; por isso pode contar com a Oposição a fim de que possamos encontrar, senão uma solução definitiva, melhores dias para os paraibanos, para os nordestinos, enfim, para brasileiros que precisam de apoio do Governo devido à irregularidade das chuvas que caíram no nosso País.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador Efraim Morais, pelo seu aparte.

É uma pena que cada vez que vamos ao nosso Estado - e temos ido com constância -, voltamos um pouco deprimidos. V. Exª abordou algumas questões reais: primeiro, a safra foi abortada; segundo, estamos com nossos agricultores endividados. Na região, vi - já me referi ao assunto - casos incríveis. Fizeram um empréstimo para comprar ração, e hoje todo o gado e a fazenda não pagam esse empréstimo. Fizeram um empréstimo, nobre Senador Sérgio Guerra, para plantar algaroba. Chegaram à região e não se preocuparam com o meio ambiente não, usaram um trator de esteira, arrancaram tudo, gradearam em dois sentidos, limparam tudo. O técnico - naquele tempo do IBDF - olhou e autorizou o projeto para a plantação de algaroba. Quanto à algaroba que foi plantada, o cidadão pagou do seu bolso, na frente. Portanto, não houve nenhum problema como o da mandioca, nada daqueles escândalos. O cidadão gastou o dinheiro dele para ser ressarcido depois. O que ocorreu? A algaroba não era o que o Governo dizia que era. Hoje o cidadão está devendo a sua terra, porque está hipotecada para aquele empréstimo, e está no Cadin. Enfim, a vida acabou desses cidadãos e dessas famílias. Só na Paraíba, são 120 fazendeiros grandes que acreditaram nesse projeto e que hoje estão encalacrados sem saber o que fazer. É deprimente. As dívidas junto ao Banco do Nordeste ou ao Banco do Brasil são impagáveis. Cada vez os homens têm menos esperança e mais desalento.

Concedo o aparte ao Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Senador Ney Suassuna, o tema principal do seu discurso é a agricultura nas nossas regiões, principalmente no sertão ou no sequeiro dos Estados centrais, os mais pobres do ponto de vista de recursos naturais: Paraíba, Pernambuco e parte do Rio Grande do Norte. Trata-se de um discurso que nos deixa muito preocupados. V. Exª usou a palavra “deprimente”. Voltando à Paraíba, andando no seu Estado, V. Exª chega absolutamente descrente. Não é para menos. Sou Parlamentar, com um ano e meio como Senador, há 13 anos e meio e fico constrangido ao fazer novamente um discurso que nós nordestinos repetimos incansavelmente. É algo que nos deixa bastante deprimidos, na palavra exata e honesta, ao seu estilo de comunicação. Assistimos a um cenário que todo mundo já conhece. Há duas realidades no Brasil, a agricultura do agrobusiness, que tem competitividade, que exporta e que produz resultados econômicos para o País, e a agricultura daquela nossa área, que não sustenta nem a população. Todos sabemos que solução para ela é uma só: água. Pode-se afirmar sobre a chamada gerência dos recursos hídricos no Nordeste brasileiro no geral e nesse Nordeste a que se refere o Senador Ney Suassuna em particular que há uma total e completa falta de responsabilidade, de prioridade e de atenção. Há dezenas de barragens construídas que não são ligadas por adutoras. Há água concentrada e não há recursos para fazer agricultura irrigada. Enfim, não há planejamento, prioridade. O Vice-Presidente da República, que acredito deve saber o que fala, porque é um homem bem-sucedido na vida privada, referiu-se a um programa de transposição das águas do rio São Francisco. Trata-se de um programa de grande porte. Mas sabemos que, para uma barragem que precise de R$200 mil ou de R$300 mil para levar água a uma cidade cujos habitantes estão morrendo de sede, não há verba. Os programas de irrigação não são visíveis, não existem. Essa é uma situação que não temos rigorosamente como explicar, a não ser pelo fato de que o Brasil não presta atenção nos mais pobres, especialmente nos da nossa região, onde há uma grande concentração de pobreza. Então, eu fico perplexo. Esse meu discurso não é oposicionista. Não é hora de fazê-lo. Este é um Governo que tem origem na pobreza. O Presidente Lula começou no agreste, numa região de pequenas propriedades mais do que divididas, onde não há água. Não se trata de reforma agrária, mas de recursos naturais, de falta de água, de uma agricultura de subsistência, que V. Exª bem conhece, que não vai adiante. O Presidente Lula aí está, e o que fez até agora para dirimir tudo isso? Por onde anda o chamado Dnocs? Onde está a política de combate às secas? Qual a ação do Ministério da Agricultura em relação a essa região? E os programas de irrigação onde andam, onde se encontram e são visíveis? Qual é a prioridade de qualquer ministério sobre esse assunto? Nenhuma. O discurso do Vice-Presidente é grandiloqüente de um lado, mas, de outro, zero de ação. Os nordestinos, como nós, não acreditam neles. Se não temos capacidade de ver as pequenas coisas, como imaginar as grandiosas? Há uma completa insensibilidade e uma falta de prioridade integral. O pior é que falamos disso, e poucos acreditam.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Era o que eu iria falar.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - O tema está tão desgastado que parece nordestino pedindo água, ajuda. Ajuda coisa nenhuma! E isso pode se transformar em legítima revolta, como é legítima a revolta daqueles que, sem terra, vão a sua procura. O nosso problema não é a falta de terra, mas de fome; falta de água, de distribuição de água e de Governo. Este Governo não existe. A população não sabe por onde ele anda.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, eminente Senador. Desde o Império que nos prometem. Por isso, não acreditamos. V. Exª está coberto de razão. Não acreditamos nas promessas porque não vemos ação.

Certa vez, Sr. Presidente, fui ao Rio Grande do Sul, onde, em uma reunião de empresários, disseram-me: “Vocês, nordestinos, ficam sentados o tempo todo na calçada e não trabalham”. Expliquei-lhes: “Em que trabalhar? O nordestino trabalha na agricultura, e não tem água para beber. Então, o que plantar? O que fazer? Migrar, morar debaixo da ponte em São Paulo, no Rio de Janeiro ou vir a essas metrópoles em busca de subemprego?! Quando o nordestino vem para as metrópoles, deixa no sertão a família, que se desorganiza inteiramente. As meninas passam a fazer parte da legião daquelas que ficam nas estradas se prostituindo”.

É muito duro ser nordestino! Eu diria que é revoltante. O que fazer? Há anos que pleiteamos providências. Estou nesta Casa há dois mandatos e estou cansado de abordar esse tema. Poderiam começar com pequenas ilhas pra irmos expandindo. Mas, infelizmente, não se começa nada.

Lamento, Sr. Presidente, por ter extrapolado meu horário. Cada vez que vou ao Nordeste e visito a casa de um lavrador, saio envergonhado e realmente deprimido.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2004 - Página 14713